CRIANÇAS POBRES. ANIMAIS SEM DONO



No primeiro plano: Crianças pobres

Havia em Friburgo, no final do século XIX, um enorme contingente de menores vagando pelas ruas da cidade, vivendo na ociosidade e na vadiice desenfreada. Vagueavam pelas ruas e praças “como fazem os animais sem dono”, dizia o jornal, em estado de miséria, apesar de a maioria possuir família. Não freqüentavam a escola e nem a igreja, sendo vistos ainda pelas estradas, nas “tavernas da roça”, proferindo obscenidades, já dando mostras dos maus costumes e inclinações perversas. Profissionais do “jogo do pau” sabiam engatilhar uma arma de fogo trazendo ainda à cintura a indispensável faquinha. As autoridades normalmente encaminhavam esses menores para as atividades agrícolas. “De pequenino é que se torce o pepino”, dizia-se à época.

Era uma cena freqüente no cotidiano da cidade a briga de gangues de menores. Quase sempre nas tardes de domingo, um numeroso grupo de meninos do lado sul da cidade concentrava-se na Praça 15 de Novembro, atual Getúlio Vargas, dirigindo-se em seguida para a Praça do Suspiro onde já eram aguardados pelo grupo rival, que residia no lado norte da cidade. Começavam então entre eles as escaramuças, desafiando-se entre si, rolando sopapos e bofetadas a junco. Quando o desafeto não chegava às vias de fato a vozearia era atroadora, apupando-se mutuamente e proferindo palavrões que amedrontava os transeuntes. Muitos desses meninos de gangues andavam armados com bengalas, varas de marmeleiro, canivetes, espingarda, revólver ou garrucha. Aos que se recusavam a pertencer a algum destes grupos e que casualmente eram por estes encontrados na rua, apanhavam com bofetões, varadas e empurrões.

Há o registro de um enorme grupo de menores armados de canivete provocando sarrilho na Rua Gal. Argolo, atual Alberto Braune. O delegado, que conseguiu “pilhar na rede” quinze destes menores, constatou que somente dois deles não tinham família. Todavia, não há registro de furtos praticados por estes menores, referindo-se o periódico somente à algazarra, às brigas entre si e às provocações que encetavam aos transeuntes. Há finalmente o registro de uma malta de meninos tributus, alguns já bem taludos e moradores de um mesmo local, que se reuniam todas as noites na Rua Gal Osório, batucando em latas de querosene e fazendo um barulho “de mil diabos”, num infernal “Zé Pereira”. A matinada vinha acompanhada de gritos e assobios e quando alguém reclamava do barulho, os meninos em algazarra soltavam pachouchadas que estremeciam as senhoras.
Circulavam ainda em grande número pela estação aguardando a chegada dos trens. Empurrando uns aos outros na disputa desenfreada pelo serviço, viviam aos sopapos nas estações pelo privilégio de levar as bagagens dos veranistas, constrangendo os passageiros recém-chegados e aos friburguenses pela falta de civilidade. Alguns mais audaciosos subiam nos carros ainda em movimento um pouco antes da estação para garantir o compromisso do passageiro, correndo o risco de serem esmagados ou mutilados. Muitas vezes, a violência entre eles era tão acirrada que os passageiros ficavam atordoados e amedrontados, permanecendo nos carros até que o sarrilho passasse. Tendo em vista estes incidentes, a direção da Companhia Leopoldina chegou a proibir a presença destes menores nas estações, em virtude do constrangimento que causava aos veranistas. O guarda da estação os dispersava fazendo uso da vara de marmelo. No entanto, lá estavam eles, no dia seguinte, disputando o seu espaço naquela sociedade que os alijava.

As crianças de hoje não vivem situação diferente. São objeto da ação de pedófilos, escravidão infantil e ainda povoam as ruas das grandes cidades em situação muito próxima a de séculos atrás. E então a pergunta que não se quer calar: até quando vão existir estes “animais sem dono” em nossa sociedade?

1 Response to "CRIANÇAS POBRES. ANIMAIS SEM DONO"

JAQUELINE disse...

Parabéns! Adorei o seu Blog.

A importãncia de conhecer o ontem está em tentar melhorar o hoje, pois muitas das ações do passado são perpetuadas. Devemos refletir e não repetir os erros.

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