AS ENCHENTES DO VELHO SÃO JOÃO DAS BENGALAS: UM DÉJÀ VU NA HISTÓRIA DE FRIBURGO

Acima: Enchente na Rua Francisco Miele em 02 de janeiro de 1938.


Acima: Praça Getúlio Vargas. Enchente de 1940.




Acima: Praça do Suspiro. Enchente de 1940.

Acima: Rua Sete de Setembro. Enchente de 1920.




Acima: Praça Getúlio Vargas. Enchente de 1920.



Acima: Avenida Galdino do Vale. Enchente de 1920.



Acima: Rua General Osório. Enchente de 1940.




Acima: Não há referência da foto. Provavelmente a enchente de 1940.


Acima: Avenida Galdino do Vale. 1940.




Acima: Avenida Galdino do Vale. 1940.


Acima: Rua Oliveira Botelho. Enchente de 1940.

A Fazenda do Morro Queimado, onde Nova Friburgo se estabeleceu, pertencia a Cantagalo. Era um belo vale situado entre cinco elevadas montanhas e apelidaram-na de morro queimado por causa da cor tisnada, acinzentada das montanhas. Destaca-se na paisagem o Rio São João das Bengalas, formado pela confluência dos rios Cônego e Santo Antonio que lança-se no Rio Grande e deságua no Paraíba do Sul. Nova Friburgo sempre padeceu com as enchentes do velho Rio Bengalas, desde a instalação da vila em 1820, até os dias de hoje. Mas as civilizações sempre se formaram ao redor dos rios, devido atividade agrícola. A Mesopotâmia, na Antiguidade, formou-se entre os Rios Tigre e Eufrates. A própria etimologia da palavra mesopotâmia significa “entre rios”. O Egito depende das enchentes do Rio Nilo para a sua economia.


Quando instalou a vila de Nova Friburgo não se considerou que a sua proximidade com o rio acarretaria problemas de alagamento nas residências e logradouros com prejuízo material e à salubridade pública? A escolha do local do assentamento da vila, as “vilagens do norte e do sul”, pode ter sido em função da existência do chateau(hoje Colégio Anchieta), sede da administração da Fazenda do Morro Queimado. Mas note que a sede da fazenda ficava no alto do morro, provavelmente em função das enchentes do velho Bengalas.


O “tempo das grandes enchentes”, diziam os friburguenses oitocentistas, era como hoje, iniciando na primavera. Há registro de que choveu em Nova Friburgo ininterruptamente durante três meses consecutivos nessa época. Nova Friburgo possui extensa mata atlântica e daí o grande nível pluvial. Sempre foi uma constante na estação das chuvas as enchentes do Bengalas inundarem suas imediações, entrando nas casas, destruindo pontes e os precários caminhos. Dificultava o trabalho dos tropeiros causando-lhes perda de cargas e até de animais. Além das perdas materiais o maior problema das enchentes era o comprometimento da salubridade. Com as chuvas intensas formavam-se pântanos e acreditava-se que as febres eram atribuídas aos focos de miasmas produzidos pelos pântanos. Os miasmas eram a obsessão dos médicos higienistas oitocentistas. Acreditava-se que dos pântanos e manguezais emanavam seres não visíveis a olho nu, os miasmas venenosos, que aspirados pela boca ou nariz, causavam as febres palustres. Segundo a ciência médica da época, as “febres dos pântanos” ou “febres palúdicas” eram provocadas pelos miasmas deletérios que se desprendiam das águas estagnadas. Logo, o assoreamento de águas estagnadas era uma preocupação constante da Câmara Municipal que se ocupava em aterrar os pântanos. Em conseqüência das chuvas, as ruas da vila foram niveladas e aterradas para evitar a formação de pântanos, brejos e alagadiços. Como disse, a estagnação das águas poderia resultar no aparecimento de epidemias. Foram as enchentes que provocaram a mudança do cemitério da vila para a parte mais alta da cidade. O cemitério era exatamente onde hoje se encontra o prédio da maçonaria, na Rua Sete de Setembro, e foi deslocado para onde se localiza atualmente. No antigo cemitério, depois que as águas baixavam, os corpos ficavam insepultos devido à força das águas e provocavam constrangimento entre a população. E o pior, poderia provocar doenças.


Ao final do século 19, de caniço à mão, comerciantes, caixeiros, aprendizes e oficiais iam aos domingos ao Rio Bengalas pescar pião e piabanha. Os jornais de Friburgo do final do século 19 reclamavam dos moleques e rapazolas que se despiam de seus molambos, de seus trapos de estopa e iam tomar banho completamente nus, em plena luz do dia. O moleque brasileiro tornou-se célebre pelo seu gosto de banho de rio. Influência moura, através do português. Gilberto Freyre nos informa em “Sobrados e Mucambos” que viajantes sempre estranharam homens e mulheres, velhos e meninos regalando-se de banho de rio à vista de toda a cidade. O budum, a catinga, a inhaça e o “cheiro de bode” atribuído aos negros, exagero do “cheiro de raça” tão forte nos sovacos, em torno do qual cresceu o folclore, não foi pela falta de banho, mas pelo rigor do trabalho, nos informa Freyre. Isso porque do banho, o negro, o mulato, o mameluco e o caboclo nunca se mostraram inimigos como os brancos europeus. Era na beira do rio, espaço de sociabilidade feminina, que as lavadeiras lavavam e quaravam as roupas, ganhavam seu pão, trocavam confidências, saberes de curas e remédios, e queixavam-se das pancadas que tomavam dos companheiros. Não obstante a nossa imensa extensão de costa marítima, foi em torno dos rios que a civilização brasileira se desenvolveu.


Aproximadamente entre 1910-1990, período em que as indústrias têxteis e metalúrgicas se instalaram e alcançaram seu apogeu em Nova Friburgo, víamos o velho Bengalas matizado por diversas cores. Quem não se recorda que um dia o Bengalas estava verde, outro vermelho ou furta-cor em razão dos despejos sem tratamento dos produtos químicos das indústrias? Ainda não tínhamos a consciência ecológica de hoje. Mas quem ousaria protestar contra os “capitães” das indústrias alemãs que tantos empregos diretos e indiretos geravam na cidade? Atualmente o Bengalas corta a cidade ressequido, esquecido, poluído, servindo de depósito de lixo de indivíduos irracionais. Mas na época das chuvas, o velho São João das Bengalas ressurge e as enchentes são um déjà Vu, ou seja, algo já visto e já vivenciado em nossa história.

Na semana seguinte em que postei essa matéria, na madrugada do dia 12 de janeiro de 2011, o velho São João das Bengalas inundou a cidade de Nova Friburgo, provocando uma das maiores enchentes e tragédias da história da cidade. Muito mais grave do que a enchente de 1979. Não bastasse isso, muita terra e pedras desceram dos morros, soterrando prédios, no centro e na periferia da cidade. Mais de cem pessoas faleceram. Até mesmo quatro bombeiros da equipe de resgate morreram. A cidade ficou sem luz, sem água e sem comunicação. Principiou-se alguns saques, típico de uma sociedade que retorna ao seu estado de natureza. Sem lei, sem ordem e sem rei.
Note na sequência de charges do cartunista SILVÉRIO, de A Voz da Serra, publicadas antes da tragédia do dia 12 de janeiro, que ele já vinha ilustrando o cotidiano de enchentes no município.


Depois de enterrarmos os nossos mortos, passaremos a contabilizar as perdas materiais. A igreja de Santo Antônio e a Fonte do Suspiro, um dos raros monumentos históricos que nos resta do século 19, foram destruídos pela terra que desceu da encosta. A igreja de Santo Antônio mal é sustida em pé. Até quando essas tragédias serão um dè já vu em nossa história?










Todas as fotos acima são de enchentes em Nova Friburgo, no século XX. Fonte: Centro de Documentação D. João VI.




1 Response to "AS ENCHENTES DO VELHO SÃO JOÃO DAS BENGALAS: UM DÉJÀ VU NA HISTÓRIA DE FRIBURGO"

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Parabéns pelo texto!

As enchentes deste velho rio são um problema crônico com o qual a cidade precisa aprender a conviver. E não há outra solução a não ser o homem adaptar-se melhor à natureza. Gastou-se uma fortuna para canalizar o Bengalas, mas agora é Conselheiro Paulino que mais sofre.

Bom lembrarmos que um dia pessoas tomaram banho no Bengalas. E como teria sido melhor se toda a cidade tivesse aprendido a se banhar como os "moleques e as rapazolas" nas águas deste rio!? Talvez a nossa desconexão com a natureza tivesse sido bem menor e hoje teríamos uma gratuita fonte de lazer e de entretenimento durante o verão.

Todavia, não penso que a limpeza do rio esteja tão distante. Basta que a comunidade compreenda a importância de recuperar este patrimônio que o Criador nos deu e passe a reivindicar um projeto de despoluição do Bengalas afim de que o rio volte a ter peixe e as crianças brinquem novamente em suas águas.

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