As furiosas Bandas de Música

Banda de Música do Século XIX


Prática cultural presente no cotidiano da cidade, é difícil imaginar um evento em Nova Friburgo, no final do século XIX, que não tivesse a presença das bandas de música tocando retretas, polcas, mazurcas e schottisches. Muito diferentes das bandas de hoje, que se limitam à execução em espaços fixos, as bandas de outrora tinham mobilidade, circulavam pelas ruas da cidade e participavam desde acontecimentos mais importantes, como datas cívicas, até os mais simplórios.

A passeio percorriam as bandas tocando dobrados e retretas pelas ruas da cidade, principalmente aos domingos. Estavam presentes nos momentos de alegria, como celebrações de casamentos, aniversários, homenagens, leilões, circos, passeios campestres, procissões religiosas, carnaval, teatro e soirées, como também nos de tristeza, como no caso dos funerais. Nos acontecimentos mais banais da cidade, lá estava a banda de música, seguindo o cortejo, sempre pontuando os acontecimentos, sempre presente nas sociabilidades.

Das soirées mais elegantes como no mais popular dos bailes, não havia um momento em que não houvesse a presença das “furiosas” abrilhantando o evento. Eram prestigiadas por todas as classes sociais, ao contrário do que ocorre atualmente em Nova Friburgo, onde são consideradas como algo miquelino, um divertimento próprio para as classes populares.Seus estandartes eram benzidos pelo cônego da cidade.

A banda de música é uma prática cultural herdada da colonização portuguesa. A charamela foi um instrumento europeu trazido por portugueses muito utilizado pelos escravos – os escravos charameleiros –, que formavam geralmente ternos e quaternos de charamelas, agrupamentos muito comuns em Portugal no século XVII e que se multiplicaram pelas fazendas e vilas do interior do Brasil. Tudo indica que aqui os conjuntos de charameleiros negros foram os antecessores das bandas de música tal como a conhecemos hoje. Manter um conjunto musical era, para os fidalgos, sinal de abastança e bom-tom, à maneira das cortes européias. Há ainda a referência às antigas bandas de barbeiros, formadas por africanos libertos.


No Brasil-Colônia, fazendeiros mantinham bandas formadas por escravos para entreter seus convidados, sendo considerado um indício de civilidade do anfitrião. Não foi ao acaso que o barão de Nova Friburgo foi o primeiro patrono e mecenas da Sociedade Musical Euterpe. O imigrante português parece ter sido o principal responsável pelo estabelecimento da tradição das bandas no Brasil. Mas os italianos participaram igualmente de maneira decisiva na formação musical do país, havendo entre esses imigrantes, vindos para trabalhar na lavoura do café, em São Paulo, expressivo número de músicos instrumentistas e regentes que se ligaram às bandas de música.
O grande afluxo de músicos italianos para as bandas teria provocado uma mudança no repertório habitual até então executado nas retretas das praças públicas.Trechos de óperas italianas, com suas árias, duetos, cavatinas, fantasias, entre outros, tornaram-se os gêneros de preferência das bandas que os abrigaram. Cavatina é uma peça vocal sem repetição “da capo”, de menor vôo lírico do que a ária. Geralmente é precedida de um recitativo e comporta a repetição. Os alemães também tiveram tradição em bandas e influenciaram no surgimento de algumas delas no Brasil. Os italianos se abrigaram na Sociedade Musical Campesina, e é provável que a animosidade entre essa banda e a Euterpe, de origem portuguesa, seja mais em função de dissensões entre nacionalidades do que políticas. Em Friburgo, apesar de a presença de alemães ter sido diminuta, esses imigrantes influenciaram na formação da Sociedade Musical Lumiarense.

No final do século XIX, havia quatro sociedades musicais no perímetro da cidade: Euterpe, Campesina, Estrela Friburguense e Recreio dos Artistas. O distrito de Lumiar possuía duas bandas, a Sociedade Musical Euterpe Lumiarense e o Club Musical Quinze de Novembro, em São Pedro. De todas elas, a Campesina era a mais articulada, lembrando que foi essa sociedade que deu início às obras do primeiro teatro da cidade, o Teatro Victor Hugo, que por questões financeiras foi vendido ainda em construção aos Jordão, que o transformaram em Teatro D. Eugênia.

A maior parte dessas bandas extinguiu-se, exceto a Euterpe e a Campesina, que passaram a servir de manobra política na cidade. Quando um determinado político apoiava uma delas, conseqüentemente o seu adversário apoiaria a outra, e assim se sucedeu continuamente, de forma que as duas bandas remanescentes são até hoje inimigas acirradas.Recusam-se a qualquer aproximação ou parceria e jamais se apresentam conjuntamente em qualquer evento. Quando, em 1992, o Prof. Alexandre Gazé, então Secretário de Educação e Cultura do município, tentou aproximar as duas sociedades musicais para executarem juntas um concerto em comemoração ao aniversário da cidade, não obteve sucesso em sua empreitada. É interessante o argumento utilizado por ambas para recusar: o que as manteve vivas durante todos esses anos foi justamente a animosidade existente entre elas.
Havia entre as bandas competição, o que sempre foi considerado como algo natural entre as sociedades musicais. Nas procissões religiosas, geralmente, eram duas as bandas que se revezavam nos dobrados, e essas ocasiões eram transformadas em palco de demonstração de competência e habilidade musical de uma sobre a outra. Numa determinada procissão, por exemplo, enquanto a Sociedade Recreio dos Artistas tocava uma marcha no início do préstito, antes mesmo que ela terminasse sua apresentação, rompia com um dobrado a Sociedade Estrela Friburguense. Os componentes da primeira, indignados, atracaram-se com os músicos da segunda, ficando todos muito feridos até porque alguns instrumentos eram verdadeiras armas, utilizadas uns contra os outros.

Certa feita, quando as bandas Euterpe e Campesina passavam uma pela outra em frente ao Hotel Salusse, fez a Euterpe um sinal de cortesia pela passagem da Campesina. Essa banda, porém, não parou, como era uso e costume, criando-se um verdadeiro alvoroço na cidade por sua falta de cortesia. O seu presidente, o italiano Elviro Martignoni, teve de vir a público desculpar-se pelo incidente, argumentando não ter notado o sinal de cortesia feito pela Euterpe. Não era aconselhável ferir suscetibilidades.

Em meados do século XX, a Euterpe era considerada a “banda dos pretos”, afirmação que tem certo fundamento, porque ela foi formada no período da escravidão, quando era comum cativos e libertos comporem essas bandas. A Flor da Liberdade, a que já nos referimos, provavelmente era formada por negros. De qualquer forma, ainda que formadas por pessoas das classes populares, o repertório dessas bandas era absolutamente clássico, executando Verdi, Donizetti e Bellini, sendo o dobrado o gênero musical mais tocado, como o Moulin Rouge.
Diferentemente do que ocorre hoje, quando as bandas necessitam de subsídio oficial do município para a manutenção de suas atividades, as do final do século XIX viviam de recursos próprios. Proviam-se da colaboração de seus membros e associados, das apresentações em bailes, festejos particulares, teatros, circos, passeios campestres, casamentos, aniversários, soirées dançantes, doações e leilões promovidos geralmente para a aquisição de necessidades pontuais, como instrumentos ou uniformes.

Bailes, casamentos, aniversários, piqueniques, teatro, circo, soirées dançantes, leilões, procissões, funerais, eventos políticos, homenagens, carnaval ou o passeio banal pelas ruas da cidade. No final de século XIX, não era possível imaginar qualquer forma ou espaço de sociabilidade em Friburgo sem a presença das bandas de música.

1 Response to "As furiosas Bandas de Música "

Gener HM disse...

Gostei da matéria, não sabia que Nova Friburgo teve tantas bandas no passado. É uma pena que a maioria delas tenham acabado. Com relação a Euterpe e a Campesina, sou favorável que seja feito um concerto em conjunto com as duas bandas, talvez no bicentenário da cidade nos seguintes moldes: primeiro (por ser a mais antiga) toca a Euterpe sozinha, depois toca a Campesina também sozinha, e como terceira parte do evento as duas bandas se unem para fazerem um grande concerto histórico, sendo regidas pelos dois maestros, um de cada vez, é claro - tudo isso seria em comemoração ao aniversário dos 200 anos da cidade de Nova Friburgo.
Fica aí a sugestão.

Saudações.

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