O BAR DO SEU MÁRIO


Quem nunca tomou uma bronca do seu Mário Babo? Um namoro indecente no bar, um pé na cadeira, leituras impróprias, o sujeito logo tomava uma bronca e retirava-se aborrecido. Porém, tempos depois, voltava ao bar. Ninguém resistia deixar de freqüentar o Bar do Seu Mário. Era oficialmente o Bar Central, mas que o vulgo tornou-o Bar do Seu Mário, já que o proprietário, podemos afirmar, estava acima do estabelecimento. Localizava-se na esquina da Rua São João, hoje no local uma loja de bijuterias.
Seu Mário, imigrante português, veio para Friburgo em 1951, de porte da denominada “Carta de Chamada”, condição exigida pelo governo para o imigrante trabalhar no Brasil. Trabalhou inicialmente no Bar América, o mesmo bar que hoje funciona na Rua Monte Líbano, de propriedade de seu irmão. O Seu Mário, em suas memórias, lembra que naquela época os imigrantes mais importantes em Friburgo eram os alemães, que na saída de suas ocupações nas fábricas, iam ao Bar América para tomar cerveja. Recordemos, os capitalistas alemães eram proprietários das maiores indústrias como a Rendas Arp, Filó, Ypú e Haga, que empregavam boa parte da população.

Seu Mário, no entanto, voltou para Portugal, morou em Angola, mas retornou para Friburgo, onde abriu o Bar Central. Bebia-se cerveja e comia-se pastel. Mas foi ele quem trouxe o chopp para a cidade e consequentemente o delicioso bolinho de bacalhau, pelas mãos de sua eterna companheira, a também portuguesa, Dona Alcina. Mas quem não se lembra dos sorvetes de abacaxi, pistache, ameixa, creme holandês, de fabricação caseira, que concorria com a Sorveteria Única, da família Ruiz.
O bar foi inicialmente freqüentado por operários. Saíam das fábricas, iam para suas casas, tomavam banho, colocavam um terno e sem seguida dirigiam-se para o Bar do Seu Mário num ritual do tipo trabalho, lar e botequim. À tarde, as senhoras da sociedade, como os Braune, freqüentavam o bar para um cafezinho e uma boa conversa, um espaço de sociabilidade. À noite era a vez dos maridos. Médicos, advogados, magistrados, enfim, profissionais liberais que iam tomar o seu chopp e comer bolinhos de bacalhau. Nesta fase, os operários das fábricas já não iam mais ao bar e podemos dizer que foi a elite da cidade que passou a freqüentá-lo. Sr. Laércio Ventura, diretor de A Voz da Serra, acompanhado de seu amigo DeCache freqüentavam o bar. Passaram por lá políticos como Carlos Lacerda, Jânio Quadros, Brizola e diversos artistas como Dina Sfatti, Cláudio Marzo, Reginaldo Farias, o comentarista de futebol Gerson, todos veranistas da aprazível Nova Friburgo.
Mas o que marcou o Sr. Mário em suas memórias foram os alunos da Fundação, um colégio do tipo internato, considerado um dos melhores do país. A maior parte destes alunos vinha de diversos estados e eram considerados pela sociedade friburguense como bad boys. Também pudera. Nas olimpíadas internas dos colégios, que ocorriam no Celso Peçanha, arrumavam briga com os alunos do Colégio Anchieta, cuja rixa estendia-se por toda a cidade, onde pedras, correntes e garrafas rolavam entre os desafetos apavorando os comerciantes próximos ao estádio. Era no bar do Seu Mário onde os alunos da Fundação se refugiavam, fugindo da polícia. Seu Mário lhes dava guarita não porque desafiasse as instituições, mas os tratava como seus filhos, dando-lhes abrigo. Afinal, os meninos da Fundação, que guardavam suas malas em seu bar e bebiam milk shake e toddy, não eram bandidos para serem presos pela polícia. Eram apenas escaramuças de rapazes.
Em suas memórias, o Seu Mário tem muito a nos contar. Afinal, foram vinte e seis anos no ponto central da cidade, passando por ele todas as classes sociais, vivendo os ciclos de progresso da cidade em um tempo em que o comércio tinha a personalidade de seu proprietário. E no bar do Seu Mário ninguém tirava casquinha não. Tomava uma tremenda bronca, pois era um bar de família. Quem em Friburgo também não tem em suas memórias uma história para contar do Bar do Seu Mário?

Entrevista realizada em outubro de 2009 com o Sr. Mário Babo.

5 Response to "O BAR DO SEU MÁRIO"

Yvan Peixoto Jr. disse...

Parabéns pelo Blog!!!

Anônimo disse...

Eu sou um ex-aluno interno da Fundação e sei doi que está falando eu vivi isso tudo, eu frequentei o Bar do seu Mário e lembro dele com saudades e carinho e tenho certeza de que qq aluno da Fundação lembre muito bem do Bar do Seu Mário.
Parabéns pela lembrança

Alexandre Rodrigues (O Galinha da Fundação de 1971 a 1975)

Cássia Moraes Liu disse...

Eu fui aluna do Anchieta e convivi com toda essa história, inclusive o bolinho de bacalhau do bar do seu Mário(que nem me lembrava se chamar Central). Muito me honra ser amiga da filha dele. Bete, seu pai merece toda a homenagem. Afinal, ele fez parte da história de Friburgo e da nossa história.

Cássia Moraes Liu disse...

Janaína, parabéns pelo trabalho maravilhoso de resgate da memória cultural de nossa cidade. Beijos.

Antonio Herdy disse...

Sim, eu ia à missa das 11 horas na Igreja Matriz e, depois, logo ao lado, afogava a minha santidade com o chopp do Seu Mário. Tenho a sensação de ainda ouvir aquele sotaque portugues, ora bem humorado, ora zangado, mas sempre com muita ternura, já que o seu olhar não conseguia esconder isso.
Naquelas mesas discutiam-se os destinos do mundo, amores, paixões, ódios, sempre sob o olhar cúmplice do velho e bondoso Mário. Me pergunto: por que as coisas boas passam rápido feito um furacão? Mas ouso responder que tudo passa, menos o Mário!

Postar um comentário

AVISO:
É proibido usar palavras de baixo calão neste espaço.
Seja cordial com os outros comentaristas.
Ao fazer críticas, favor fundamentá-las.
Caso esses tópicos não sejam seguidos, os comentários serão deletados sem consulta prévia ao autor.

Related Posts with Thumbnails
powered by Blogger | WordPress by Newwpthemes | Converted by BloggerTheme