A REBELIÃO DOS MERCENÁRIOS:A Imigração Alemã – Parte 10


Mosteiro de São Bento


O quartel da Praia Vermelha, dos Barbonos e até o Mosteiro de São Bento serviram de instalação para os mercenários. Os prédios dos quartéis eram absolutamente insalubres e infestados por ratos, mosquitos, centopéias, escorpiões e bichos-do-pé. Era um inferno a vida na Fortaleza da Praia Vermelha onde as baratas roíam as fardas dos soldados. Tudo isso somado a minguadas refeições, má qualidade da alimentação, doenças como a febre amarela, acrescido dos maus tratos por parte dos oficiais, concorria para minar as forças físicas e o ânimo dos mercenários alemães. Nos quartéis havia ainda mercenários irlandeses, considerados os mais degenerados, onde o álcool concorria para agravar ainda mais o seu comportamento. Os irlandeses, a maioria agricultores miseráveis, chegaram ao Brasil em 1827 com as suas famílias, ludibriados pelo agenciador Cotter, que lhes prometeu terras e não fez referência direta ao serviço militar. Quando aqui chegaram, cerca de 310 homens foram levados forçados para quartéis imundos, sem alimentação, obrigando-os a mendigar pelas ruas sob o escárnio da população. Monsenhor Miranda não ajudou em nada para minimizar o sofrimento daquelas famílias, argumentando que sua atribuição limitava-se aos alemães. Daí a explicação para a entrega à bebida e à revolta por parte dos irlandeses. Nos quartéis do Rio de Janeiro uma rotina de taponas, bordoadas, cachações, palmatórias, cipoadas, chicotadas e pranchadas eram utilizadas para manter a disciplina dos soldados. Alguns castigos eram aplicados diante da tropa formada e com uma banda de música tocando retretas alegres para abafar os gritos do desgraçado castigado. Era uma cena dantesca. A ordem era não refrescar para manter a disciplina. Os soldos eram pagos com meses de atraso, chegando a atingir anos, e ainda vinham com descontos escorchantes. Logo, havia motivos suficientes para que um dia os mercenários se rebelassem. Há historiadores que afirmam que os argentinos, no qual o Brasil se encontrava em guerra pela posse do Uruguai, conspiraram dentro dos quartéis para provocar a rebelião dos mercenários. Afinal, eles faziam a diferença na guerra. No tocante aos castigos corporais não eram eles em si que revoltavam os mercenários, e sim, a arbitrariedade e o despotismo com que eram aplicados por parte dos oficiais. Um soldado alemão foi condenado a 800 chibatadas e chegou a agüentar 500. Como escreveu o ex-soldado alemão Schlichthorst em suas memórias, as costas dos mercenários eram “pasto da chibata brasileira.” Outro problema era que o comando dos soldados alemães estava nas mãos de outros estrangeiros. As autoridades militares do Império não atinaram que, um dia, a tolerância dos mercenários alemães iria terminar. A situação de tensão nos quartéis estava prestes a explodir e houve quem forneceu a pólvora.


Em 09 de junho de 1828, a revolta dos mercenários eclodiu quando um soldado foi condenado a centenas de chibatadas porque não se recolhera ao quartel ao cair o por do sol. Em meio a aplicação do castigo, mesmo com a tropa formada, surgiram vaias e imprecações por parte dos mercenários contra o português Major Drago. De repente, eclodiu no ar um grito de revolta: “Matem o cão português!”. A partir de então ninguém mais controlou os soldados que perseguiam os oficiais e matavam a todos que encontravam. Mercenários alemães e irlandeses se dirigiram para São Cristóvão e reivindicaram junto ao Imperador o fim dos castigos corporais, definição do tempo que estavam obrigados a servir e o pagamento dos soldos. No retorno ao quartel, como a cachaça e o vinho rolavam soltos, os mercenários embriagados surravam os brasileiros que encontravam pelo caminho. A revolta se estendeu por três dias com o assassinato de oficiais, destruição dos quartéis, casas derrubadas e assaltos a vendas e armazéns em busca de vinho e cachaça. O álcool ingerido descontroladamente há dias os transformava em uma turba furiosa e difícil de conter. E pior: não havia tropas nacionais disponíveis na Corte. A maior vítima dos mercenários eram os negros, mortos como moscas. Os negros devotavam ódio mortal aos soldados estrangeiros e a recíproca era verdadeira. Indignados com as agressões e assassinatos ao seu “patrimônio”, os senhores armaram seus escravos para que combatessem os mercenários.



Nesse embate, o Rio de Janeiro virou palco de uma das maiores carnificinas de sua história. Os escravos armados na luta contra os mercenários foram igualmente cruéis, deixando cadáveres de soldados horrivelmente mutilados pelas ruas e muitos com sinais de tortura. O cego furor homicida e a crueldade nas execuções, uns contra os outros, eram praticados tanto pelos mercenários quanto pelos escravos. Somente quando as forças navais inglesas e francesas chegaram, por solicitação do Imperador, foi que os mercenários alemães e irlandeses se recolheram aos quartéis. É interessante que, nesse episódio, foram os escravos que de fato fizeram a diferença no combate aos revoltosos, mas quem recebeu as honras do governo brasileiro foram os franceses e os ingleses. Imediatamente o governo determinou que os escravos fossem desarmados por seus senhores. Realizados os julgamentos e punições, os mercenários foram enviados para bem longe do Rio de Janeiro, no sul do país, e o Regimento de Estrangeiros extinto. Em virtude dessa rebelião, uma lei de 1830 proibiu estrangeiros de envergarem o uniforme do Exército Imperial Brasileiro. Na próxima semana, a última parte: “Nova Friburgo:Colônia Mãe dos Colonos Alemães”



Igreja do Quartel do Barbonos

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