As enchentes sempre fizeram parte do cotidiano de Nova Friburgo. A vila de Nova Friburgo, criada em 1820, nas proximidades do rio São João das Bengalas, passaria toda a sua história lidando com as inundações desse rio. E como os friburguenses lidavam com esse infortúnio no passado remoto? Para responder a essa questão, utilizaremos como fonte os códigos de postura do século 19, nosso recorte temporal. O código de postura era uma espécie de lei orgânica municipal. A primeira fonte que localizamos prevendo situações de sinistros, como as enchentes e incêndios, foi o Código de Postura 1849. É interessante que nas posturas anteriores, a de 1822 e a de 1833, e na posterior, a de 1893, não encontramos nada que regulamentasse a ocorrência desses sinistros.
Em 1849 foi votado pela Câmara Municipal o novo Código de Posturas da vila, regulamentando diversos aspectos da vida dos friburguenses de antanho. Tanto a possibilidade de inundações quanto de incêndio eram tratados nos mesmos artigos. Quanto aos incêndios, era natural que se preocupassem, pois estávamos em uma época que deveriam ocorrer com freqüência, já que na primeira metade do século 19, a iluminação era à base da vela de sebo e os lampiões das residências utilizavam óleo de baleia e azeite. Cinco artigos do Código de Postura de 1849 regulamentavam os procedimentos que a população deveria tomar em caso de incêndio ou inundação. Da análise deles, depreende-se que a Câmara Municipal dependia da colaboração da população para debelar tais sinistros. Caso não houvesse colaboração, punia-se com pena de multa e até mesmo prisão, dependendo da gravidade do fato.
Previa o art. 227 do referido código: “Quando haja incêndio ou inundação dentro dos povoados, far-se-á o sinal de rebate e chamada, e cada vizinho do quarteirão em que a calamidade for, será obrigado a acudir ao lugar com todas as pessoas úteis da sua família. Serão multados os que não comparecerem em 10$ a 30$, quando não justifiquem impedimento atendível, e o fiscal respectivo findo o conflito e ouvindo o oficial de polícia do quarteirão, autuará imediatamente a todos os que se acharem infratores para ter lugar a cobrança das multas.”
Quando atualmente utilizamos a divisão da cidade em bairros, no passado se dividia em quarteirões, tendo em cada um deles um inspetor ou oficial de polícia. O “poder de polícia”, na maior parte do século 19, tinha uma conotação bem diferenciada da atual, ou seja, possuía um sentido mais lato sensu. Atualmente a polícia se limita a investigação(civil) e repressão(militar) de crimes, mas no passado, a polícia tinha uma função também administrativa, fiscalizando o comércio, a construção de pontes, a limpeza das ruas, etc.
Já o art. 228 dizia: “Logo que for público incêndio ou inundação, estando as ruas e o lugar às escuras, deverão todas as casas vizinhas iluminarem-se desde o ponto em que principiar o concurso destinado a socorrer: os donos das casas que assim o não fizerem serão multados com 6$ a 12$.”
Apesar de obrigar os cidadãos friburguenses a prestar socorro, o poder público, por outro lado, se preocupava com os danos causados ao patrimônio dos que auxiliavam, conforme constatamos no artigo 229: “Toda pessoa que possuir máquinas e instrumentos úteis para os socorros de incêndio ou inundação, tais como bombas d´água, barris, tinas, baldes, barcos, carros, carroças, escadas, machados, serras, calabrês, moitões, cordas, correntes e couros ou outros quaisquer de préstimo, será obrigado a concorrer com os mesmos objetos, entregando-os na ocasião do incêndio ou inundação à disposição das autoridades presentes, e com direito a haver qualquer dano ou prejuízo que neles sofrer: os que os recusarem em tais circunstâncias serão imediatamente presos até pagarem 30$ de multa, além de ficarem obrigados aos danos que causarem pela sua oposição.”
E ainda, o art. 230: “As casas que tiverem águas correntes ou poços nas imediações dos incêndios serão obrigados a franquear a entrada para se tirar a água, podendo, porém os respectivos donos exigir das autoridades as medidas de precaução necessárias para não serem prejudicados: os que se opuserem à execução desta providência incorrerão nas penas do artigo antecedente.” Finalmente o art. 231: “A negação de socorros e serviços de qualquer natureza, ordenados ou requeridos pelos fiscais e pelas autoridades em caso de incêndio ou inundação será punida com 10$ a 30$ de multa, e mais 2 a 8 dias de cadeia segunda a gravidade das circunstâncias.”
Segundo fontes iconográficas(fotografias), as enchentes continuam a ser uma constante em Nova Friburgo durante todo o século 20. É interessante como as residências do centro da cidade, muitas existentes até hoje, não foram adaptadas para suportar tais infortúnios. Pelo contrário, quase todas as residências têm porão em sua base que certamente se enchiam de água nas inundações. Os porões objetivavam, nos parece, minimizar o impacto da umidade do solo, que causava doenças respiratórias. Desde a fundação da vila até o presente momento são 191 anos de convivência com as enchentes do Rio Bengalas, um déjà vu em nossa história. Foi necessária uma catástrofe de proporções aterradoras para que se discutisse um melhor planejamento da Nova Friburgo. Entramos para a história como um local onde ocorreu uma das maiores catástrofes mundiais nos últimos cento e dez anos, na categoria de desmoronamentos. Vamos ver se igualmente entramos para história como uma cidade que conseguiu criar um plano para minimizar as catástrofes naturais, como faz Tóquio com os terremotos.
1 Response to "COMO LIDÁVAMOS COM AS ENCHENTES NO PASSADO?"
Muito interessante este artigo. Não se todas estas normas dos meados do séc. XIX se adequariam à realidade de hoje. Penso que não, exceto o princípio de que o cidadão dee ser obrigado a colaborar com o Poder Público e com os necessitados nos momentos de calamidade. Atualmente, com o apoio da tecnologia, temos mais é que responsabilizar o Poder Público o qual, constantemente, se omite. Além do mais, é o Poder Público quem permite construções e obras em locais irregulares. Aliás, existem obras públicas que são as próprias causadoras dos danos ambientais e, consequentemente, das tragédias (vejamos o exemplo do alargamento da Serramar pela Rosinha em 2006).
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