O PÉ DE BICHO NO MUNDO DO FAZ DE CONTA:AS MEMÓRIAS DE LEÔNIDAS DA VILAGE DO SAMBA

Normalmente se reconhece um apaixonado por sua escola de samba quando se chega, sem marcar hora, para fazer uma entrevista, como foi o meu caso, e encontra o sujeito com a camisa do “Grêmio Recreativo da Vilage”, a verde e branca. Foi assim que encontrei, com a camisa de sua escola, recostado na janela, Luiz Leônidas do Nascimento. Nascido em 1932, morou a vida inteira na Vilage. No passado, recorda-se que próximo à sua casa ficava a chácara do Manoel Rodrigues onde havia plantação de uvas e fabricação de vinho branco. A molecada ajudava na colheita da uva, que dava direito a generosos copos do vinho do Patatinha, como era conhecido o português Manoel. Leônidas tornou-se uma liderança na Vilage, numa época em que havia rixa entre os bairros da cidade. Havia a turma do Centro, da Vila Amélia, do Paissandu e “o pessoal da General Osório era um perigo”, diz Leônidas. Segundo ele, “rolava o sopapo” quando um membro de um bairro entrava no “território” do outro. Mas a turma da Vilage era considerada a melhor de briga. Leônidas transgrediu duas vezes essa fronteira dos bairros: A primeira, quando se apaixonou por Tereza, que morava nas Braunes, casando-se com ela e levando-a para a Vilage. A segunda, foi quando ele juntamente com Estrangeiro, Eliude, Tião e Nelson resolveram participar da “Alunos do Samba”, escola pertencente ao centro da cidade (hoje a escola pertence a Conselheiro Paulino). Ensaiavam na Rua Monsenhor Miranda, freqüentada pelos “filhos do Sr. Doutor”, relata Leônidas. Chegando lá foram expulsos, pois eram considerados “pé de bicho”, ou seja, andavam descalços. Leônidas e seus amigos não tinham dinheiro para comprar sapatos: “Éramos pé de bicho porque dava bicho[de pé] mesmo, não tinha jeito, de vez em quando tinha que tirar um bichinho do pé...”, recorda-se Leônidas.


Inconformados com a expulsão, fundaram a própria escola e foi nesse momento que surgiu o “Grêmio Recreativo Vilage do Samba”, fundado em 23 de setembro de 1948. Para tanto, foram na fábrica de Carbureto(onde hoje é a Frivel) e roubaram latões de carbureto para fazer os surdos. Cortando os latões ao meio fizeram o tarol. O couro de cabrito e de novilho, ideal para os instrumentos, era doado pelo alemão Edmundo Weidlich, do Curtume de Duas Pedras. Confeccionaram os tamborins, os triângulos e somente o agogô foi comprado. O símbolo da águia foi Leônidas quem escolheu, pois gostou da imagem que um amigo trouxe dos Estados Unidos e a cor verde e branca, também partiu dele. Foram campeões no primeiro ano que a Vilage do Samba desfilou, em 1949. Perderam em 1950, mas ganharam em 1951, 1952 e 1953. E a Vilage do Samba desde então sempre se destacou no carnaval da cidade. Vocês marcaram território quando fundaram a Vilage, pergunto? “Não, na Vilage do Samba qualquer um poderia participar”, responde Leônidas. Não fizeram com os outros o que “Alunos do Samba” fez com ele e o seu grupo, excluindo-os. Além dos “Alunos do Samba” havia outras escolas como a “Saudade”, criada seis meses antes da Vilage, e a “Chacrinha”, ambas do Bairro Ypu. Havia ainda a “Unidos do Terreirão”, de Olaria. O Clube de Futebol Esperança era o único clube esportivo que tinha escola de samba, denominada “Unidos Verdejante”.


Com o passar dos anos a estrutura das escolas de samba não alterou muito, afirma Leônidas. Mas no passado, havia a ala das “Pastorinhas”, ala das moças bonitas, com vestidos longos. A escola tinha pouco mais de cem componentes. Nessa época não havia samba-enredo feito pelas escolas. “Não tinha esse negócio da escola fazer o seu samba”, relata Leônidas. Escolhia-se um samba conhecido e se desfilava cantando esse samba. O compositor da escola de samba surgiu apenas em 1955. Eram bons tempos para o carnaval da cidade. As fábricas disputavam quem auxiliava mais as escolas de samba assinando o “Livro de Ouro”. As fábricas “assinavam” mais que o comércio. O governo federal também auxiliava com dinheiro, através da prefeitura, para as escolas de samba. O folião não pagava pela fantasia. Comprava-se as fantasias com o que se arrecadava no “Livro de Ouro”.

Em novembro se começava os preparativos para o desfile das escolas. Hoje é feito com mais antecedência, em julho. Uma diferença do carnaval antigo eram os passistas, que sambavam mesmo. Tinham que dançar conforme o ritmo da música. Leônidas se ressente que hoje em dia o folião somente pula e não se preocupa em dançar com o ritmo do samba. Fazem coreografia apenas. Tereza, sua esposa, interfere e diz que havia preconceito no passado quanto às passistas: “escola de samba não era para filha de família, era para moça que não prestava”. A casa de Leônidas e Tereza transpira hospitalidade. Quando conversei com ambos parece que já os conhecia há muitos anos. Tereza disse orgulhosa que na véspera, quem tomou café em sua casa foi Rogério Faria, dono da STAM. Rogério, como seu pai Francisco Faria, é um mecenas da Vilage do Samba. A diretoria da escola fizera uma homenagem a Leônidas tocando em frente à sua casa. Leônidas sorriu quando pedi para ouvir o samba, pois a maneira com que se refere à sua escola é contagiante. Ouvi o samba e ele me presenteou com o CD autografado. Quando escrevi a matéria revi o enredo da Vilage do Samba que fala dos “Filhos Do Faz De Conta”. Lembrei-me da trajetória de Leônidas. O “pé de bicho”, como foi chamado, entrou no mundo do faz de conta, criou uma escola de samba com bateria de latões de carbureto e hoje, recostado em sua janela, pode tranquilamente dizer da escola que criou: “Hoje o sonho é real/ ganhei a vida, virei carnaval/ boneca sapeca a sambar/ na vila que me faz cantar.”

Crédito: Fotos extraídas do Blog "Vilage do Samba".

Em virtude da catástrofe natural ocorrida em Nova Friburgo
na madrugada do dia 12 de fevereiro de 2011, não houve carnaval no município em
respeito às vítimas do sinistro.

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