MEDICINA E CLIENTELISMO:OS PAIS DOS POBRES




A administração colonial e o governo imperial nunca deram ao povo brasileiro uma assistência médica-hospitalar condigna. Desde o período colonial a assistência hospitalar era realizada pelas Santas Casas, hospitais fundados e mantidos pelas Irmandades da Misericórdia. Eram associações independentes do poder público, compostas por indivíduos das classes abastadas, católicos, que contribuíam com mensalidades, anuidades, donativos, esmolas e legados para o custeio das despesas hospitalares das classes pobres e miseráveis. Em Nova Friburgo, no primeiro quartel do século XX, foi criada a Santa Casa de Misericórdia para dar assistência médico-hospitalar às classes populares. Mas como se fazia a assistência hospitalar antes das Santas Casas de Misericórdia? Desde a sua fundação em 1820, a Câmara Municipal fornecia gratuitamente remédios aos “indigentes”, assim se referindo a população pobre da então vila da Nova Friburgo e igualmente o “médico de partido”, pago pelos cofres públicos, que atendia aos enfermos. Em caso de uma doença mais grave e principalmente as infecto-contagiosas, alugava-se um imóvel e remuneravam alguém para que assistisse ao doente até a sua convalescença. Nos jornais do fim do século 19, os médicos anunciavam o horário em que atenderiam aos clientes pagantes e o horário que dariam assistência gratuita aos pobres. Logo, os médicos espontaneamente supriam a deficiência do governo em fornecer profissionais de saúde às classes populares. Por isso, muitos deles receberam a alcunha de “pais dos pobres” devido a essa prática assistencialista.
No regime republicano, o bacharelismo(advogados) fica em baixa e valoriza-se mais os médicos e engenheiros como gestores públicos. Afinal, as futuras urbs necessitavam de engenheiros para melhor planejar ruas e praças e médicos para combater as epidemias de cólera, varíola e febre amarela que grassavam nas cidades. Foi no início do governo republicano que Nova Friburgo teve como primeiro gestor público o médico Ernesto Brazílio. Não havia à época a figura do prefeito e o presidente da Intendência e depois da Câmara é quem tinha a função do executivo municipal. Ernesto Brazílio foi presidente da Câmara por longos onze anos, no período de 1897 a 1908. Fazendo uma passagem pela história de Nova Friburgo no século XX, encontraremos muitos médicos na liderança política local no cargo de prefeitos, a saber: Galdino do Vale Filho, Feliciano Costa, Amâncio Mário de Azevedo e Vanor Tassara Moreira. É surpreendente que entre os anos de 1955 a 1977, esses profissionais da saúde se revezaram continuamente como prefeitos do município, apenas interrompida por uma curta gestão de Heródoto Bento de Melo, que assumiu como interventor no golpe militar de 1964. Feliciano Costa foi prefeito em dois mandatos (1955-1959 e 1971-1973) e Amâncio Mário de Azevedo em três mandatos (1959-1963; 1967-1971; 1973-1977). Ambos foram igualmente eleitos para o legislativo estadual e Amâncio Azevedo também para federal. Se nos estendermos nessa análise, constataremos que o farmacêutico Alberto Braune e o médico Dermeval Barbosa Moreira(pai de Vanor Moreira) foram figuras extremamente expressivas e carismáticas em Nova Friburgo, provocando verdadeira comoção na cidade por ocasião de seu falecimento. Cumpre assinalar que nos últimos anos tivemos duas gestões municipais da médica Saudade Braga. Finalmente, a Câmara Municipal deu o nome de sua nova sala de sessões a um médico, o Dr. Jean Bazet, o primeiro médico da vila.
Qual seria a origem dessa simbiose medicina e política em Nova Friburgo? Inicialmente havia um sacerdócio entre a classe médica. Com o fim da República Velha e consequentemente o fim do coronelismo abriu-se uma brecha, um vácuo de poder. É possível que alguns médicos desde então se empenharam em ocupar esse vácuo de poder e vislumbraram no assistencialismo, até então desinteressado, como uma oportunidade de captar as simpatias das classes populares. Logo, o assistencialismo foi o ovo da serpente e a moeda de troca nas eleições. Desenvolveu-se, por conseguinte, a prática do clientelismo gerando uma rede relações que é sempre acionada por ocasião de suas candidaturas a cargos públicos. No cotidiano dos hospitais e centros de saúde, uma cirurgia ou um exame passando a frente de outros, um remédio aqui, uma ambulância acolá, enfim, uma engrenagem de favores e mercês sobre a miséria humana transforma esses profissionais da saúde como grandes benfeitores. Depois do favor, que deveria ser obrigação, já que utilizam a máquina pública, a eterna gratidão de todos familiares do paciente e a certeza do voto nas eleições.
Talvez seja essa a explicação para a formação de uma casta de políticos médicos. Não fosse deficiente a assistência pública médico-hospitalar é possível que esses profissionais não encontrassem o espaço que tiveram ao longo de nossa história no cenário político. Mas isso não é prerrogativa apenas de Nova Friburgo. Esse fenômeno ocorre em quase todo o território nacional. Historicamente, até o século XIX, a figura social do médico era relativamente desprestigiada. Sob o juramento a Hipócrates ou talvez a Asclépio, deus da medicina, os médicos reverteram seu papel na sociedade brasileira. Como observou Gilberto Freyre, “o confessor e o filho padre foram sendo substituídos por essa figura carinhosa e firme, doce e tirânica, o médico de família”. E dos lares das famílias brasileiras foi um salto para a tribuna política.


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