Resolvi interromper a programação de matérias que fiz sobre a escravidão em Nova Friburgo, por um motivo louvável. Recebi um comentário do professor de história da UFF e pesquisador sobre a escravidão em Nova Friburgo, Prof. Jorge Miguel Mayer, e não posso deixar de tornar público ao leitor de A Voz da Serra a posição desse ilustre historiador sobre a história do quilombo de Macaé de Cima. Fazendo um resumo da matéria da semana passada, descrevi a migração dos colonos suíços do Núcleo dos Colonos para as terras devolutas no Sertão das Cachoeiras do Rio Macaé, local onde havia um quilombo. Contrariando a versão de que houve confronto entre os suíços e os quilombolas, como descreve o historiador Martin Nicoulin, afirmei que ao invés do conflito, houve um acordo entre os suíços e os quilombolas, adquirindo os primeiros as plantações dos escravos fugitivos, que acabaram abandonando a região, se deslocando rio abaixo.
O Prof. Jorge Miguel discorda de minha colocação e transcrevo aqui a versão dele sobre esse episódio para que o leitor conheça outras opiniões sobre o assunto: “... Tenho me interessado sobre o assunto e buscado algumas fontes. Nunca soube de qualquer quilombo em Macaé de Cima. Existem, sim, referências a quilombo no vale do Macaé, porém muito abaixo. No livro de Nicoulin há a narração de incursões dos suíços no vale do Macaé. Na ocasião um suíço da família Sardemberg teve seu pé atravessado por uma armadilha protetora do suposto quilombo. Nicoulin transcreve uma carta de colono que afirma que os suíços se impuseram aos quilombolas e se apoderaram de suas plantações. Nada amigável, portanto! Há uma outra carta em que desrespeitosamente colonos falam em ir à região do quilombo. Creio que esta informação (ver Nicoulin) deve ser levada em conta e confrontada com a informação transcrita de que houve uma negociação amigável. Fica difícil aceitar o fato dos suíços e os africanos estarem irmanados por um sentimento comum: longe de seu torrão natal, em busca da sobrevivência em terras estrangeiras. Não vejo qualquer fundamento para esta pretensa aliança que contrasta com a postura transcrita por Nicoulin. Você coloca esta versão como uma possibilidade. Acho difícil. Embora houvesse fazendas na área, havia também muitas terras sem definição de propriedade. Não há comprovação, nem da aliança nem de conflitos, com fazendeiros. Pode-se supor que os quilombolas se defendiam contra os fazendeiros, o Estado e todo aquele que pretendia tomar suas terras.(...)Disponho também das informações sobre quilombos nas nascentes do Macabu e em Trajano de Morais. Enfim, próximo à região serrana, havia quilombos. Há que se estudar as relações com a sociedade local bem como buscar informações sobre as dimensões destes quilombos, que como se sabe não eram todos iguais.”
Como vimos, o Prof. Jorge Miguel, um estudioso sobre a escravidão em nossa região, discorda da composição entre suíços e quilombolas. Mas qual foi a fonte que fundamentou a minha versão? Trata-se de uma fonte extraída do livro “A Imigração Suíça no Brasil”, de Armindo Muller, sobre as memórias do suíço Hecht que veio para Nova Friburgo com os demais colonos no início do século XIX. No entanto, a perda de um de seus dois filhos em Nova Friburgo o desestruturou muito, e somado a outras dificuldades, acabou retornando para a Suíça. O suíço Hecht, ao retornar ao seu país, escreveu em suas memórias interessantes fatos do seu cotidiano em Nova Friburgo e um deles refere-se a esse episódio de migração dos colonos suíços para o Sertão das Cachoeiras do Rio Macaé e seu contato com os quilombolas. Hecht deixou o seguinte registro em suas memórias:“...haviam estabelecido negros foragidos com maravilhosas plantações. O lugar, a localização e as plantações tanto agradaram, que iniciaram conversas com os negros para adquiri-las(...)O líder dos negros, que andava com uma espada desembainhada, falou assim: se vocês suíços fossem lavradores locais, teríamos entrado em luta com vocês; de forma alguma nos teríamos deixado aprisionar.(...)Com pouco dinheiro os colonos suíços compraram as plantações e os negros se mudaram dali. Esse lugar(...)chama-se Macaé...”.
Observem que a força de trabalho valia mais do que a terra propriamente dita, pois foram as “plantações” e não as “terras” que foram adquiridas dos quilombolas. É possível que Hecht tenha mascarado em suas memórias os fatos reais, ou seja, que houve realmente um confronto, para passar uma imagem positiva dos suíços? Não podemos descartar essa possibilidade, pois Hecht era um homem muito religioso, e não foram poucos os seus comentários de aversão ao tratamento dado aos escravos no Brasil. Por fim, apenas para esclarecer ao leitor, é muito comum entre os historiadores haver dissensão, ou seja, a divergência sobre determinados fatos, cujo debate só contribui para nos aproximarmos ao máximo da realidade histórica. Por conseguinte, não pude privar o leitor da opinião do eminente pesquisador Jorge Miguel sobre esse episódio. Ao menos, estamos colocando a escravidão dentro da história da Nova Friburgo, pois ainda há quem pergunte: Mas existiu escravidão em Nova Friburgo?
Segue, na íntegra, a carta do Prof. Jorge Miguel. No entanto, quando ele me corrige quanto à localização do quilombo, percebo que estamos falando de diferentes quilombos. Em Lumiar, existe uma rua chamada de "Rua do Quilombo" e é este a que me refiro como sendo o quilombo de Macaé de Cima. Pode estar aí a chave da questão se houve ou não conflito entre os suíços e os quilombolas. Estou me referindo ao quilombo de Macaé de Cima e ele do Vale do Macaé.
Prezada Janaína,
Sou um leitor assíduo de sua coluna sobre história
e memória, admirando
muito o seu trabalho. Concordo com você que há poucos
estudos sobre
escravidão em Nova Friburgo, agradecendo -lhe inclusive as
referências ao
meu livro com Edson e ao livro da saudosa Gioconda Losada.
Referências aos
quilombos e, sobretudo fontes, são ainda mais escassas.
Tenho me
interessado sobre o assunto e buscado algumas fontes. Nunca soube
de
qualquer quilombo em Macaé de Cima. Existem, sim, referências a quilombo
no vale do Macaé, porém muito abaixo. No livro de Nicoulin há a narração
de incursões dos suíços no vale do Macaé. Na ocasião um suíço da família
Sardemberg teve seu pé atravessado por uma armadilha protetora do suposto
quilombo. Nicoulin transcreve uma carta de colono que afirma que os suíços
se impuseram aos quilombolas e se apoderaram de suas plantações. Nada
amigável portanto! Há uma outra carta em que desrespeitosamente colonos
falam em ir à região do quilombo. Creio que esta informação ( ver
Nicoulin) deve ser levada em conta e confrontada com a informação
transcrita de que houve uma negociação amigável. Fica difícil aceitar o
"fato dos suíços e os africanos estarem irmanados por um sentimento
comum:longe de seu torrão natal, em busca da sobevivência em terras
estrangeiras". Não vejo qualquer fundamento para esta pretensa aliança que
contrasta com a postura trascrita por Nicoulin. Você coloca esta versão
como uma possibilidade. Acho difícil. Embora houvesse fazendas na área,
havia também muitas terras sem definição de propriedade. Não há
comprovação, nem da aliança nem de conflitos, com fazendeiros. Pode-se
supor que os quilombolas se defendiam contra fazendeiros, Estado e todo
aquele que pretendia tomar suas terras. Aproveito o ensejo para lembrar
que existe um local ainda hoje chamado quilombo que mereceu uma pesquisa e
um filme interessante de Renata de Azevedo - Quilombo, cuja cópia será
entregue à Biblioteca da Faculdade Santa Dorotéia. Posso inclusive pedir a
Renata que disponha de cópias para divulgar em instituições da região
serrana. Disponho também das informações sobre quilombos nas nascentes do
Macabu e em Trajano de Marais. Enfim, próximo à região serrana, havia
quilombos. Há que se estudar as relações com a sociedade local bem como
buscar informações sobre as dimensões destes quilombos, que como se sabe
não eram todos iguais. Jorge Miguel Mayer
1 Response to "A HISTORIA DO QUILOMBO DE MACAÉ DE CIMA CONTINUA..."
Seus artigos são maravilhosos. Sou também historiador e trabalhando na organização de um centro de estudos de afro-descendentes aqui em Nova Friburgo. Por favor, entre em contato.
Abraços, Fabio Batalha.
fabiobmb@gmail.com
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