PARA OS AMIGOS, PÃO, PARA OS INIMIGOS, PAU

Em 1910, a campanha eleitoral de Rui Barbosa, embora apoiada pela máquina eleitoral da oligarquia paulista, denunciou, em praças e comícios públicos, a constante fraude e corrupção do sistema eleitoral. Quando se lê as notícias das eleições municipais para o cargo de vereador da Câmara Municipal(não havia ainda a figura do prefeito) e juízes de paz, percebe-se que as eleições em Nova Friburgo fin-de-siècle XIX eram bem mais movimentadas e aguerridas. Para citar um exemplo, tomemos Lumiar, onde violentos tumultos ocorreram naquela época. Em 09 de junho de 1892, quando vários republicanos autonomistas vindos do Sana resolveram parar em Lumiar para participar de uma festa que ocorria na localidade, foram ameaçados por um oponente político, Pedro Spitz, que os rechaçou, expulsando-os do lugar. Porém, antes mesmo que se retirassem, por ordem do subdelegado Lamas, que aos gritos mandou matar “a canalha”, partiram diversos indivíduos em direção à eles, perseguindo-os. Atirando contra eles, mataram um dos homens e feriram os demais, além de serem encontrados sinais de tortura no que falecera. Esse episódio ilustra o termômetro político daquela época em Nova Friburgo e é narrado na edição de 21 de setembro de 1893 em O Friburguense. Dizia-se à época: “Para os amigos pão, para os inimigos pau”.
Segundo ainda o jornal, a fraude grassava nas eleições do município. Havia denúncias de indeferimentos na qualificação eleitoral de pessoas aptas a serem eleitoras, perante a Junta Municipal, com a exclusão de centenas de cidadãos sem motivo justificado. Nas urnas, roubo de votos, muitas vezes “concertado à custa de bico de pena na apuração das freguesias rurais”. Havia rasuras nas cédulas, votava-se sem exibir o título de qualificação e eleitores da situação ameaçavam eleitores da oposição. As provocações acirravam a animosidade entre os correligionários. Em algumas seções, os fiscais legalmente nomeados foram impedidos de entrar e, por conseqüência, os republicanos autonomistas não tiveram um voto sequer nessa seção. Os emissários e oficiais de justiça cruzavam o município com recomendações expressas aos eleitores para votarem na situação ou “ficarem em casa”. De acordo com O Friburguense, o delegado de polícia cabalava abertamente e com toda desfaçatez entrava nas residências dos eleitores, intimando-os a votar no Partido Republicano Moderado.
No dia da eleição, com os bolsos pejados de cédulas, “insistia arreganhadamente” nas seções com os eleitores para acompanhá-lo no voto. Prometiam-se empregos rendosos e fatura de obras municipais com lucros fabulosos. Enfim, lançavam mão de todos os recursos fraudulentos e segundo o articulista de O Friburguense era preciso vencer, “custasse o que custasse, já que tinham em mente que o poder é o poder”. Conforme A Sentinella de 01 de janeiro de 1899, o judiciário convertera-se no “balandrau dos farricocos políticos”, com a vara da Justiça transformada no cacete do partidarismo, praticando favores aos amigos, vingando-se e perseguindo os desafetos. O problema das fraudes nas eleições envolvendo o judiciário somente seria resolvido com a instituição da Justiça Eleitoral no governo Vargas, criada justamente para coibir tais práticas. Depois de decorridos quase dois séculos de nossa independência ainda vivemos em estágio primário na hora de votar. Atualmente, boa parte da população ainda vive sem saneamento básico, sujeita às doenças, mas contenta-se com os aparelhos domésticos e o assistencialismo do bolsa família. Nessa eleição, estão na iminência de se elegerem cantores de pagode, jogadores de futebol que penduraram a chuteira, comediantes e pode-se imaginar o que produzirá o Senado e a Câmara de Deputados nos próximos anos. A classe política já não se contenta em se eleger: elege os filhos, a mulher e toda a parentela que puder, numa verdadeira “venda casada”.
Nos dias de hoje, a violência política foi substituída pelo poder econômico. Está claro que quem possui os cobres em suas algibeiras, vence as eleições. Mas tudo isso decorre de um processo histórico em que o voto no passado era censitário, ou seja, dependia de uma renda mínima do eleitor, exigia-se alfabetização em um país com a quase totalidade da população de analfabetos, excluía-se o voto feminino, sem contar ainda com os anos ditadura que coibiu a participação política. Recordando a história do Brasil, constataremos que a participação das classes populares no processo político é muito pífia, pois ficou durante muitos anos excluída do voto. Por isso, Senhor, perdoemos o nosso povo que não sabe o faz com o seu voto.

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