O CENTENÁRIO DA REINTEGRAÇÃO DE AMPARO



Quando li em A Voz da Serra a matéria “Amparo comemora cem anos de reintegração a Nova Friburgo”, senti-me com a missão de escrever algo sobre esse importante distrito. Na celebração do centenário, com uma intensa e elaborada programação, as apresentações musicais são bem ecléticas como samba, forró, gospel, tango, baião, MPB, dança típica suíça e capoeira, traduzindo aquilo que é o Brasil, uma miscigenação de raças e culturas. Contadores de histórias, teatro de fantoches, concurso de boneca viva, jipeiros, gincana, atividades esportivas e os primeiros jogos florais de Amparo, complementam a programação. Comparando com a comemoração do cinquentenário, em 1961, quando era prefeito Amâncio Mário de Azevedo, a celebração fora bem mais cívica e singela, com desfile de escolas, bandas de músicas e à noite um grande baile no Cine-Theatro de Amparo. Aproveitando a presença de autoridades políticas como o prefeito, vereadores e deputados, os amparenses, na ocasião do cinquentenário, não perderam a oportunidade de apresentar sua reivindicação que era, à época, a pavimentação da estrada Zigue-Zag e a que ligava Amparo às Braunes, muito utilizada para se deslocar de Amparo ao centro de Friburgo. A ASSAMAM, Associação de Moradores e Amigos de Amparo era muito articulada e possivelmente pioneira em termos de mobilização de comunidades de bairros. No centenário de reintegração de Amparo à Nova Friburgo, não faltarão clamores e reivindicações aos políticos que comparecerem aos festejos, pois o bairro está absolutamente abandonado pelo poder municipal depois da tragédia de janeiro. É assustador os barrancos e encostas sustidas pela obra do Divino que não viram uma ação sequer do poder público municipal, estadual ou federal. No passado, foram muitas as rogativas dos amparenses pela melhoria de suas estradas e igualmente serão, no presente, para que os órgãos públicos tomem providências no sentido de arrefecer e minimizar o impacto das chuvas de verão.



Para realizar a minha pesquisa sobre a história de Amparo, por mais bizarro que possa parecer, encaminhei-me ao cemitério da vila. Percorri suas alamedas em busca dos túmulos dos primeiros habitantes locais. Os registros mais antigos que localizei foram de enterramentos no último quartel do século XIX. As famílias que se destacam nas transcrições das lápides são de alemães e suíços, a exemplo dos Gripp e dos Frossard, respectivamente, mas igualmente os Alves da Costa. Era natural que ali convivessem suíços e alemães, pois muitas das datas de terras abandonadas pelos colonos suíços, nos Núcleos Coloniais, foram transferidas aos colonos alemães, que vieram justamente para ocupar essas áreas desprezadas por alguns suíços. Já possuía dois importantes pontos de partida: a datação aproximada da ocupação de Amparo e a constatação de que suíços e alemães ocuparam aquelas terras. Logo, Amparo teria uma ocupação territorial que remonta ao século XIX e ocupada por colonos. Mas estava enganada, pois sua ocupação foi anterior, trinta anos antes. A ocupação de Amparo remonta ao final do século XVIII, no último decênio desse século, muito antes do que nos revela o cemitério da vila. Recorrendo a fontes secundárias, foi nos apontamentos do major Heber Alves da Costa, “Amparo Redivivo”, que uma janela abriu-se a respeito de um distrito que tem uma das histórias mais fascinantes.


A região onde se localiza Amparo pertencia inicialmente a Cantagalo. Mas com a criação do Termo de Nova Friburgo, em 1820, Amparo passou a pertencer-lhe, pois fazia parte da Freguesia de São José do Ribeirão. Era uma importante freguesia de Nova Friburgo, devido a uberdade de suas terras. São José do Ribeirão, Sebastiana(Estrada Friburgo-Teresópolis) e Paquequer(Sumidouro) eram importantes freguesias agrícolas de Nova Friburgo. Em 1857, a Freguesia de São José do Ribeirão possuía uma população de “mil almas”, onde cultivava-se o café e a cana-de-açúcar, com predominância do café, e com forte concentração de escravos. Não foi por acaso que quando extinguiu-se a escravidão no Brasil, os moradores da Freguesia de São José do Ribeirão foram um dos que mais se queixaram junto à Câmara Municipal, pleiteando que aquele órgão intermediasse a indenização pelos prejuízos causados.


No centenário de reintegração a Nova Friburgo, fica a seguinte pergunta: por que reintegração? Isso deve-se ao fato de Amparo ter sido anexado a Bom Jardim no início da República. Isso não agradou em nada a população local e depois de incessantes reivindicações conseguiram reverter a situação e tornar a anexar-se, em 1911, a Nova Friburgo. O governo republicano mexeu e remexeu muito as fronteiras dessa região, ao sabor dos caciques políticos. Mas a história de Amparo é muito instigante e cercada de mito e lenda, a exemplo do mito de sua origem: jactam-se seus habitantes ser Amparo a terra dos inconfidentes. Outra é a história de que foi graças ao colono alemão da família Gripp, morador de Amparo, que o café java difundiu-se na província fluminense. E Amparo sediou um dos primeiros núcleos do espiritismo no Brasil e foi um grande produtor de café e celeiro do Rio de Janeiro e de Niterói, na primeira metade do século XX. Convido o leitor de AVS a acompanhar, nas próximas semanas, a história do distrito de Amparo, que sem sombra de dúvida, é uma das mais interessantes de Nova Friburgo.



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PRINCESA ISABEL:A BUSCA DA FERTILIDADE EM NOVA FRIBURGO


“....fomos honrados com a Augusta visita de SS.AA. Imperiais, e por essa ocasião autorizamos ao sr. Fiscal fazer certos serviços para embelezamento da vila a fim de recebermos os Augustos hóspedes...” (Ata da 4ª sessão ordinária, em 21 de novembro de 1868). Em 1868, a Princesa Imperial e o Conde D’Eu estiveram na pacata vila de Nova Friburgo. Todos fizeram a sua parte: os moradores limparam as testadas de suas residências, iluminaram suas frentes durante a estada dos augustos príncipes, a Câmara Municipal caiou seu prédio e a cadeia, recolheu os animais soltos e grandes festejos foram realizados na vila. A princesa foi homenageada com o nome de uma praça e o conde com nome de rua. A “Praça da Vila” passou a denominar-se Praça Princesa Isabel. Posteriormente, na proclamação da república, passou a chamar-se Praça 15 de Novembro e por ocasião da Revolução de 30, Praça Getúlio Vargas, sempre alterando o seu nome de acordo com os ventos políticos. Nessa ocasião, ao que parece, veio com uma vasta comitiva, a exemplo dos embaixadores chilenos. A família real oferecera à embaixada chilena, na Cascata Pinel, uma “festa campesina” a que compareceram D. Pedro II e o Conde d’Eu. Nessa ocasião, Carlos Pinel fez gravar em um dos granitos da cascata de sua propriedade, em homenagem à Princesa Isabel, a seguinte inscrição: Cascata Santa Isabel.

Princesa Izabel, Conde d´Eu e os filhos



Nova Friburgo, pelas condições climáticas favoráveis à cura de determinadas doenças, aliado ao seu Estabelecimento Hidroterápico, fez parte de uma interessante passagem da história da família real portuguesa que envolvia a sucessão do trono imperial. D. Pedro II, excluindo os natimortos, teve duas filhas com D. Teresa Cristina: a Princesa Isabel e Leopoldina. Ambas casaram-se com dois primos de casas reais europeias, os Orleáns(Conde d´Eu) e Saxe-Coburgo(Gusty). D. Pedro II não as queria casadas com portugueses, pois segundo o Imperador, seria como voltar aos tempos da colonização. No entanto, enquanto Leopoldina, a mais nova, engravidava sucessivamente, o útero de Izabel permanecia vazio. A Princesa Izabel se casara em 15 de outubro de 1864 com o Conde d´Eu, e não conseguira engravidar durante dez anos desde o seu casamento. Como disse Flaubert, uma mulher sem filhos é uma monstruosidade.


A infertilidade era considerada como uma doença, dando-se o nome de “frialdade” ou “frigidez”. Recomendava-se, à época, tomar chá de erva de carrapato, de figueira-do-inferno ou ainda fazer um defumadouro das partes íntimas com uma erva chamada pombinha. Novenas à Santa Ana e Santa Comba, padroeiras da fertilidade conjugal, não faltavam. A Princesa Isabel sentia-se constrangida em fazer com que o marido se sujeitasse às crendices nacionais para provocar a gravidez nas mulheres, compelindo-o a urinar no cemitério pela argola de uma campa, ou ainda que untasse a região púbica com sebo de bode, ou bebesse garrafadas de catuaba. Ele a tomaria por uma primitiva. Além do desejo materno de ter um filho, a Princesa Isabel ainda tinha a questão da sucessão, pois se não tivesse herdeiro, provavelmente o trono seria ocupado, com a morte de D. Pedro II, por seu sobrinho, Pedro Augusto. A infertilidade da Princesa Isabel já havia gerado, inclusive, expectativa em Pedro Augusto, o “Príncipe Maldito”, cuja história é narrada no livro de Mary Del Priore. A Princesa Isabel começou a recorrer ao tratamento à base da hidroterapia o qual se julgava aconselhável para a suposta esterilidade de que padecia. Então, Nova Friburgo começa a entrar nessa história, pois abrigava o Instituto Hidroterápico que funcionava onde é atualmente o C.N.S.Dores. Em 1872, o médico italiano Carlos Eboli inaugurou, em Nova Friburgo, o Estabelecimento Hidroterápico a título de “Casa de Saúde”, “Casa de Duchas” ou “Estabelecimento Sanitário Hidroterápico”.


A Princesa Isabel já recorrera a Caxambu e Lambari(MG) para tomar banhos de águas milagrosas. Estações termais, hidroterapia, novenas, viagem a Lourdes(Portugal) fazendo promessas a Santa Bernadette e finalmente tratamento com um especialista na Europa, a tudo a princesa recorreu. Em 1874, a Princesa Isabel retorna a Nova Friburgo acompanhada do pai, D. Pedro II, e de sua dama de companhia, a Condessa de Barral, ficando hospedados no Hotel Leuenroth. A princesa procurava as qualidades da hidroterapia no milagroso clima da cidade salubre, para a cura de sua frigidez. Fizera abluções repetidas na água na tentativa de tornar o útero fecundo. O procedimento da hidroterapia consistia na aplicação externa (duchas) e interna de água. Externa sob a forma de aspersão, banhos e aplicação de toalhas molhadas. Interna, com a ingestão de abundante quantidade de água, na maioria das vezes, fria ou gelada. Tais recursos eram associados a sudoríferos energéticos, massagens prolongadas, exercícios constantes (caminhadas em ladeiras) e alimentação balanceada.



Coincidentemente, no ano seguinte de sua vinda a Nova Friburgo, em 1875, depois de dez anos de infrutíferas tentativas, a Princesa Izabel finalmente engravidara. Seria leviano estabelecer aqui uma relação direta do tratamento da hidroterapia na gravidez da princesa, mas podemos afirmar que Nova Friburgo lhe deu sorte. Teria experimentado as águas da mítica Fonte Encantada do Suspiro? Mesmo tendo abortos naturais sucessivos e uma filha natimorta, a Princesa Isabel deu à Coroa dois herdeiros: Baby e Luís. E foi em razão desse drama pessoal da princesa, que Nova Friburgo tem uma pequena participação nessa história.


O INTERESSANTE EPISÓDIO DOS PRISIONEIROS ALEMÃES EM NOVA FRIBURGO


Durante a Primeira Guerra Mundial(1914-1918) ocorreu um interessante episódio em Nova Friburgo envolvendo prisioneiros alemães. Esse episódio coincide com o início da industrialização do município e esses dois acontecimentos irão se imbricar para dar novos matizes ao momento histórico pelo qual passava Nova Friburgo. Na Primeira Guerra Mundial, vários navios alemães da Marinha Mercante foram detidos nos portos brasileiros. Ao todo foram apreendidos pelo governo brasileiro 45 navios mercantes que se encontravam ancorados em portos nacionais. O objetivo era aprisionar e “internar” os seus tripulantes bem distante do litoral. Uma das cidades a que destinou esses marinheiros foi Nova Friburgo, notadamente reconhecida como um local onde os imigrantes não padeciam do problema de aclimatação e se adaptavam sobremaneira. Nova Friburgo recebera o primeiro grupo de colonos alemães em 1824(343), sendo que em 1892, igualmente, 703 alemães imigraram para o município.


Para abrigar, em Nova Friburgo, uma parte dos alemães detidos nos portos brasileiros, escolheu-se o Sanatório Naval. Inaugurado poucos anos antes, em 1910, o Sanatório Naval foi instalado para tratamento e convalescença de marujos beribéricos e tuberculosos. Era um local perfeito onde compartilhariam o mesmo espaço com “homens do mar”, não obstante os brasileiros serem militares e os alemães civis. Faltam pesquisas para se saber o número exato de prisioneiros que se instalaram no Sanatório Naval, mas Fischer em “Uma História em Quatro Tempos” nos informa que foram, aproximadamente, 227 alemães da Marinha Mercante. Já José Pereira da Costa Filho, o Costinha, que trabalhou na construção dos barracões até 1916, informa-nos que eram 1.500. Os oficiais ficavam nos barracões e os soldados acampados em barracas. Os oficiais ficaram acomodados em casas de alvenaria e o restante em barracas armadas no terreno do Sanatório. Denominou-se o local de Campo de Internação. De acordo com a memória de alguns friburguenses, o Campo de Internação era uma verdadeira atração na cidade, e todos subiam para o Sanatório Naval curiosos em observar os prisioneiros alemães. Como houvesse muitos alemães e descendentes dos primeiros colonos e imigrantes em Nova Friburgo, levavam a sua solidariedade na qualidade de irmãos germanos. Maximilian Falck, proprietário da recém instalada Fábrica Ypu, dava assistência aos alemães internados como prisioneiros. Mas quanto ao restante da população friburguense, era pura curiosidade, assim como apreciavam ir à estação de trem ver quem chegava e partia da cidade. Mas o que a industrialização em Nova Friburgo tem a ver com esses prisioneiros, como dito acima? Aos tripulantes alemães foi dada permissão pelo governo brasileiro para trabalharem onde estivessem “internados”. Para tanto, o empregador deveria manter periódico contato com a Comissão Militar comunicando a permanência do “internado” a seu serviço. Desde 1911, Peter Julius Ferdinand Arp(1858-1945), um grande empresário alemão, estabelecia-se em Nova Friburgo no ramo da indústria têxtil, atraindo inclusive outros empresários alemães. Como a mão de obra especializada talvez fosse um problema para lidar com o maquinário importado, prisioneiros alemães foram cooptados para as recém instaladas indústrias. Muitos deles, principalmente entre os oficiais, tinham capacitação técnica que se amoldava perfeitamente à demanda das novas indústrias em Nova Friburgo. Até então esses profissionais vinham de outros estados do Brasil. Nesse sentido, utilizaremos como exemplo Richard Hugo Otto Ihns(1889-1960). Originário da Prússia, oficial da Marinha Mercante alemã, encontrava-se em Pernambuco quando em 1914, a Primeira Guerra Mundial eclodiu. Seu navio ficaria detido durante três anos até que, em 1917, as autoridades brasileiras resolveram enviar o seu navio, o “Cap. Finister”, para Nova Friburgo.


Foi Maximilian Falck, um dos empresários alemães quem o colocou na empresa de Julius Arp, em razão de suas habilidades técnicas. Em 1919, Ihns já era gerente da Fábrica de Rendas e estabelecido definitivamente no Brasil. Foi devido à morte de um filho seu que transformou o antigo cemitério alemão em um aprazível parque, fundou um clube social somente para os alemães(atual Sociedade Esportiva Friburguense) e reorganizou a Sociedade Evangélica Luterana em Nova Friburgo. A importância dos empresários alemães na economia local se refletiu no novo status dado aos alemães. Richard Ihns tornou-se membro do Conselho Consultivo de Nova Friburgo e ocupou vários cargos na Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Nova Friburgo. Tem-se a impressão de que Richard Ihns resolveu dar à comunidade alemã, em Nova Friburgo, um upgrade. No campo das sociabilidades, foi sócio-fundador do Rotary Club de Nova Friburgo(1950) e igualmente sócio-fundador do Nova Friburgo Country Clube, da Sociedade de Tiro ao Alvo Sans Souci e do grupo de “Bolão”. No tocante ao Country Clube, a elite friburguense resolveu se desgarrar do Clube do Xadrez, já que incomodava a frequência de operários e pequenos comerciantes naquele clube. Assim como Richard Ihns, outros tripulantes de navios optaram por permanecer na aprazível Nova Friburgo, até porque, conforme sabemos, a situação econômica e social da Alemanha se agravaria depois dessa guerra. Mas essa história não teve somente final feliz. Um surto de tifo em Nova Friburgo matou uma dezena de tripulantes alemães. Quem visita o cemitério luterano normalmente estranha a presença de vários túmulos idênticos, de rapazes mortos em tenra idade em curto período de tempo. São eles os tripulantes que se encontravam detidos no Sanatório Naval e que faleceram de tifo. Trata-se ou não de um interessante episódio ocorrido em Nova Friburgo?





ENTREVISTA: HISTÓRIAS E MEMÓRIA DE NOVA FRIBURGO

Quando surgiu a ideia de tornar os seus artigos em uma compilação como essa?

A ideia do livro surgiu quando percebi que, depois de escrever durante dois anos para o jornal A Voz da Serra, a compilação das matérias, atendendo a uma cronologia, conseguia dar conta de narrar a história local, passando pelos séculos XIX e XX. Curiosamente, esse mosaico de histórias, de situações cambiantes, se organiza na linha do tempo, adquire organicidade e dá sentido a uma história sobre Nova Friburgo.



Como se deu o processo de coleta de informações?
As fontes são a correspondência oficial, jornais, crônicas, fotografias, além de fontes secundárias. Utilizo, igualmente, a memória dos habitantes locais, que nasceram entre 1915 e 1940, entrevistas essas que vão desde o executivo de uma grande indústria até o cidadão comum, mostrando suas visões de mundo, experiências e de que forma perceberam e vivenciaram os acontecimentos do passado.
O livro foca a história a partir da percepção de pessoas comuns. Você acredita que esse seja o diferencial da publicação?
A valorização de cidadãos comuns como atores históricos não apresenta nenhuma novidade. Foi iniciada pelos franceses a partir do segundo quartel do século XX, através da Escola de Anales. Adoro esse exemplo de um dos historiadores que segue essa corrente. Ele diz mais ou menos isso: Não estou interessado apenas na vida de Júlio César. Mas me interesso, também, pelo que pensa e como se comporta um simples soldado da legião de Júlio César.




Quando nasceu a sua paixão pela história?
Infelizmente, não posso atribuir aos meus professores a minha paixão pela história. O ensino de história não era nada atraente até uns 40 anos atrás. Acho que gostar de história é algo nato e tem que ter paixão, pois a pesquisa é árdua, laboriosa, cara, repleta de obstáculos e não há resultado financeiro.
Já que falou obstáculos, qual é a maior dificuldade que um pesquisador encontra?
Inicialmente a relação com o Pró-Memória. Além de encontrar-se fechado desde novembro do ano passado, o espaço e o tempo de pesquisa do historiador foi restringido. Tem-se a impressão de que somos indesejáveis. O acesso a certas fontes somente se dá depois de muitas rogativas. O acervo está sendo digitalizado de forma muito lenta e com isso indisponibilizaram grande parte dele por conta desse trabalho, atrapalhando nossas pesquisas. O acervo está blindado. Uma fundação para tratar da pesquisa sobre a história local foi criada pelo Sr. Heródoto Bento de Melo e a maioria dos historiadores não foi convidada a participar dela. É um paradoxo. É desmotivante? Obviamente. Mas foram os leitores de A Voz da Serra que me deram força e me motivaram para prosseguir nessa que se transformou em uma verdadeira cruzada, fazer pesquisa em Nova Friburgo. Oxalá essa situação se reverta no novo governo.



O que é mais difícil, ouvir as histórias que as pessoas têm para contar ou "traduzir" este material bruto em texto?
Certamente traduzir, ou melhor, reapresentar, o material bruto em texto. A narrativa histórica é um aspecto essencial, pois tem que ter clareza, objetividade, isenção na análise dos fatos, além da problematização dos acontecimentos históricos. Considero a história como algo vivo, sempre mutante, pois volta e meia surgem novas fontes que são capazes de invalidar grandes teses. Mas entendo essa circunstância como parte de nosso ofício.
O livro segue uma linha cronológica dos acontecimentos e assuntos ou segue a linha das publicações das colunas?
Como disse acima, procurei colocá-las atendendo a uma cronologia que vai desde o final do século XVIII, com a ocupação dos Sertões do Macacu, passando pela fundação da vila de Nova Friburgo, em 1820, e acontecimentos ao longo do século XIX. Já no século XX, vou aproximadamente até a década de 60. As formas de sociabilidade, no passado, são sempre o meu foco.
O que Nova Friburgo tem de especial para você?
O que mais me apaixona em Nova Friburgo é o fato de seu clima, a sua geografia, ter sido um fator determinante em sua história. Foi o seu clima salubre que atraiu os tuberculosos, empresas e instituições, como o Instituto Hidroterápico, o Sanatório Naval, diversos estabelecimentos de ensino de qualidade, imigrantes europeus, e até os prisioneiros alemães foram para Nova Friburgo enviados, na Primeira Guerra Mundial, por conta de seu clima.







Percebe-se que é um trabalho cuidadoso efeito com carinho, quanto tempo levou para produzir esta obra?
Essa obra é fruto de um trabalho de pesquisa desde 2005. Mas as pesquisas têm um tempo muito em função da disponibilidade e dos recursos financeiros do pesquisador.
Há uma passagem do livro que queira compartilhar conosco?
Na tragédia ocorrida em Nova Friburgo, entre os dias 11 e 12 de janeiro de 2011, passei a escrever diversas matérias sobre como o friburguense lidava com esse sinistro no passado, consultando o código de posturas. Lembrei-me de uma passagem do livro de Martin Nicoulin, “A Gênese de Nova Friburgo”, sobre uma enchente nos primeiros anos de assentamento dos suíços. Surpreendi-me relendo essa passagem, de como a enchente desestruturou a colônia dos suíços, já que perderam toda a sua colheita naquele ano. Isso provocou tensões à época como homicídios, estupros, agressões físicas, etc. o que denota que as enchentes são um problema na região desde os tempos de antanho.
Qual foi o fato mais importante contado no livro?
Não vou dizer que seja a mais importante, mas surpreendeu-me que a matéria que fiz por ocasião do dia de finados, intitulada “A história dos cemitérios em Nova Friburgo”, teve uma repercussão notável. Nunca imaginaria que contar a história sobre cemitérios, um tema tão funesto, provocaria tanto interesse entre os leitores do jornal.



A Europa tem uma forte ligação com a cidade. Você fala a respeito disso?
Certamente, ao final do século XIX, ocorre o fenômeno da “europeização” das elites brasileiras. Em Nova Friburgo não foi diferente. Até porque estávamos próximos do Rio de Janeiro e os cariocas passavam seis meses em Nova Friburgo, permanecendo enquanto a epidemia de febre amarela não cessasse no verão. Temos ainda que considerar que tivemos colonos suíços, alemães, além de imigrantes italianos e portugueses, que auxiliaram a compor esse cenário. Mas apesar das elites serem de ascendência europeia, será a cultura africana que irá prevalecer sobre as demais na história do Brasil e Nova Friburgo, a meu ver, não escaparia desse fenômeno.
Qual é a sua avaliação do livro?
O maior mérito desse meu livro foi destacar a história regional e a valorização das memórias de antigos moradores da cidade. Passei parte de minha infância, nas férias, em diversas cidades do centro-norte fluminense. Isso foi fundamental para que eu me sensibilizasse de que a história de Nova Friburgo passa pela história regional. Através de entrevistas com Nelson Spinelli, Richard Ihns, Mário Babo, Rodolfo Abud e com cidadãos comuns que nasceram no início do século XX, consegui apresentar um quadro do cotidiano do município. No mais, contribuo com a história local em que, felizmente, Nova Friburgo já possui uma historiografia razoável e de muita qualidade, graças à iniciativa de diversos historiadores a exemplo de João Raimundo de Araújo, Jorge Miguel Mayer, Ricardo Costa, José Carlos Pedro e é claro o suíço, Martin Nicoulin.
Há ideias para uma próxima publicação ou teremos que esperar?
Na realidade, já estou trabalhando no terceiro livro. Estou inicialmente analisando as atas da Câmara. Aliás, gostaria de aproveitar a oportunidade de destacar a contribuição de Jayme Jaccoud, que teve a pachorra de transcrever e digitar as atas da Câmara, o que facilita em muito o trabalho dos pesquisadores. O livro é sobre o século XIX, em que procuro suprir uma lacuna na história de Nova Friburgo, ainda não preenchida. Muitos historiadores se limitam à primeira metade do século XIX e depois as pesquisas dão um salto de décadas e iniciam no período republicano. Logo, fica a seguinte pergunta: o que aconteceu com Nova Friburgo depois do fracasso do Núcleo Colonial, atividade-fim para o qual o município tinha se constituído? É essa resposta que pretendo dar a Nova Friburgo, no seu aniversário de 200 anos.






Entrevista publicada em A Voz da Serra em 10 de setembro de 2011.

OS TAMANCOS DOS OPERÁRIOS DAS RENDAS ARP


“Quando o apito da fábrica de tecidos vem ferir os meus ouvidos, eu me lembro de você. Você que atende ao apito de uma chaminé de barro, porque não atende ao grito tão aflito da buzina do meu carro?...Mas você não sabe que enquanto você faz pano, faço junto do piano, estes versos pra você. Nos meus olhos você vê, que sofro cruelmente, com ciúmes do gerente impertinente, que dá ordenas a você.” Noel Rosa escreveu esses versos para a sua namorada que bem poderiam ter sido escritos, na segunda década do século XX, por um boêmio friburguense. A indústria mudou Nova Friburgo. Todos os dias, às seis horas da manhã, os moradores do centro da cidade eram despertados por um som estridor a que não estavam até então habituados: eram os tamancos dos operários que se deslocavam em várias direções da cidade rumo às fábricas. No apito do último trem do dia, hora de se recolher. No barulho do tamanco dos operários, hora de despertar. Associados ao sino do campanário da igreja Matriz ao meio-dia e às seis horas da tarde, eram sons que regiam o ciclo do dia dos friburguenses: do trem, do sino e do tamanco dos operários.
A nota lacônica da direção da Rendas Arp, anunciando o fechamento das atividades da fábrica, contrasta com as matérias dos jornais, no primeiro decênio do século XX, tecendo loas à vinda de Julius Arp e outros industriais alemães. A nossa cidade experimentará a sensação do estremecimento do seu solo para a força propulsora da indústria moderna; é o início de uma nova Era para Nova Friburgo, assim escreveu o articulista do jornal A Paz, em janeiro de 1911. “Colméias de trabalho”, foi essa a metáfora atribuída a Nova Friburgo a partir da vinda de empresários alemães. Nova Friburgo entra na Era industrial.


O alemão Peter Julius Ferdinand Arp(1858-1945) imigrou para o Brasil em 1882. E por que teve interesse em instalar uma indústria em Nova Friburgo? Possivelmente pelo fato de Nova Friburgo abrigar uma significativa população de descendentes europeus, mais disciplinados ao trabalho, provavelmente conjeturara. O estigma de que o caboclo brasileiro era um trabalhador “desqualificado”, “indolente”, fazia parte do imaginário da época. Amparado pelos vereadores da Câmara Municipal, o coronel Antônio Fernandes não dava impulso ao contrato de concessão de fornecimento de energia elétrica, atravancando o progresso local. Julius Arp conseguiu retirar do coronel Antônio Fernandes essa concessão. A energia elétrica era essencial para implementação de um parque industrial em Nova Friburgo. Ruía antecipadamente a República Velha dos coronéis em Nova Friburgo, não aguardando a Revolução de 30. Julius Arp fundou, em junho de 1911, a Rendas Arp. Igualmente cooptou outros industriais: Maximilian Wilhelm Bogislav Falck(Fábrica Ypu), Carl Ernst Otto Siems(Fábrica de Filó) e Hans Gaiser(Ferragens Haga).


Depois dos tamancos, vieram as bicicletas que cruzavam os bairros, com cada trabalhador dirigindo-se para a sua colméia. Honrando o patriarcalismo nacional, os alemães construíram casas, escola e áreas de lazer para seus funcionários. Mas vieram as tensões sociais. Os primeiros operários, ainda desmobilizados em nível de categoria profissional, eram insuflados pelos ferroviários da Companhia Leopoldina. Mas havia o Sanatório Naval, garantidor da ordem pública. Não havia polícia militar à época e a polícia civil, com poucos praças, era incapaz de conter um conflito na cidade. Disciplina, esse era o projeto da Trindade Teutônica para Nova Friburgo. E assim, capitaneados por Julius Arp, os alemães foram hegemônicos em Nova Friburgo durante décadas. O poder público não os importunava. Quem não recorda-se que o velho Rio São João das Bengalas mudava de cor a cada semana, com as indústrias têxteis despejando soberbamente seus produtos químicos nas águas tranquilas do rio? Mas o que nos importava naquele momento eram tão somente os empregos que as indústrias geravam. Quem precisava do turismo numa cidade que abrigava um dos maiores pólos industriais do país e notadamente, duas multinacionais? Éramos o “paraíso capitalista”, jactava-se Heródoto Bento de Melo.


Já estamos habituados a presenciar a agonia das grandes indústrias, a exemplo da Fábrica Ypu. No entanto, quando uma fábrica fecha definitivamente, não deixa de ser impactante. Imediatamente vêm as memórias. Meu avô, meu pai, meu tio, meu irmão, quem não tem um familiar que trabalhou na Rendas Arp? Tempos difíceis, os alemães eram chefes rigorosos, mas trouxeram empregos. Alguém recorda-se: “meu pai trabalhou a vida inteira lá, criou onze filhos”. Um antigo alfaiate lembrou que os alemães eram os melhores fregueses de ternos. E os times de futebol das fábricas? Para atrair um bom jogador e tirá-lo de um time, bastava arranjar um emprego na fábrica e daí ele mudava de clube, sem pestanejar. Fechada a Rendas Arp, ficam as perguntas: Como e onde ficarão registradas essas memórias? E as primeiras máquinas, o que fazer com elas? E os registros dos primeiros operários? Que órgão será depositário desse acervo? Ainda bem que João Raimundo escreveu “Nova Friburgo: o Processo de urbanização da Suíça Brasileira – 1890-1930”, Rico escreveu “Cem anos de lutas operárias em Nova Friburgo” e Carlos Rodolfo Fisher “Uma história em quatro tempos”, deixando registros desse período. Mas o que não me sai da cabeça é o livro que Richard Ihns, executivo durante décadas da Rendas Arp, disse que escreveria sobre o período de sua gestão. Mas esclareceu que escreveria algo do tipo “diga a verdade e saia correndo”. Mas Santo Deus, por que Richard Ihns sairia correndo?


PROFISSÕES DO PASSADO

PROFISSÕES ANTIGAS: OLEIRO

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