PASSAGEM DE NOEL ROSA POR NOVA FRIBURGO




Esse ano se comemora o centenário do nascimento do grande compositor carioca Noel Rosa, nascido em 11 de dezembro de 1910, no Rio de Janeiro. Nada mais oportuno falar de Noel Rosa nesse momento em que passa o Rio Janeiro, onde as elites cariocas finalmente derrubam os muros da “cidade partida”, como definiu Zuenir Ventura, e o poder público volta sua atenção às comunidades das classes populares do Rio Janeiro. Noel Rosa já se antecipara nessa vinculação entre o asfalto e o morro. Nunca aceitou essas fronteiras e sempre fez uma ponte entre a classe média carioca, no qual era originário, e os compositores dos “morros” (comunidades) do Rio de Janeiro. Era fascinado pela figura do “malandro do morro” que nada se assemelha aos atuais bandidos cariocas. O que hoje as elites querem resgatar, Noel o fez há quase um século atrás.


Noel Rosa ingressou no curso de medicina mas a boemia falava mais forte em sua vida, levando-o a abandonar o curso. Franzino e debilitado desde muito cedo, sua mãe ficava sempre preocupada com o filho que vivia nas noites cariocas. Sabendo, certa vez, que Noel iria à uma festa, escondeu todas as suas roupas. Quando seus amigos chegaram para apanhá-lo, Noel grita, de seu quarto: "Com que roupa?". No mesmo instante a inspiração para seu primeiro grande sucesso, gravado no carnaval de 1931, onde vendeu 15000 discos.

Tímido e recatado, Noel relaxava bebendo e compondo. A polícia, à época, prendia o sujeito que tinha calo nos dedos de tocar violão, pois o considerava um “vagabundo”. Sempre sem dinheiro, suas composições lhe rendiam apenas alguns parcos tostões e o pouco que recebia gastava tudo na boemia com as mulheres e com a bebida. Sua vida desregrada acabou lhe gerando uma tuberculose. Há o relato de que quando já apresentava um quadro clínico de tuberculose avançada e proibido de beber sem comer alguma coisa, um amigo o encontrou em um bar tomando cerveja e caçhaça e o recriminou, ao que ele respondeu: “Dizem que cerveja alimenta e eu como não posso beber sem comer, eu como cerveja e bebo cachaça.” E foi devido a tuberculose que contraíra que Nova Friburgo entra em um difícil momento de sua vida.

Há relatos de que Noel Rosa se tratou em Nova Friburgo. Era natural. Nova Friburgo era considerada a “cidade sanatório” para onde afluíam, devido a salubridade de seu clima, muitos doentes vítimas da tuberculose. A proximidade com o Rio de Janeiro aumentava ainda mais o número de pessoas que buscavam o muncípio para se convalescer dessa temível doença. Ao contrário do que ocorrera no passado, no início do século 20, os bons hotéis da cidade já não aceitavam hospedar pessoas doentes de tuberculose. Nova Friburgo recebia tantos tísicos que já assustava os veranistas que se hospedavam nos hotéis, pois a doença era contagiosa. A recepção desses tuberculosos ficava a cargo das inúmeras pensões que havia na cidade. O Sanatório Santa Terezinha, no Catarcione, seria inaugurado somente na década de 40, do século 20 e o Sanatório Naval apenas recebia militares da Marinha. Há referência de que Noel Rosa alugou uma casa em Nova Friburgo. Consequentemente, pode ter permanecido por alguns meses. Noel Rosa deve ter estado em Friburgo entre 1930 e 1936 para se curar da tuberculose. Há quem afirme que a música “O Orvalho Vem Caindo” tenha sido composta em Nova Friburgo por Noel enquanto se convalescia. A letra e a melodia triste de fato nos remetem a Friburgo nesse período de sua vida, que diz: “O orvalho vem caindo, vai molhar o meu chapéu/ e também vão sumindo, as estrelas lá do céu/ Tenho passado tão mal(...)A minha sopa não tem osso e nem tem sal/Se um dia passo bem, dois e três passo mal.”

Mas como provar que Noel Rosa esteve em Nova Friburgo? Infelizmente, os jornais da época, que devem ter registrado sua passagem por aqui, não estão disponíveis para consulta no Centro de Documentação da Prefeitura. No entanto, Derly Moreira Chlaloub, nascida em 1921, nos informa que sua mãe contava que via Noel Rosa na Praça Getúlio Vargas. Sentado no banco, cuspia constantemente no chão, uma postura típica dos tuberculosos. Noel, habituado a boemia nas rodas de samba, o autor de “Conversa de Botequim”, onde explora a sociabilidade carioca, deve ter achado entediante sua passagem pela modorrenta Nova Friburgo. Nessa ocasião, Friburgo tinha uma influência muito forte da cultura alemã, sendo que os industriais alemães, por conta das indústrias de grande porte que por aqui se instalaram, implementaram uma cultura baseada na disciplina no cotidiano da cidade. O comportamento dos friburguenses em nada se assemelhava a camaradagem fácil da boemia carioca que tanto atraíra Noel. Falecido no Rio de Janeiro, em 04 de maio de 1937, aos 26 anos, vitimado pela tuberculose, deixou um legado de mais de duzentas músicas onde a tônica de sua obra foi o cotidiano do carioca e a crítica social. O trovador friburguense José Nogueira, o Bieca, registrou a passagem de Noel Rosa por Nova Friburgo. Em suas trovas sobre Friburgo na década de quarenta, do século 20, escreveu: “Friburgo que Rui Barbosa aplaudiu quando chegou, Friburgo que Noel Rosa, no seu coração guardou”.

Monumento dedicado a Noel Rosa, em Vila Isabel, no Rio de Janeiro




A PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA É PREMIADA



No final desse ano, recebi o prêmio "Memória da Cidade" da Associação Friburguense de Imprensa. O prêmio foi dado pela primeira vez nesse ano a quem resgata a memória local. Na realidade, minha maior satisfação foi o ter inaugurado um prêmio que reconhecerá, daqui em diante, o trabalho de pesquisa de todos aqueles que se dedicam em levantar e preservar as experiências pessoais, familiares ou de comunidades do município.


ASSOCIAÇÃO FRIBURGUENSE DE IMPRENSA PREMIA MÍDIA LOCAL
Publicado em 18/12/2010 em A VOZ DA SERRA
Dalva Ventura

A Associação Friburguense de Imprensa (AFI) reviveu seus tempos de glória na noite de quinta-feira, 16, com a realização do jantar de confraternização dos jornalistas e a divulgação dos Melhores da Imprensa 2010. O jantar foi realizado na boate Prime Club, do Nova Friburgo Country Club, e reuniu cerca de 120 profissionais da mídia local, contando com a presença da maioria dos indicados.

Os vencedores receberam diplomas de Melhores do Ano. A honraria reverenciou o trovador e radialista Rodolpho Abbud, que demonstrou visivelmente estar muito feliz com a homenagem. O radialista Marcelo Merecci foi o mestre de cerimônias da noite e fez questão de destacar o importante papel de Abbud na radiofonia friburguense. Para os mais jovens, que só conhecem Rodolpho Abbud como trovador, vale registrar seu trabalho como comentarista esportivo.
Rodolpho Abbud, O Magnífico, foi recebido de pé e com muitos aplausos e recebeu seu diploma das mãos do secretário municipal de Comunicação Social, David Massena. “Rodolpho é uma referência para todos nós”, afirmou. Agradecendo a homenagem, Abbud se disse “um apaixonado pelo jornalismo esportivo”.
O jornalista Wanderson Nogueira (programa Esportes TV Zoom) ganhou um prêmio especial, assim como Paulo Nader (A VOZ DA SERRA e Luau TV). A historiadora Janaína Botelho recebeu o troféu Memória da Cidade, pelo trabalho que vem realizando no resgate da história de Nova Friburgo.

O jornal A VOZ DA SERRA foi o grande vencedor na categoria Jornais. Henrique Amorim conquistou o prêmio de Melhor Repórter 2010 e de Melhor Reportagem do ano, com a matéria “Pulseiras coloridas estimulam o sexo livre entre jovens”, publicada em abril deste ano, que depois de veiculada em A VOZ DA SERRA foi abordada em jornais das grandes capitais e foi até tema de reportagem no programa Fantástico, da TV Globo. Além disso, Angela Pedretti conquistou o prêmio de Melhor Editora; David Massena, o de Melhor Colunista Social; e Lúcio César Pereira, o de Melhor Fotógrafo.

Os vencedores
Prêmios Especiais
Wanderson Nogueira (Programa Esportes TV Zoom)
Paulo Nader (Jornal A Voz da Serra e Luau TV)
Paulo Nunes (Revista Momento Ambiental)

Troféu Memória da Cidade
Janaína Botelho



Prêmio Revelação
Vinícius Gastim (Rádio Nova Friburgo AM)

Categoria Informática
Site – Friweb
Blog - Blog do Barbudo (Gilvan Costa)

Categoria Jornais
Diretor - Dib Curi (Século XXI)
Repórter – Henrique Amorim
Reportagem do Ano- “Pulseiras coloridas estimulam o sexo
livre entre jovens”
Editor - Angela Pedretti
Colunista Social - David Massena
Fotógrafo - Lúcio César


Categoria Rádio
Diretor - Leonardo Asth (Nova Friburgo AM)
Locutor - Marcio Vergetti (Rádio Sucesso FM)
Repórter - Daniele Asth (Rádio Nova Friburgo AM)
Programa Musical - Coracy Martins (Rádio Nova Friburgo AM), com o seu Canta Brasil
Programa Jornalístico – Repórter Friburguense (Rádio Nova Friburgo AM)
Programa de Variedades – Dimensão Total, de Ernani Huguenin (Rádio Nova Friburgo AM)

Categoria Televisão
Apresentadora - Annelise Ruiz (TV Zoom)
Cinegrafista - Rafael Pinheiro (SBT)
Repórter - Luciana Thomaz (Rede InterTV)
Produtora - Izabela Stutz (TV Zoom)
Programa Jornalístico - RJ InterTV (Rede InterTV)
Programa de Entrevistas – Bar’t’Papo (TVC News)
Programa de Variedades – Atual (SBT), de Luciana Ferraz
Programa Musical – Botequim do Samba (TV Zoom)

Formandos do Colégio Anchieta - Turma de 1978

Resolvi postar essa foto para que os colegas de minha turma possam capturá-las. São poucos os que tenho contato hoje, como Tereza Campos Vieira e Denise Pecci, ambas médicas e Marco Antonio Coutinho(advogado). O José Roberto Magalhães trabalho comigo na Candido Mendes e é diretor da Unidade de Vitória e o Chicre(médico) é o diretor do Raul Sertã. O José Resende foi Secretário de Administração nos primeiros anos do governo do Heródoto. Alguns já faleceram como Tiquinho(arquiteto), Mariozã(médico), Evandro Mussi(veterinário) e Tânia Costa. Essa foto tiramos na escadaria do Colégio Anchieta. Bons tempos.

A PRISÃO SEM CULPA NA DITADURA MILITAR:CARTA DE HUMBERTO EL-JAICK



O ano era o de 1964. César Lívio(06/01/1943) era estudante secundarista do Colégio Municipal Rui Barbosa do turno noturno. Saindo do trabalho na fábrica Filó se dirigiu ao Colégio Rui Barbosa e como fazia sempre, tomou o mingau que era oferecido aos alunos enquanto esperava no pátio do colégio o início da aula. Mais um dia na rotina de César Lívio entre o trabalho e o colégio. No entanto, aquele não foi um dia de aula qualquer. Foi um dia atípico. Antes mesmo do início das aulas um jeep do exército estacionou em frente ao colégio dele saindo seis soldados. Os militares entraram no colégio e efetuaram a prisão de Humberto El-Jaick, professor da história da instituição. César Lívio nunca esqueceu esse dia. O adorado professor de história trajava um terno branco quando foi preso. Saiu aparentando tranqüilidade e ainda acenou com um adeus aos seus alunos. Nesse dia não houve aula e nem no dia seguinte. Os alunos quiseram incendiar o colégio, que fora uma antiga fábrica de carretéis e ainda guardava muito material no depósito na escola. Porém, o Prof. Coutinho contemporizou com a turba. César Lívio, que fazia parte do Centro Estudantil Rui Barbosa, chegou a ser perseguido pela polícia do exército durante algum tempo. Rondavam sua casa. Teve medo. Eram tempos difíceis.

Humberto El-Jaick, da prisão, escreveu a seguinte carta que foi publicada em A VOZ DA SERRA de 25/26 de abril de 1964. A censura do governo militar ainda não atingira a imprensa: “Polícia Militar. Niterói, 18 de abril de 1964. Minha querida esposa. Lamento o sofrimento que meus inimigos gratuitos estão causando a você e a nossos idolatrados filhos com a injustiça da minha prisão. Se o pensamento revolucionário está consubstanciado nesta frase do atual presidente, sou também um revolucionário, estou no caminho certo, não tenho por que temer nem me penitenciar. Sabe você, sabem nossos filhos e nossos amigos, sabem nossos leais adversários que o meu procedimento político outro não tem sido senão o de lutar democraticamente pela Humanização do homem e pelo desenvolvimento de nossa estremecida Pátria. Sabem todos, e mais que todos Deus é testemunha, que sempre repeli com a mesma veemência todas as formas de extremismo. E se repilo os extremismos é porque sempre coloquei acima de todos os bens humanos o que me parece supremo e inviolável: a LIBERDADE. Não sei ainda porque estou preso. Minha consciência está tranqüila. Minha vida, meu passado e meu presente responderão por mim. O povo de Friburgo que me julgue. Quem tiver alguma prova capaz de me condenar na presente conjuntura, que a apresente às autoridades antes do meu julgamento. É um repto de honra que lanço desta prisão ao povo da minha terra. A despeito das calúnias, das infâmias, das intrigas, de tudo, ainda creio na justiça dos homens. O sofrimento purifica os nossos sentimentos. A injustiça nos torna mais justos e chego mesmo a pensar que todos os homens deveriam sofrer injustiças para aprenderem a ser justos. Aos que me acusam levianamente, as despeitados, aos covardes e aos corruptos que não trepidaram em me afastar de você, dos nossos filhos, dos meus amigos e dos meus alunos, respondo com a minha comiseração pois hão de sentir indignos deles mesmos. Não lhes guardo nenhum ódio nem desejo de vingança.(...)Minha querida esposa ainda não me refis de todo do impacto da injustiça sofrida. Posso, no entanto concatenar minhas idéias e fazer um retrospecto de todas as minhas atividades políticas. Confesso a você que se for condenado pelos crimes de que posso ser acusado, prefiro a condenação porque ainda entendo que é melhor morrer com honra do que viver sem dignidade. Minha vida, toda Friburgo é testemunha, tem sido em favor da educação da infância e das juventudes pobres. Por elas, e aí é que imploro seu perdão e dos nossos filhos, tenho sacrificado o bem estar material de vocês. Nunca lhes pude dar o conforto que merecem mas jamais um de vocês reclamou o meu procedimento em favor dos mais necessitados. Antes, pelo contrário, Você Minha Querida Esposa tem sido o dínamo que me impulsiona nas horas de abatimento e de decepção. Contrária à minha participação na política, mesmo assim, você nunca me deixou sozinho em todos os momentos da minha vida. Beije duas vezes os nossos filhos, por mim e por você. Diga-lhes que qualquer que seja o meu sacrifício em favor deles é pouco pelo muito que os adoro. Lamento ainda uma vez o sofrimento que lhes estou causando. Lamento mas não peço perdão. Perdão é para os que erram. Estou convencido de plena consciência que todas as minhas atitudes têm sido em benefício da Família Brasileira e de nossa inigualável Pátria.(...) estarei mais firme do que nunca para prosseguir na luta pela consolidação de um regime democrático autêntico que possibilite a todos, ricos e pobres, uma vida digna e humana alicerçada nos insuperáveis e imperecíveis ensinamentos de Cristo no Sermão da Montanha. Abraços e beijos. Humberto.”


Humberto El-Jaick

Humberto El-Jaick(1922-1990) foi um dos fundadores e Presidente do Partido Socialista Brasileiro e Deputado Federal pelo PTB de 1963-1967. Durante o golpe militar de 1964 foi preso e cassado, tendo seus direitos políticos suspensos durante dez anos. Fundou o novo PTB juntamente com Leonel Brizola. Essa carta de demonstra o clima tenso pelo qual passava Nova Friburgo, numa onda de denuncismos que derrubou até o prefeito Vanor Moreira, acusado de comunista, e a prisão de todos aqueles que se manifestavam contra o regime militar, que se perguntavam, como Humberto El-Jaick: “Não sei ainda porque estou preso."








Interessante vídeo sobre a Ditadura Militar dividida em 3 partes:







Exaltação e Propaganda da Ditadura Militar feita pela Rede Globo(1975):

DECIFRA-ME OU TE DEVORO: POR QUE A POLÍCIA É TÃO VIOLENTA?

Édipo expõe o Enigma da Esfinge. Obra de Jean Auguste Dominique Ingres, 1808. Museu do Louvre. Paris.


No carnaval de 1901, a imprensa noticiou cenas de violência da polícia contra os cidadãos friburguenses que procuravam se divertir durante os folguedos carnavalescos. Policiais que se achavam em ronda no Beco do Arco(atual Rua do Arco), causaram grande distúrbio, pondo em completa debandada os “mansos transeuntes e os inocentes assistentes”. Relatou o jornal O Friburguense que a polícia, “transformando sabre em sardinha”, a bambolear o corpo com gestos de capoeiragem e atitude agressiva, ameaçava a tudo e a todos, retirando-se somente quando o beco ficou deserto pela fuga precipitada do povo indefeso. Atualmente, quando a sociedade brasileira se reconciliava com a Polícia no episódio da ocupação do Complexo do Alemão em dezembro desse ano, no Rio de Janeiro, eis que começam a surgir denúncias de violência policial contra a população daquela comunidade. Mas quais são as raízes dessa violência policial? Do ponto de vista da história não se pode estabelecer sempre uma relação de causa e efeito, mas há fatores determinantes que merecem ser considerados. Como em Édipo Rei, de Sófocles, e tentando decifrar o enigma da esfinge, acredito que essa violência se inicie por influência da instituição da escravidão. Era a Intendência Geral da Polícia que, por solicitação dos senhores de escravos, aplicava açoites para correção dos mesmos. Esse “serviço” era remunerado pelo proprietário do escravo, que pagava por cento de açoites e entrava como renda da polícia. Quando em 1824, assumiu como Intendente Geral da Polícia, Teixeira de Aragão, expediu portaria recomendando ao administrador do Calabouço(prisão) que na aplicação dos castigos aos escravos se considerasse a idade e a robustez dos supliciados. Em outra portaria determinava aos senhores de escravos que “os trouxessem sempre vestidos, sem ofensa à moralidade pública e à piedade humana.” Estamos aí esboçando uma prática da polícia, o açoite de escravos, que pode ter degenerado a instituição policial na sua formação.


A polícia foi um instrumento utilizado por José Bonifácio, então ministro do Estado de Negócios de D. Pedro I, para perseguir adversários políticos. José Bonifácio não contemporizava com os opositores e assim inaugurou um sistema repressor e inquisitorial na polícia tornando-a uma arma terrível em suas mãos. Competia à polícia obedecer cegamente às suas ordens, constando nos registros policiais um período sombrio de degredos e prisões ditadas pela vesânia de Bonifácio e do próprio D. Pedro I, que viam conspiração contra o governo em qualquer manifestação, como simples reuniões e conciliábulos. D. Pedro I chegou a fazer uma proclamação ao povo criticando a violência dos policiais e declarando-se avesso ao despotismo e as arbitrariedades praticadas pela Intendência Geral de Polícia. Mas pode ter sido uma farsa para minimizar as tensões provocadas pela violência policial. O poder de polícia tinha um papel tão destacado na sociedade que gerou ídolos como o famoso “Onça”, uma espécie de “capitão Nascimento” de outrora. O “Onça” remonta ao século XVIII quando não existia ainda a instituição da polícia de acordo com o modelo atual e era comandada pelos governadores das capitanias. Luiz Vaía Monteiro, um jovem fidalgo português, ganhou a alcunha de “Onça” porque livrou a cidade do Rio de Janeiro da malta de malandros, mandriões e jogadores. Granjeou o reconhecimento público dos cariocas e marcou uma época durante a sua gestão. Bastava dizer “Aí vem Onça!” e a debandada era geral. Pode-se afirmar que a sua reputação chegou aos tempos atuais, pois ainda hoje quando alguém quer se referir há um tempo que já vai longe, um tempo antigo, se diz: “desde o tempo do Onça”. Já no início do governo de D. Pedro II foi atribuído ao Chefe de Polícia, delegados e subdelegados super poderes, através da Reforma de 1841 do Código de Processo Criminal, onde atribuições judiciais foram transferidas dos juízes de paz para a polícia, fenômeno que se denomina de policialismo judiciário.


Na República Velha é impressionante o comportamento libertino e devasso dos “praças”(policiais) em Nova Friburgo. Eram descritos frequentemente embriagados, da menor a mais alta patente, inclusive o comandante do quartel e viviam sempre envolvidos em jogatinas proibitivas. Na coluna “solicitadas” do jornal O Friburguense, que transcrevia as cartas dos leitores, boa parte das reclamações dizia respeito à má conduta dos policiais. As maiores vítimas da violência desses policiais eram os rapazes e não havia, nesse aspecto, distinção de classe social. Por fim, não se pretende aqui simplificar o problema nem esgotar a discussão, mas se percebe que a conduta policial nasce sob a égide da violência proporcionada pelo próprio governo central que utilizava essa instituição para fins casuísticos como perseguir desafetos políticos. Consequentemente, a instituição introjetou em sua cultura a violência respaldada pelo próprio governo. Acrescente-se a isso o cotidiano de violência provocada pelo cancro da escravidão em nossa sociedade. Essa conjuntura somente poderia resultar o que hoje percebemos na polícia, tanto civil, quanto militar: a violência. A polícia e a sociedade necessitam se reconciliar, mas cabe-nos cobrar de forma mais efetiva do governo estadual melhor preparo e melhor salário para os policiais, se quisermos uma boa polícia. Isso porque, em hipótese alguma, desejamos na polícia o belicoso “capitão Nascimento” de Tropa de Elite.

Fontes dessa matéria: Jornal O Friburguense e livro "História da Polícia do Rio de Janeiro", volume I, de Mello Barreto Filho e Hermeto Lima.



Nesse vídeo o historiador José Murilo de Carvalho fala sobre a violência no Rio de Janeiro, do BOPE, do jogo do bicho, da animosidade entre a população e a polícia e do papel do policial no Rio de Janeiro.




O HOMEM DIANTE DA MORTE: RITOS E MENTALIDADE.SOMOS TODOS CAVEIRAS DO BOPE











Pode causar estranheza, mas muitas vezes os historiadores se valem de fontes que o senso comum pode até considerar bizarro, mas que fornecem ao pesquisador material suficiente para se reconstituir as relações familiares, as mentalidades, as visões de mundo, o comportamento, entre outras. Assim o fez o historiador francês Philippe Ariès em dois volumes de sua obra, “O Homem perante a Morte”, um clássico no tema. No Brasil, “A Morte e os Mortos na Sociedade Brasileira” organizado por José de Souza Martins é um livro interessantíssimo e igualmente “A Morte é uma Festa”, por João José Reis. A morte vem sendo historicizada dando importante contribuição à história das mentalidades. Chamou-me a atenção o emblema do BOPE em uma visita que fiz àquela instituição, em outubro desse ano, com meus alunos de História do Direito Brasileiro da Candido Mendes. O símbolo do BOPE, uma caveira com uma faca verticalmente encravada no crânio e duas pistolas transversas foi apropriado de um esquadrão inglês da Segunda Guerra Mundial, que tinha como missão sabotar as bases nazistas na França ocupada. Essa alegoria significa VENCER A MORTE. Não é necessário esclarecer aqui o risco diário de suas vidas a que esses homens estão sujeitos em suas atividades cotidianas. Em 2007, Marco Antonio Gripp, sargento do BOPE, nascido em Nova Friburgo, foi baleado logo depois de sair do blindado numa incursão em uma comunidade no Rio de Janeiro. Em entrevista a um jornal, assim declarou: “...Eram 23h quando avistamos um grupo. Trocamos tiros e eles entraram no beco. Demos a volta e desembarcamos para ver se tínhamos acertado alguém. Entramos no beco escuro e eu puxei a ponta [foi à frente]. Quando virei a esquina, estava a dois passos do cara[traficante]. Como estava escuro, só vi a boca de fogo da arma dele. Levei dois tiros na barriga. Uma passou a um centímetro do rim. Pensei que ia morrer. Continuei trocando tiros. Travou a arma e fui para um abrigo. Um tiro pegou no carregador e ficou no colete. Dois tiros acertaram o meu fuzil, um bateu na câmara de gás e outra na janela de injeção. FOI MINHA VITÓRIA SOBRE A MORTE..” Apesar de dois tiros que o atingiu, ele sobreviveu e está novamente na ativa. Por isso, esses homens gritam sempre: CAVEIRA!

Como disse antes, a “vitória sobre a morte” é representada pela alegoria da caveira com uma faca encravada sobre o crânio. Mas é possível uma vitória sobre a morte? Desde que a medicina evoluiu é plausível que o homem contemporâneo tenha tal pensamento, o que era absolutamente inconcebível para o homem oitocentista(sec.XIX), época em que medicina ainda dava os primeiros passos. Diante da morte, só lhes restava a resignação, a contrição, o resguardo e principalmente a humildade. No século XIX, quando a medicina nada mais podia fazer no padecimento da doença, quando se vai perdendo o vigor e azougam as forças, os poderosos homens de outrora, senhores de escravos e ricos proprietários, tornam-se humildes diante dos últimos sacramentos. Numa contrição religiosa e desprendidos de tudo que é profano, aprestam-se a comparecer súplices, humildes e caridosos perante o Juiz Divino. Nesse momento, alguns se vestem com indumentárias de ordens religiosas, outros libertam escravos ou pedem mortalhas simples. D. Pedro I, homem autoritário, morreu tuberculoso aos 35 anos de idade em 1834. No seu leito de morte em Portugal, pediu que no seu enterro não houvesse exéquias reais, como determinava o protocolo. Queria ser enterrado em caixão de madeira simples, como um soldado. Já a sua amante, a biscaia Marquesa de Santos, falecida em 1867, encomendou 70 missas: 50 pela sua própria alma e em um gesto de humildade hipócrita, característica das elites da época nessas ocasiões, pediu 20 missas para seus escravos mortos. Elias Antonio de Moraes, o Barão de Duas Barras(1840-1928) por ocasião de sua morte é colocado como um benemérito por ter auxiliado na educação de “moços desfavorecidos” que depois alcançaram posição de relevo na sociedade. Na hora da morte, de senhor de escravo passa a “pai dos pobres”. O Barão de Nova Friburgo(1795-1869) igualmente pediu ritos simples, por ocasião de sua morte, nos informa Luiz Fernando Folly no livro “Barão de Nova Friburgo”. O barão solicitou ser envolto em um pano preto, colocado em caixão simples e enterrado em cova rasa, simbolizando nesse rito o desapego às coisas materiais. Tanto o Barão de Nova Friburgo quanto o de Duas Barras, no derradeiro momento de suas vidas, trocam o açoite do “bacalhau” que tanto rasgou os corpos de seus escravos, pelo cajado e o báculo dos humildes. Imaginam que os ritos simples na hora da morte os tornam sublimes e apagam seu passado onde amealharam fortuna às custas do sofrimento humano, a escravidão.


Passados pouco mais de um século, é interessante comparar essas duas visões de mundo do homem perante a morte: a das elites oitocentistas e a de Marco Antonio Gripp, soldado do BOPE. Dos primeiros, a resignação, a contrição e a humildade. Do segundo, o desafio, a luta e o triunfo. Nessa ambivalência do pensamento humano podemos perceber uma mudança de mentalidade que coloca um fosso profundo, ditado pela linha do tempo, entre esses dois estágios da história da humanidade. Muda-se o pensamento diante da morte que pode ser vencida pelo homem contemporâneo, sendo a ciência médica um fator determinante. Atualmente, doenças como a tuberculose, o câncer e a AIDS não são mais sentenças de morte, começa-se a acreditar. Consequentemente, já que podemos vencer a morte, pode-se afirmar, por analogia à alegoria do BOPE, que somos todos CAVEIRAS!
Foto abaixo: O sargento Marco Antonio Gripp em ação. Na foto é o quinto da esquerda para a direita, em primeiro plano, com uma arma na mão.





O sargento Marco Antonio Gripp é o segundo da esquerda para a direita.



É interessante as representações sobre a morte. No século XIX , era comum as pessoas da elite fotografarem seus familiares mortos antes de os enterrarem, em situações do seu cotidiano. Alguns até já apresentavam o rigor mortis. Muitas vezes os familiares vivos participavam dessas fotos com os mortos.



A simulação era tão perfeita, que abaixo, mal percebemos na foto qual das mocinhas é a morta.



Provavelmente é a que se encontra sentada antes de apresentar o rigor mortis.












Uma criança morta. A mãe provavelmente desejava uma última imagem da filha entre suas bonecas.

O MITO DA IGUALDADE RACIAL

Pessoas detidas pela Polícia Militar em uma comunidade no Rio de Janeiro. Governo Leonel Brizola. Na ocasião, o policial alegou ter utilizado corda nos detidos por falta de algemas na instituição.

Os pretos do libambo. Escravos fugitivos conduzidos pelos capitães do mato.


Gilberto Freyre, não obstante a genialidade de sua obra sobre a história do Brasil, adocicou com o açúcar colonial as relações raciais em nosso país, descrevendo um idílico cenário de democracia racial brasileira. Freyre argumentava que a distância social, no Brasil, fora resultado muito mais de diferenças de classe do que de preconceitos de cor ou raça. No entanto, cientistas sociais dos anos 60, a exemplo de Florestan Fernandes, o principal estudioso das relações raciais no Brasil, comprovaram exatamente o contrário, ou seja, que havia em nossa sociedade a exclusão social de pessoas em decorrência de sua cor. Não houvesse o preconceito das elites brancas no Brasil contra a raça negra, Machado de Assis não seria perseguido em toda a sua vida por três pesadelos: seus ataques epiléticos, sua origem modesta e sua cor mulata, três fontes de medo, ansiedade e vergonha. Mas, nos reportemos à Nova Friburgo.

Na virada para o século XX, Nova Friburgo possuía 67% de sua população constituída por brancos e 32% entre negros, mestiços e caboclos. Como resultado da prevalência da raça branca sobre a negra e mestiça, percebe-se nas memórias de alguns friburguenses que nasceram nos primeiros decênios do século XX, um preconceito de raça, provocadas possivelmente pelas idéias eugenistas que tiveram boa recepção no município, a exemplo do que professava o Prof. Júlio Caboclo, que ironicamente tinha um sobrenome que não condizia com suas idéias de superioridade de uma raça sobre a outra. Mas passemos às memórias. Nondas da Cunha Ferreira, agricultor de Mury, nascido em 1929, nos traz um interessante relato: “Eu ouviu falar, mas não posso provar, que a escravidão em Friburgo acabou mais cedo. Os alemães e suíços eram muito racistas e então eles alforriaram os escravos mais cedo para sair da cidade e que fossem para os outros municípios. Eu me lembro de uma época que eu tinha lá os meus 10 anos, eu guardo muito coisa modéstia à parte, e então a fábrica[refere-se às indústrias que se instalaram em Friburgo a partir de 1910] tinha lá os seus mil e poucos operários e tinha uma colourede só. Querendo ou não querendo a maior parte do mundo é racista(...) e ninguém pode tirar essa idéia de ninguém.(...)Sem dúvida nenhuma, hoje as pessoas escondem as coisas, era[no passado] um racismo sem transparência”.
Curiosamente, a Praça do Suspiro, que tinha recebido o nome de Praça 13 de Maio pela Câmara Municipal, em ata da sessão extraordinária de 21 de maio de 1888, em homenagem a extinção da escravidão no Brasil, perdeu esse nome no decorrer dos anos, um fato que merece ser investigado. Uma situação envolvendo a intolerância racial ocorreu com o Esperança Futebol Clube. Esse clube escolhera as cores pretas e brancas. Mas essas cores logo despertaram a ironia e o sarcasmo, pois havia muitos mulatos no time, associando a cor preta e branca à mulatice dos jogadores. A diretoria do clube, incomodada com a gaiatice da população, mudou as cores do time para verde e branca. Ainda com relação às memórias, segundo relatos, havia em Nova Friburgo, na Praça Getúlio Vargas, duas alamedas: em uma alameda passava os ricos e brancos e na outra passava a classe popular e as “pessoas de cor”. Por Outro lado, no “Grito da Mocidade”, um bar próximo a “Casa de Moças Damas”, na subida do cemitério, homens brancos eram proibidos de freqüentar, salvo raras exceções.


No entanto, transcorridos três séculos e meio de escravidão de africanos na história do Brasil, cada um procurou fazer a sua parte e Nova Friburgo assim o fez. O Decreto municipal n°47 de novembro de 1983, institucionalizou o movimento negro e igualmente a sua bandeira. Nesse documento, se reconhece que na história do município, quando os colonos aqui chegaram, já encontraram negros a mourejar na construção dos alicerces sobre os quais se construiria Nova Friburgo. O decreto é afirmativo, declarando que o povo friburguense deseja redimir-se das injustiças praticadas contra os seus irmãos negros no decorrer de sua história. A bandeira do movimento negro é composta de três faixas horizontais, de igual largura, com as seguintes cores e respectivas representações: vermelho, representando o sangue e a vida dos povos negros; o negro, representando a raça negra e finalmente o verde, a esperança de dias melhores e igualmente a natureza, com quem a raça negra sempre soube conviver harmonicamente.
Essa bandeira encontra-se no panteão juntamente com as outras bandeiras dos povos que colonizaram o município. Nova Friburgo redimiu-se, ao menos a nível institucional, de uma injustiça social. Apesar da crítica inicial que fiz a Gilberto Freyre, finalizemos com uma frase sua sobre a cultura nacional: “O Brasil parece que nunca será, como a Argentina, um país quase europeu; nem como o México, ou o Paraguai, quase ameríndio. A substância da cultura africana permanecerá em nós através de toda a nossa formação e consolidação em nação.”






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