NO SUSPIRO TRÊS ALMAS GEMEM DE DOR: AMOR, SAUDADE E CIÚME

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A Fonte do Suspiro era a principal fonte da vila de Nova Friburgo desde a sua fundação em 1820, onde os habitantes abasteciam de água as suas residências. Com o passar do tempo, a fonte provocou a urbanização local surgindo a Praça do Suspiro e a igrejinha de Santo Antônio. O mais interessante é que as águas de suas fontes acabaram cercadas de lendas criadas pela população de Nova Friburgo. Na Fonte do Suspiro foram canalizadas três bicas: do Amor, da Saudade e do Ciúme. Jorrava água fresca e cristalina, cantando andeixas sentidas e amarguradas. Daí o hino de Nova Friburgo que lhe tece louvores: “...Do suspiro na fonte saudosa/ Há três almas que gemem de dor/Repetindo esta prece maviosa/Da saudade, do ciúme e do amor...”. A Fonte do Suspiro era considerada desde tempos antigos, até mais da metade do século 20 como uma das “maravilhas” de Friburgo, o recanto mais formoso da cidade, “onde cada friburguense tem uma parte de sua alma e um pedacinho do seu coração”. Não havia quem tendo amado não tenha procurado aquele recanto florido e bucólico, lugar onde a natureza concentrara sua magia, revestindo-se de galas e pomas. Dizia a lenda que quem beber da “Fonte Encantada do Suspiro” a ela se prenderá por toda a vida! Acreditava-se que o viajante que bebia um pouco de sua água pura, que jorrava cantante das três fontes, certamente voltaria a Friburgo, porque a saudade lhe encheria o coração. Era uma fonte impregnada de feitiço e lendas. Para os que viveram grandes paixões em seus jardins, o suspiro representava o tabernáculo de sonhos do passado. Era uma referência para os que já amaram e para os que ainda amavam. Não há álbum de fotos de mocinhas e touristes do século 19 que não tivesse como locação a Fonte do Suspiro.

Um vereador queixou-se certa feita dos namoros fogosos na Praça do Suspiro, onde se praticava ali “atos que devem ser vedados”. O jornal O Friburguense do final do século 19, nos legou uma deliciosa crônica que traduz um pouco do cotidiano dessa praça. Numa quinta-feira, quando as horas do labor diurno cediam o passo às de descanso, um voyeur, discreto no andar, de paletó-saco, pincenê e guarda-chuva à mão, observando um casal de namorados na Praça do Suspiro, assim escreveu: “...Ali, sentados em um dos bancos, ele, o Romeu de jaqueta de brim e sem escada de seda enlaçou aquela Julieta (…) e ei-los n’um doce colóquio, n’um devaneio amoroso que a brisa suave da tarde acalentava. Discreto caçador que por lá passava, quedou-se, protegido pelo largo tronco de uma árvore, a contemplar o arrulho dos dois pombinhos, que começavam a cantar os seus idílios antes que as sombras da noite caíssem sobre aquele sítio tão propício a tais situações. O quadro vivo era digno de ser visto, enquanto que a fonte cantava sonoramente ao lançar os seus jactos de cristal sobre a bacia de granito, eles, embalados pela cadencia de uma melodia que os seus instintos entoavam, falavam as coisas ternas, de cousas sensíveis e osculavam-se[beijavam-se] impudicamente. Depois ergueram-se, olharam-se naturalmente e tomaram ansiosos o caminho do bosque. O caçador, única testemunha desta cena erótica, farto de presidi-la qual cupido desvendado, seguiu sua trilha; o bosque, que não fala, que guarda tantos segredos, recolheu as últimas horas dessa canção de amor. E o Suspiro, o poético Suspiro, o passeio predileto dos touristes, o logradouro publico onde de preferência as famílias fazem os seus passeios, nem ao menos respeitado durante o dia.” (O Friburguense, “Quadro Vivo”, de 28-6-1896.)

Mas o Suspiro era também um lugar para os que vinham buscar na mansuetude bucólica de Nova Friburgo e na salubridade do bom clima, o reconforto para o espírito e o retempero para sua saúde, encontrando ali o encantamento doce e a estesia miraculosa que erguem o ser abatido. No imaginário da população, além do romantismo que ela evocava, era também notório que as águas de suas fontes restauravam a saúde, consolavam os tristes, alentavam os vivos, davam robustez aos fracos, restaurando-lhes o vigor. Faziam lenir as dores dos que sofriam e dizia-se que até mesmo “ressuscitava os quase-mortos”. No século 19, a Praça do Suspiro era o mais importante espaço de sociabilidade. O único passeio público das famílias friburguenses para ali “recrear-se” aos domingos. O Clube Atlético Bargossi solicitou em 1886 à Câmara Municipal permissão para colocar “postes da raia” na Praça do Suspiro para que o clube realizasse corridas de cavalo aos domingos e dias santificados. A batalha das flores, por ocasião do carnaval, era igualmente realizada nessa praça por onde desfilava o préstito de carruagens floridas. Por abrigar a igrejinha de Santo Antônio, as festas do orago eram realizadas em sua praça, para onde acorria toda a população.

Passando ao século 20, José Mastrângelo nos informa que as águas da Fonte do Suspiro eram ferruginosas, auxiliando a “soltar o intestino”. Quando a torcida adversária comparecia ao Campo do Fluminense(atual Friburguense), que era localizado onde hoje é o Teatro Municipal, a gaiata galera de Friburgo oferecia a “famigerada água” da Fonte do Suspiro aos torcedores, provocando-lhes diarréia e terríveis flatulências. Se utilizarmos a fonte iconográfica podemos observar que foi a praça que mais sofreu intervenções dos poderes públicos em Nova Friburgo, diferençando-se imensamente a sua paisagem ao longo dos anos. Nunca imaginaríamos que a pracinha do Suspiro entraria na história simbolizando a catástrofe da enchente e desmoronamentos dos morros ocorridos em Nova Friburgo na madrugada do dia 12 de janeiro de 2011. O futuro da Fonte do Suspiro ainda não sabemos. Considerando que o hino de Nova Friburgo se refere a essa fonte, as três almas que gemem de dor, Amor, Saudade e Ciúmes, fica o registro da história da Fonte do Suspiro para as futuras gerações.

1 Response to "NO SUSPIRO TRÊS ALMAS GEMEM DE DOR: AMOR, SAUDADE E CIÚME"

José Ouverney disse...

Graças a Deus a Fonte do Suspiro foi restaurada e reinaugurada no final de 2014 e continua, orgulhosa, recebendo os visitantes e principalmente as almas enamoradas. A tradição foi mantida.

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