O BARÃO DE NOVA FRIBURGO:UM ILUSTRE TRAFICANTE DE ESCRAVOS

Antonio Clemente Pinto, o Barão de Nova Friburgo



Bernardo Clemente Pinto trouxe a linha ferroviária até Nova Friburgo

As gerações futuras dos Clemente Pinto na intimidade da família



Acima, os fundos do solar do Barão de Nova Friburgo. As propriedades do centro de Nova Friburgo,
no século XIX, se estendiam até os limites do Rio Bengalas
Quando se reconhece na história do Brasil um indivíduo de grande fortuna, pode-se praticamente supor que fosse um traficante de escravos, em virtude dos imensos lucros que tais transações alcançavam. Quando foi oficialmente extinto em 1850 o tráfico de escravos no Brasil, o volume de capitais empregados no tráfico era de tal monta que imediatamente surgiu o Código Comercial para regulamentar a febre de negócios provocada pela liberação de capitais até então aplicados exclusivamente na compra e venda de escravos. Antônio Clemente Pinto(1795-1869), o Barão de Nova Friburgo, era um indivíduo apenas remediado quando veio de Portugal para Brasil em 1807, com 12 anos de idade. A origem de sua fortuna é mencionada por um cronista da época. Quando o barão suíço Von Tschudi visitou a região de Cantagalo no século XIX, ao se referir ao Barão de Nova Friburgo, assim escreveu: "...é o mais rico fazendeiro, não só do Distrito de Cantagalo, como de todo o Brasil (…). É português de nascimento (…) veio para o Brasil sem vintém (…) circulam muitas versões quanto à natureza de seus negócios e do modo por que chegou a ser possuidor de tão avultada riqueza (…). O novo-rico é em toda a parte do mundo objeto de inveja e maledicência (…). O que acontece em muitos casos, no Brasil, onde existe mesmo um provérbio bastante malicioso que diz, quem furtou pouco fica ladrão, quem furtou muito, fica barão”, o que bem ilustra o pensamento do povo...”

Acima a Fazenda Gavião em Cantagalo
Há comprovação de que o Barão de Nova Friburgo tornou-se um homem próspero graças ao tráfico de escravos. Dedicou-se ao tráfico entre a África e o Rio de Janeiro no período de 1811 a 1830, fornecendo escravos para as lavouras emergentes de café. Obteve igualmente do governo imperial sesmarias nos Sertões do Macacu onde explorou minas de ouro, porém, sem muito sucesso, e foi um dos primeiros a cultivar o café na região fluminense. Possuía em meados do século XIX quase duas dezenas de latifúndios em Cantagalo, considerada a região em que se aplicava o pior tratamento aos escravos no Brasil. Cantagalo ganhou fama entre as províncias brasileiras não só pela riqueza gerada por seus cafezais em meados do século XIX, como pela crueldade com que tratavam os escravos, os fazendeiros da região. Não faltam relatos de viajantes descrevendo as sevícias dos fazendeiros daquela localidade em relação aos seus escravos. Entre eles se encontrava o Barão de Nova Friburgo.

O Palácio do Catete, que foi sede da presidência da República quando o Rio de Janeiro foi capital federal,
foi de propriedade do Barão de Nova Friburgo, sendo por ele edificado

Em Nova Friburgo até hoje tem-se o hábito de tecer preito ao Barão de Nova Friburgo, o “ilustre” traficante de escravos. As atas da Câmara de Nova Friburgo no século XIX não se cansam de louvar e fazer deferência aos Clemente Pinto pelos benefícios trazidos ao município. Mas pergunta-se, os Clemente Pinto procuravam beneficiar o município ou às suas propriedades? Ora, todas as doações que realizaram para o “aformoseamento” da atual Praça Getúlio Vargas, visavam tão somente beneficiar o seu rico solar que ficava em frente a esse logradouro público. E quanto ao desenvolvimento que a malha ferroviária trouxe a Nova Friburgo graças ao barão e seu filho Bernardo? Certamente o trem trouxe um grande impulso econômico a Nova Friburgo, mas objetivava-se precipuamente o escoamento da produção de café do barão de suas inúmeras fazendas em Cantagalo, barateando o seu custo. Mas o barão não foi o único a auxiliar o município. Cumpre destacar que no século XIX, a receita da Câmara era tão exígua que muitas obras em estradas, pontes e estivas eram realizadas na base da subscrição, ou seja, doação dos fazendeiros locais para as respectivas melhorias na infra-estrutura viária da então vila.
Finalmente, os áulicos do barão gostavam de tecer loas aos seus herdeiros por terem libertado seus escravos antes mesmo da abolição da escravidão. Em 1888, os herdeiros do Barão de Nova Friburgo, às vésperas da abolição, libertaram de forma oportunista, 1.300 escravos. Certamente deveriam ter informações privilegiadas na Corte de que a escravidão seria extinta brevemente. Os Clemente Pinto eram próximos da família imperial que por mais de uma vez se hospedaram em suas propriedades. Sobre esse episódio relata-se que os ex-escravos teriam ficado tão gratos com sua libertação que se recusaram a receber os salários da próxima colheita do café. Os herdeiros do barão receberam honras e títulos do imperador D. Pedro II por esse gesto.
Na verdade, trata-se de uma estratégia que muitos fazendeiros utilizaram libertando seus escravos antecipadamente já que o fim da escravidão era iminente. Com isso, angariavam a simpatia dos libertos que se mantinham nas fazendas ao invés de abandonarem-nas. Stanley Stein em “Grandeza e Decadência do Café”, coloca essa discussão sobre a libertação antecipada entre os fazendeiros de Vassouras no sentido de evitar a evasão dos escravos quando fosse decretado o fim da escravidão. Por fim, gostaria de colocar que a figura do Barão de Nova Friburgo deve ser sempre destacada na história do município, mas na qualidade de um membro da elite de singular importância no progresso da região, já que ele foi o nosso “Mauá”. No entanto, cabe destacar que a origem de sua fortuna foi construída à custa do marchandise humaine, como diziam os suíços. É sempre bom lembrar que por trás daquela figura “benemérita”, cercada de títulos e honras, se encontra um "ilustre" traficante de escravos.
Abaixo, as principais propriedades dos Clemente Pinto em Nova Friburgo, pela ordem: O antigo pavilhão de caça da família(hoje o Sanatório Naval), o solar (tombado pelo patrimônio histórico municipal) e o chalet no Parque São Clemente(hoje pertencente ao Nova Friburgo Country Club)




Visita ao Palácio do Catete do Rio de Janeiro, antiga residência do Barão de Nova Friburgo. Atualmente Museu da República.

A HISTORIA DO QUILOMBO DE MACAÉ DE CIMA CONTINUA...





Região, onde hoje é Casimiro de Abreu, e encontramos referência da existância de um quilombo.

Resolvi interromper a programação de matérias que fiz sobre a escravidão em Nova Friburgo, por um motivo louvável. Recebi um comentário do professor de história da UFF e pesquisador sobre a escravidão em Nova Friburgo, Prof. Jorge Miguel Mayer, e não posso deixar de tornar público ao leitor de A Voz da Serra a posição desse ilustre historiador sobre a história do quilombo de Macaé de Cima. Fazendo um resumo da matéria da semana passada, descrevi a migração dos colonos suíços do Núcleo dos Colonos para as terras devolutas no Sertão das Cachoeiras do Rio Macaé, local onde havia um quilombo. Contrariando a versão de que houve confronto entre os suíços e os quilombolas, como descreve o historiador Martin Nicoulin, afirmei que ao invés do conflito, houve um acordo entre os suíços e os quilombolas, adquirindo os primeiros as plantações dos escravos fugitivos, que acabaram abandonando a região, se deslocando rio abaixo.

O Prof. Jorge Miguel discorda de minha colocação e transcrevo aqui a versão dele sobre esse episódio para que o leitor conheça outras opiniões sobre o assunto: “... Tenho me interessado sobre o assunto e buscado algumas fontes. Nunca soube de qualquer quilombo em Macaé de Cima. Existem, sim, referências a quilombo no vale do Macaé, porém muito abaixo. No livro de Nicoulin há a narração de incursões dos suíços no vale do Macaé. Na ocasião um suíço da família Sardemberg teve seu pé atravessado por uma armadilha protetora do suposto quilombo. Nicoulin transcreve uma carta de colono que afirma que os suíços se impuseram aos quilombolas e se apoderaram de suas plantações. Nada amigável, portanto! Há uma outra carta em que desrespeitosamente colonos falam em ir à região do quilombo. Creio que esta informação (ver Nicoulin) deve ser levada em conta e confrontada com a informação transcrita de que houve uma negociação amigável. Fica difícil aceitar o fato dos suíços e os africanos estarem irmanados por um sentimento comum: longe de seu torrão natal, em busca da sobrevivência em terras estrangeiras. Não vejo qualquer fundamento para esta pretensa aliança que contrasta com a postura transcrita por Nicoulin. Você coloca esta versão como uma possibilidade. Acho difícil. Embora houvesse fazendas na área, havia também muitas terras sem definição de propriedade. Não há comprovação, nem da aliança nem de conflitos, com fazendeiros. Pode-se supor que os quilombolas se defendiam contra os fazendeiros, o Estado e todo aquele que pretendia tomar suas terras.(...)Disponho também das informações sobre quilombos nas nascentes do Macabu e em Trajano de Morais. Enfim, próximo à região serrana, havia quilombos. Há que se estudar as relações com a sociedade local bem como buscar informações sobre as dimensões destes quilombos, que como se sabe não eram todos iguais.”


Como vimos, o Prof. Jorge Miguel, um estudioso sobre a escravidão em nossa região, discorda da composição entre suíços e quilombolas. Mas qual foi a fonte que fundamentou a minha versão? Trata-se de uma fonte extraída do livro “A Imigração Suíça no Brasil”, de Armindo Muller, sobre as memórias do suíço Hecht que veio para Nova Friburgo com os demais colonos no início do século XIX. No entanto, a perda de um de seus dois filhos em Nova Friburgo o desestruturou muito, e somado a outras dificuldades, acabou retornando para a Suíça. O suíço Hecht, ao retornar ao seu país, escreveu em suas memórias interessantes fatos do seu cotidiano em Nova Friburgo e um deles refere-se a esse episódio de migração dos colonos suíços para o Sertão das Cachoeiras do Rio Macaé e seu contato com os quilombolas. Hecht deixou o seguinte registro em suas memórias:“...haviam estabelecido negros foragidos com maravilhosas plantações. O lugar, a localização e as plantações tanto agradaram, que iniciaram conversas com os negros para adquiri-las(...)O líder dos negros, que andava com uma espada desembainhada, falou assim: se vocês suíços fossem lavradores locais, teríamos entrado em luta com vocês; de forma alguma nos teríamos deixado aprisionar.(...)Com pouco dinheiro os colonos suíços compraram as plantações e os negros se mudaram dali. Esse lugar(...)chama-se Macaé...”.
Observem que a força de trabalho valia mais do que a terra propriamente dita, pois foram as “plantações” e não as “terras” que foram adquiridas dos quilombolas. É possível que Hecht tenha mascarado em suas memórias os fatos reais, ou seja, que houve realmente um confronto, para passar uma imagem positiva dos suíços? Não podemos descartar essa possibilidade, pois Hecht era um homem muito religioso, e não foram poucos os seus comentários de aversão ao tratamento dado aos escravos no Brasil. Por fim, apenas para esclarecer ao leitor, é muito comum entre os historiadores haver dissensão, ou seja, a divergência sobre determinados fatos, cujo debate só contribui para nos aproximarmos ao máximo da realidade histórica. Por conseguinte, não pude privar o leitor da opinião do eminente pesquisador Jorge Miguel sobre esse episódio. Ao menos, estamos colocando a escravidão dentro da história da Nova Friburgo, pois ainda há quem pergunte: Mas existiu escravidão em Nova Friburgo?

Segue, na íntegra, a carta do Prof. Jorge Miguel. No entanto, quando ele me corrige quanto à localização do quilombo, percebo que estamos falando de diferentes quilombos. Em Lumiar, existe uma rua chamada de "Rua do Quilombo" e é este a que me refiro como sendo o quilombo de Macaé de Cima. Pode estar aí a chave da questão se houve ou não conflito entre os suíços e os quilombolas. Estou me referindo ao quilombo de Macaé de Cima e ele do Vale do Macaé.
Prezada Janaína,

Sou um leitor assíduo de sua coluna sobre história
e memória, admirando
muito o seu trabalho. Concordo com você que há poucos
estudos sobre
escravidão em Nova Friburgo, agradecendo -lhe inclusive as
referências ao
meu livro com Edson e ao livro da saudosa Gioconda Losada.
Referências aos
quilombos e, sobretudo fontes, são ainda mais escassas.
Tenho me
interessado sobre o assunto e buscado algumas fontes. Nunca soube
de
qualquer quilombo em Macaé de Cima. Existem, sim, referências a quilombo
no vale do Macaé, porém muito abaixo. No livro de Nicoulin há a narração
de incursões dos suíços no vale do Macaé. Na ocasião um suíço da família
Sardemberg teve seu pé atravessado por uma armadilha protetora do suposto
quilombo. Nicoulin transcreve uma carta de colono que afirma que os suíços
se impuseram aos quilombolas e se apoderaram de suas plantações. Nada
amigável portanto! Há uma outra carta em que desrespeitosamente colonos
falam em ir à região do quilombo. Creio que esta informação ( ver
Nicoulin) deve ser levada em conta e confrontada com a informação
transcrita de que houve uma negociação amigável. Fica difícil aceitar o
"fato dos suíços e os africanos estarem irmanados por um sentimento
comum:longe de seu torrão natal, em busca da sobevivência em terras
estrangeiras". Não vejo qualquer fundamento para esta pretensa aliança que
contrasta com a postura trascrita por Nicoulin. Você coloca esta versão
como uma possibilidade. Acho difícil. Embora houvesse fazendas na área,
havia também muitas terras sem definição de propriedade. Não há
comprovação, nem da aliança nem de conflitos, com fazendeiros. Pode-se
supor que os quilombolas se defendiam contra fazendeiros, Estado e todo
aquele que pretendia tomar suas terras. Aproveito o ensejo para lembrar
que existe um local ainda hoje chamado quilombo que mereceu uma pesquisa e
um filme interessante de Renata de Azevedo - Quilombo, cuja cópia será
entregue à Biblioteca da Faculdade Santa Dorotéia. Posso inclusive pedir a
Renata que disponha de cópias para divulgar em instituições da região
serrana. Disponho também das informações sobre quilombos nas nascentes do
Macabu e em Trajano de Marais. Enfim, próximo à região serrana, havia
quilombos. Há que se estudar as relações com a sociedade local bem como
buscar informações sobre as dimensões destes quilombos, que como se sabe
não eram todos iguais. Jorge Miguel Mayer

A ESCRAVIDÃO EM NOVA FRIBURGO: A HISTÓRIA DO QUILOMBO DE MACAÉ DE CIMA


No princípio do século XIX, os suíços foram cooptados para fundar uma colônia no Brasil, objetivando-se fundamentalmente a produção de alimentos, à margem da economia nacional baseada na monocultura e na mão de obra escrava sobre o latifúndio. No entanto, como algumas datas de terra distribuídas não eram úberes, muitos suíços abandonaram o Núcleo Colonial e procuraram terras mais produtivas. Na ocasião em que os colonos buscaram essas novas terras, há um interessante episódio envolvendo os suíços e os quilombolas. Curiosamente, nessa ocasião, o governador militar e diretor da colônia, o tenente coronel João Manoel de Almeida Moraes Pessanha, indica aos colonos suíços as “novas terras do sertão das Cachoeiras do Rio Macaé”, local onde havia um quilombo. Ao que parece, eram terras devolutas, ou seja, terras abandonadas e que consequentemente retornavam à propriedade da Coroa Portuguesa. Logo, a partir de 1821, os suíços insatisfeitos com as terras do “Núcleo dos Colonos”, ocuparam a região de Macaé de Cima, conforme recomendou o coronel Pessanha, e que originariamente não fazia parte das datas de terra outorgadas aos colonos. Há registro de que foram autorizados por D. Pedro I a ocuparem essa região.
A princípio, parece que o coronel Pessanha indicou essas terras devolutas aos suíços no intuito de provocar um confronto entre eles e os quilombolas, cujo quilombo parecia não conseguir debelar. Não há comprovação de que o coronel Pessanha tivesse tal intenção, mas se não teve, acertou no que não viu, já que os quilombolas, devido o deslocamento dos suíços para aquela região, abandonaram essas terras, se deslocando rio abaixo. Porém, um episódio semelhante nos leva a crer que o coronel Pessanha tivesse tal intenção, ou seja, de provocar o conflito entre os suíços e os escravos fugitivos aquilombados. Em Pernambuco, em 1929, deu-se terras aos colonos alemães e suíços na localidade denominada de Catucá ou Cova da Onça. Naquela província, o plano era afugentar quilombolas, refugiados nas matas de Catucá, utilizando para tanto 150 famílias européias. Supunha-se que se instalando naquelas matas, colonos suíços ou germânicos extinguiriam os “negros do quilombo”. No entanto, os colonos se transformaram em simples carvoeiros e o quilombo cresceu de tal modo que foi necessário o Governo da Província lançar contra eles a Companhia de Caboclos Barreiros. Esse episódio é narrado por Gilberto Freire no livro “Sobrados e Mucambos”.

Retornando ao caso de Nova Friburgo, há registro de que houve contato entre os suíços e os quilombolas, mas não houve confronto. O pesquisador Rafael Jaccoud transformou esse episódio em um acontecimento épico favorável aos suíços, coroando-o como mais uma saga desses colonos em Nova Friburgo, assim escrevendo: “...Os suíços não demoraram a explorar as regiões circunvizinhas(...)Todos sabiam, no entanto, que as terras situadas ao longo do rio eram habitadas por quilombos, que formavam verdadeiras tribos hostis(...) Em 1821 correu a notícia de que no Rio de Janeiro estava sendo organizada uma companhia colonizadora para ocupar a região. Os suíços de Friburgo não perderam tempo, tomaram a dianteira e marcharam para conquistar as novas terras(...)O primeiro trabalho foi o de subjugar os quilombos(...) A conquista do Macaé converteu-se, pois, em outro episódio épico e, em pouco tempo, as margens do rio foram tomadas pelos corajosos suíços oriundos de Nova Friburgo.”


No entanto, no livro traduzido por Armindo Müller, “A Imigração Suíça no Brasil”, o colono suíço Hecht deixou o seguinte registro em suas memórias: “Eles[refere-se aos suíços]tinham deparado com um lugar, onde haviam estabelecido negros foragidos com maravilhosas plantações. O lugar, a localização e as plantações tanto agradaram, que iniciaram conversas com os negros para adquiri-las(...)O líder dos negros, que andava com uma espada desembainhada, falou assim: se vocês suíços fossem lavradores locais, teríamos entrado em luta com vocês; de forma alguma nos teríamos deixado aprisionar.(...)Com pouco dinheiro os colonos suíços compraram as plantações e os negros se mudaram dali. Esse lugar(...)chama-se Macaé...”.
Logo, não houve o confronto e sim, um acordo comercial entre os quilombolas e os suíços. Não eram igualmente “tribos hostis” como descreve Jaccoud, e sim, uma micro sociedade organizada, “com maravilhosas plantações”, onde muitos habitantes da localidade realizavam transações comerciais com os quilombolas. Somente para destacar, antes da chegada dos suíços, já havia ocupação de Macaé de Cima por alguns fazendeiros. É curiosa a animosidade dos quilombolas contra os fazendeiros luso-brasileiros e a solidariedade para com os suíços. Talvez isso se deva ao fato dos suíços e os africanos estarem irmanados por um sentimento comum: longe de seu torrão natal, em busca da sobrevivência em terras estrangeiras.
Abaixo: Remanescentes de populações quilombolas.

A ESCRAVIDÃO EM NOVA FRIBURGO: DEUS LHE DÊ BONS DIAS, DEUS LHE DÊ BOAS TARDES

No dia 20 do corrente mês é comemorado o Dia Nacional de Consciência Negra no Brasil. Para tanto, preparei uma série de três matérias sobre a escravidão em Nova Friburgo. Além do ensaio de hoje, incluirão os títulos “A História do Quilombo de Macaé” e “O Mito da Igualdade Racial”. Nova Friburgo foi criada para ser uma região que se caracterizasse pelo modo de produção predominantemente baseado na mão de obra livre. Chegou-se a ensaiar à época um projeto de lei que proibisse a utilização de mão de obra escrava nas colônias de imigrantes europeus espalhadas pelo Brasil. No projeto, havia ainda um artigo que coibia o próprio imigrante de possuir escravos, mas não se converteu em lei. Num verdadeiro paradoxo ao projeto de D. João VI de instalar colônias de homens livres no país que ficassem à margem das sociedades escravocratas, os próprios colonos suíços se converteram em senhores de escravos assim que sua situação financeira lhes permitiu. Era difícil fugir ao binômio monocultura(café) e escravos e Nova Friburgo acabou se transformando em uma sociedade escravocrata .

Em 1835, a população livre de Nova Friburgo era de 2.800 indivíduos contra 2.000 escravos. Cinco anos depois a população livre irá decair e a escrava aumentar. Mas a partir de 1850 a população livre irá se sobrepor à escrava com 4.187 indivíduos livres contra 2.927 escravos. Em 1856 serão 7.009 livres contra 3.874 cativos. Já em 1872, quando a população de Nova Friburgo atinge a margem de 20.656 habitantes, os escravos representarão 32% da população(6.684) contra uma maioria de livres(13.972), provavelmente em sua maior parte constituída de indivíduos brancos. A população escrava de Nova Friburgo não deixou de crescer até o terceiro quartel do século XIX, mas a partir de 1881, passa a declinar. Diminui-se a importação de cativos, substituída pela mão de obra de imigrantes europeus. Segundo os historiadores, a população escrava não aumentava pela reprodução na proporção da população livre pelos seguintes motivos: 1°: Porque, em geral, a importação era de homens e muito pouco de mulheres, pois o que se queria eram braços para lavoura; 2°: porque não se promoviam os casamentos. A família, salvo raras exceções, não existia para os escravos; 3°: Porque dificilmente se cuidava dos filhos devido às próprias condições da escravidão; 4°: As enfermidades, os maus tratos e o trabalho excessivo inutilizavam, esgotavam e matavam dentro em pouco grande número de escravos. Logo, com a diminuição da importação de escravos e a ausência de reprodução dos mesmos, pode-se afirmar que a população de Nova Friburgo foi se “branqueando” ao longo do século XIX.

Quase não existem fontes no Pró-Memória para se pesquisar sobre a escravidão em Nova Friburgo. Mas às turras os historiadores locais têm produzido alguns artigos e trabalhos, sendo que dois livros se destacam: “Presença Negra”, de Gioconda Lozada e “Os Crimes da Fazenda Ponte de Tábuas”, de Jorge Miguel Mayer e Edson de Castro Lisboa. Ainda quando o objeto de nossa pesquisa não é propriamente a escravidão, como é o meu caso, nos deparamos com alguns documentos no Pró-Memória. Achei um interessante anúncio de um escravo fugitivo na região que nos informa a maneira com que os escravos procuravam se libertar da escravidão. O anúncio publicado em O Friburguense em 17 de abril de 1881 demonstra perfeitamente a forma de resistência dos escravos e suas estratégias e dissimulações para livrarem-se do cativeiro. O capitão Luciano José Coelho de Magalhães, lavrador de Cantagalo, ofereceu a quantia de 1:000$000(um conto de réis) a quem capturar, ou a de 500$000 a quem der notícias certas de seu escravo José, pardo, idade entre 28 a 33 anos, marinheiro, cozinheiro, falquejador e serrador. José pertencera a um português que o castigou nas nádegas e nas costas pela “irregularidade de seu proceder”, destacava o anúncio, mas ele tinha o hábito de encobrir essas cicatrizes dizendo que as feridas das costas eram devidas ao “incômodo”(doença) que dava o nome de “fogo selvagem”. José era muito falante e cortês, ainda destacava o anúncio. Tinha a voz fina e quando cumprimentava as pessoas dizia sempre a seguinte frase: “Deus lhe dê bons dias” ou “Deus lhe dê boas tardes”. José, uma das raras “vozes” que possuímos dos escravos, viu na adequação aos padrões de comportamento do branco livre, a cortesia, uma forma de dissimular a sua condição de escravo.

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