Carlos Bini é o segundo, em pé, da direita para a esquerda.
A turma do “Galeria-Bar” tinha mesa cativa no bar da Galeria União. Suas estripulias foram lembradas pelo memorialista Carlos Bini, que era uma espécie de líder do grupo, no livro “A Turma do Galeria-Bar”. Era um grupo de rapazes de classe média, que se reunia quase todas as noites no bar da Galeria União. Depois de se inflarem de bebida alcoólica, pois nenhum deles usava drogas, faziam planos para infernizar a vida dos moradores da cidade nas madrugadas frias de Nova Friburgo. Não faziam o estilo da geração beat, a exemplo de Jack Kerouac. Eram brincadeiras inocentes como bater os sinos da igreja para assustar a população ou ainda roubar lingüiça do açougue com uma vara, aguardando a primeira fornada de pão de uma padaria para comerem pão com liguiça. Sua vida sexual era sádico-burlesca. Promoviam “curras”, ou seja, arrumavam uma mulher que servia sexualmente a todo o grupo num mesmo programa. Após o terceiro, vira “baba de quiabo”, mas para “afogar o ganso” e tirar o “atraso” somente dessa maneira, devido “a falta de mulher naquela época, não tinha jeito”, segundo Bini. Eram geralmente “empregadinhas domésticas”, a exemplo da “Nega Rosa”. Sem perceberem, repetiam as mesmas práticas dos senhores de outrora, que subjugavam as escravas, delas servindo-se sexualmente, valendo-se de sua condição de classe. Mas desde que o mundo é mundo sempre haverá os “bad boys”. Na civilização romana, os filhos de senadores saíam noite adentro pelas ruas de Roma, espancando os transeuntes e embriagando-se.
De tropelia a tropelia, os rapazes da turma do Galeria-Bar eram os donos da noite friburguense, pois na segurança pública havia somente a polícia civil, que possuía apenas um jeep wyllis para ronda e poucos soldados, velhos conhecidos da galera. Segundo Bini, “o entrosamento com a comunidade era calmo, pois havia poucos casos de delitos”. As brincadeiras dos rapazes eram vistas como “coisas de juventude”. A turma participava do “Parlamento Estudantil”, que congregava estudantes de segundo grau do município, e de atividades artísticas como teatro, festivais de música e palestras. Nova Friburgo, uma cidade celeiro no campo da educação, com colégios referência no país, a exemplo do Anchieta e do Colégio Nova Friburgo, irradiava eventos culturais entre os estudantes secundaristas. Havia festivais de teatro, cinema, artesanato, shows de poesia e música no Centro de Artes, com a participação dos friburguenses Egberto Gismonti e Benito Paula. Era o tempo da contracultura provocada pela guerra do Vietnã. Nova Friburgo abrigou a primeira comunidade hipppie do país, localizada em Vargem Alta, e ganhou as páginas da imprensa nacional, um interessante episódio que merece uma matéria à parte. Essa experiência gerou o filme “Geração Bendita” sobre a comunidade hippie em Nova Friburgo, que apesar de ser de qualidade duvidosa, colocou Bini em evidência pela originalidade do tema. Bini produziu ainda com seus amigos dois jornais: “Força Jovem” e o “Jornal de Friburgo”, ambos de vida efêmera, devido a falta de condições econômicas. Mas a geração bendita logo se transformou em geração maldita. Geração maldita porque foi uma geração que vivenciou o golpe militar de 1964, onde a repressão e o patrulhamento ideológico interferia em suas atividades cotidianas. A turma do Galeria-Bar trocou as brincadeiras juvenis pela militância política, promovendo pichações nos muros da cidade com a seguinte frase: “ABAIXO A DITADURA MILITAR”.
Em Nova Friburgo cai o prefeito Vanor Tassara Moreira, considerado comunista e entra o seu vice Heródoto Bento de Melo, que segundo Bini era “considerado homem de direita”. Ainda segundo ele, “O Sanatório Naval em Friburgo era aonde iam os suspeitos de serem contra a ditadura. Várias pessoas foram chamadas a depor e explicar a participação nos movimentos políticos na cidade. Nós, nunca fomos chamados, pois eram tomadas como coisas de estudantes sem grande importância”. Bini passou a ter seus filmes censurados e a poesia de um membro do grupo proibida e ele se perguntava: “Por que os comunistas eram tão perigosos em um país?”
De geração bendita, a geração maldita, dos doces anos verdes da juventude aos duros tempos da repressão e da prisão sem culpa. Consequentemente, a turma do Galeria-Bar amadureceu e trocou a tropelias da juventude pela militância política através de jornais, cinema, poesias, etc. Atualmente, alguns membros já faleceram, mas até hoje a galeria do edifício União continua a ser um espaço de sociabilidade masculina da geração antiga. Podemos mensurar a diferença entre a turma do Galeria-Bar e a geração atual, considerada essa última como individualista, através de suas referências. Para a geração de hoje, o ícone pop é o personagem fictício capitão Nascimento, do filme “Tropa da Elite”. A de outrora, o revolucionário Che Guevara. A diferença é significativa.
Matéria baseada no livro “A Turma do Galeria-Bar”, de Carlos Bini. 2001.
MÚSICAS DE PROTESTO CONTRA A DITADURA MILITAR:
2 Response to "GERAÇÃO BENDITA, GERAÇÃO MALDITA: A TURMA DO GALERIA-BAR"
Belíssimo texto.Sabe onde eu poderia conseguir o livro do Bini?
Att Camila
Belíssimo texto.Sabe onde eu poderia conseguir o livro do Bini?
Att Camila
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