Hartwig e Annelise: Os anjos de Selma Gaiser
No passado, em decorrência do alto índice de mortalidade entre as crianças, as mães não estabeleciam relações de afetividade com seus filhos nos primeiros anos de vida, mas somente, quando encontravam-se em idade mais avançada e mais resistentes às doenças. A mortalidade infantil era muito natural já que a medicina não possuía os recursos de hoje. De acordo com Gilberto Freyre, na sociedade patriarcal brasileira, as crianças mortas tornavam-se anjos para suas mães. As mães regozijavam-se com a morte do anjo, como a que Luccock, viajante inglês no século XIX, observou no Rio de Janeiro: mães chorando de alegria porque o Senhor lhe tinha levado o quinto filho pequeno. Eram já cinco anjos a sua espera no céu! Du Petit-Thouars viu em Santa Catarina, em 1825, em volta do altar com um meninozinho morto, mulheres em trajes de festa, ajoelhadas sobre esteiras, cantando. Em Nova Friburgo, no início do século XX, havia no cemitério do da cidade a quadra dos anjos, espaço reservado às crianças. Mas por que falar em morte de crianças em um dia tão festivo, como é o do “dia das crianças”, agora em 12 de outubro?
No primeiro decênio do século XX, várias indústrias instalaram-se em Nova Friburgo. Hans Gaiser(28.02.1897-29.09.1952), engenheiro, alemão, imigra para o Brasil em razão da crise econômica na Alemanha, intensificada depois da Primeira Guerra Mundial(1914-18). Chegando ao Rio de Janeiro, devido à sua experiência na construção de hidrelétricas na Alemanha, foi contratado por uma empresa de pavimentação de estradas. Uma das obras em andamento era a estrada entre o Rio de Janeiro e a região serrana. Essa estrada o conduziu a Nova Friburgo. Gaiser possivelmente se familiarizara com Nova Friburgo, que recebera significativo afluxo de colonos e imigrantes alemães desde o século XIX. Encontrando muitos conterrâneos, optou por estabelecer-se em Nova Friburgo, abrindo uma empresa de construção civil. Casado com Selma Gaiser(05.07.1890-15.05.1967), alemã judia, Hans Gaiser foi um bem sucedido engenheiro em Nova Friburgo, realizando muitas obras nas indústrias recém-instaladas, construindo pontes e residências. Hans e Selma tinham domicílio em uma residência que existe até hoje, em estilo art deco, ao final da Rua Augusto Spinelli, ao lado do edifício que teve sua lateral destruída no sinistro de janeiro de 2011. Foi nessa residência que nasceu o primogênito dos Gaiser, Hartwig, em 31 de março de 1926. Posteriormente, quatro anos depois, nascia a flor da família, Annelise, em 25 de junho de 1930.
Hartwig, o 5° da esquerda para a direita, morreria antes de completar oito anos.
Falecida em 1967, Selma Gaiser deixa em testamento a sua residência e todas as terras do seu entorno para a Congregação das Irmãs Franciscanas de Dillingen. Essa Congregação, originária da Baviera, foi fundada em 1241, na Alemanha, e estabelecida no Brasil em 1937, realizando obras assistenciais com crianças órfãs. Hans Gaiser tinha uma sobrinha que fazia parte dessa congregação e já haviam doado uma residência de férias, na Vilage, para as irmãs, que freqüentavam amiúde a residência dos Gaiser. Selma transformou a dor da perda de seus filhos em felicidade para centenas de crianças órfãs e de lares desestruturados. O local passou a denominar-se de Lar de Crianças Hans e Selma Gaiser. Selma estipulou em seu testamento que as irmãs mantivessem o orfanato para meninas órfãs e carentes por 25 anos, com no máximo vinte meninas, em regime de internato. Mas as meninas internas sempre excederam a esse número. Selma autorizou ainda a venda de terrenos no entorno da propriedade quando houvesse necessidade financeira. Com o passar dos anos, a Congregação alienou vários deles, transformando-se em um belo bairro residencial. Igualmente uma extensa propriedade no Campo do Coelho foi doada por Selma, onde funciona até hoje a Humedica, entidade filantrópica protestante alemã, mantida por alemães, que desenvolve oficinas de artes, música, atividades recreativas e educacionais, com crianças carentes da região.
Maria Cristina de Souza, uma das primeiras meninas internas do Lar de Crianças.
O sofrimento da perda dos filhos, precocemente, levou Selma Gaiser a fazer um gesto altruísta. Beneficiou gerações de meninas que passaram pelo Lar de Crianças. Foi igualmente graças ao trabalho das Irmãs Franciscanas que meninas como Márcia, que provinham de lares desestruturados, tiveram uma boa educação e formação. Abusando da retórica, pode-se afirmar que Hartwig e Annelise, os dois anjos de Selma Gaiser, fizeram jus à representação que se fazia, no passado, de crianças mortas: foram anjos que protegeram as meninas e sua presença podia até ser percebida por elas, à noite, nos dormitórios do Lar de Crianças Hans e Selma Gaiser.
1 Response to "HARTWIG E ANNELISE: OS ANJOS DE SELMA GAISER"
Boa noite! A menina da primeira foto no brinquedo de escalar do parquinho. A menina de calça branca e blusa listrada, sim é uma menina, sou eu pequena. Gostaria de manter contato pois preciso de umas informações! Muito obrigada
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