SOLIDARIEDADE, VOLUNTARIADO E HISTÓRIA


Pode parecer um paradoxo, mas na tragédia ocorrida no dia 12 de janeiro desse ano, existe algo de bom: a solidariedade. Esse espírito predominou em pessoas físicas, jurídicas, privadas e públicas. No episódio do Complexo do Alemão se derrubou o mito de que o Estado não atingia determinadas zonas geográficas dominadas pelo tráfico de drogas. Esse mito foi destruído devido à conjunção de forças federal, estadual e municipal. A catástrofe ocorrida em Nova Friburgo, igualmente demonstra que quando o poder público federal, estadual e municipal trabalha uníssono, o resultado é extremamente positivo. Assistimos em nosso cotidiano, circulando pelas ruas e arrabaldes da cidade, um préstito de caminhões do Exército, da Cruz Vermelha, do Corpo de Bombeiros, viaturas de diversos batalhões da Polícia Militar, do Bope, caminhões da Comlurb do Rio de Janeiro, inúmeras retroescavadeiras, caminhões munck e helicópteros. Habituamo-nos a esse cenário de guerra de tal forma que, depois de três dias, as sirenes dos veículos já não chamavam tanto a atenção dos transeuntes. Muitas empresas privadas comprovaram que a “responsabilidade social” existe na prática. Citar nomes dessas empresas seria relacionar desde grandes construtoras a redes de supermercado. Um pequeno empresário de Franca(SP) veio anonimamente e instalou uma cozinha industrial na cidade, um auxílio providencial já que as escolas não estavam dando conta de alimentar desabrigados e o pessoal de apoio. Muitos friburguenses se dispuseram como voluntários e foi fundamental para a distribuição dos donativos e preparo de alimentos. As redes sociais foram importante mecanismo para a arrecadação de donativos aos desabrigados. Mas qual era o papel da solidariedade e do voluntariado no passado?


Charge: Silvério, de A VOZ DA SERRA.

O povo brasileiro até as três primeiras décadas do século 20, sempre viveu à sua própria sorte. Mas como ficava uma família que perdia o seu provedor? A assistência social dada pelo Estado, no modelo que conhecemos atualmente, passou a existir somente partir do governo Vargas, na década de 30 do século 20. Foi quando surgiu a previdência social(aposentadoria), a carteira de trabalho, o auxílio maternidade e outros benefícios. Antes disso, as funções atualmente inerentes ao Estado eram praticadas pelas sociedades de Socorros Mútuos, Corporações e Caixas Beneficentes para o auxílio dos trabalhadores. No campo da organização do trabalho havia no município o Centro Operário de Nova Friburgo, fundado em 1892, e a Sociedade União Beneficente Humanitária dos Operários, fundada em 1893 e que existe até hoje, destinadas ao socorro da classe operária. Eram basicamente formadas por funcionários da Companhia Leopoldina. De cunho mutualista, destinavam-se a prestar socorro aos operários enfermos, encarregar-se dos funerais dos sócios falecidos e auxiliar, através de pensões, as famílias que perdiam o seu provedor. O espírito associativo das sociedades de auxílio mútuo foi bastante expressivo em Nova Friburgo. Dos imigrantes, somente os portugueses e os italianos possuíam associações de mútuo socorro: a Associação Portuguesa de Beneficência e a Sociedade Operária de Mútuos Socorros 20 de Setembro, embora os italianos participassem também da formação da Sociedade Humanitária dos Operários. O sindicalismo brasileiro nasceu das associações de mútuo socorro. José de Souza Martins nos informa que as primeiras formas de organização dos trabalhadores urbanos no Brasil decorreram diretamente dos problemas sociais causados pela doença e pela morte na classe operária.


Outra forma de solidariedade muito comum em Nova Friburgo eram as “subscrições” abertas em favor dos órfãos e famílias carentes. Subscrições eram quantias em dinheiro arrecadadas de doações individuais e destinadas aos necessitados. Basta uma leitura dos jornais do século 19 de Nova Friburgo e se verá com freqüência subscrições abertas em favor de viúvas, doentes, órfãos, etc. Utilizava-se ainda as subscrições para reconstruir estradas e pontes devastadas pelas inundações das chuvas. Como o poder público tratava os seus doentes pobres, indigentes e flagelados? A Intendência(Câmara) Municipal auxiliava os enfermos com a distribuição gratuita de medicamentos e fornecia um médico para atendê-los. De resto, os indigentes dependiam do voluntariado. O sistema de caridade voluntária para auxílio dos pobres, enfermos e moribundos ficava a cargo das senhoras da elite, sendo-lhes reservada uma importante posição nas relações sociais: a filantropia. Organizou-se em Nova Friburgo a “Sociedade de Caridade”, uma instituição que prestava socorro direto as famílias pobres e necessitadas, fornecendo alimentação, medicamentos, serviços médicos e enterros. Essas mademoiselles organizavam quermesses exercendo o oficio de caixeiras vendendo balas, vinho, licor, cerveja, doces, café, flores, sorvete, cigarros, promoviam tômbola, uma espécie de loto, e concertos-soirée beneficentes. Outra forma de captação de recursos para essa entidade eram os espetáculos de teatro e circo. Não havia quem se apresentasse na cidade que não destinasse um dia de bilheteria do espetáculo às obras de caridade.





Logo, a solidariedade e o voluntariado tiveram um papel muito importante no passado, mas que foi se esmaecendo ao longo dos anos devido à evolução do papel do Estado na sociedade. Atualmente se manifesta em situações de catástrofes, como suporte às ações do Estado, de forma coadjuvante. Depois da tragédia do dia 12 de janeiro, a solidariedade e o voluntariado de empresas e de pessoas físicas escreveram uma bonita página na história de Nova Friburgo. Como é bom acreditar no SER HUMANO!
Para comentar essa matéria estou no facebook e twitter.

ENCHENTES E COTIDIANO DA CIDADE




Nada como ter amigos, principalmente amigos como Walther Seng das Neves. Descendente de duas famílias tradicionais de Nova Friburgo, os NEVES e os SALUSSE, que imigraram para Nova Friburgo desde a sua formação, no início do século 19, é sempre uma alegria quando ele abre o seu precioso baú.

Desta vez, ele nos presenteia com fotos do cotidiano das enchentes em Nova Friburgo. Algumas já havia publicado, mas outras são inéditas. Compartilho com vocês essas imagens, todas da primeira metade do século 20, no centro da cidade.







Sobre os NEVES e SALUSSE:

Livro: "O Cotidiano de Nova Friburgo no Final do Século XIX - Práticas e Representação Social".

Neste Bolg: "Coronel Galiano das Neves - Um atípico Coronel da República Velha"; "Colégio Freese - A Formação da Elite Política no Império" e "Impacto da Revolução de 30 em Nova Friburgo."



DUAS PEDRAS: A história de um bairro

A cor mais clara na montanha são os deslizamentos ocorridos no dia 12 de janeiro de 2011.













O deslizamento de pedras que destruiu parcialmente o Hospital São Lucas.








Um helicóptero sobrevoa a zona acidentada.


Um exemplo de residência de classe média alta ameaçada pelo desmoronamento.




Festa em homenagem a São Pedro e São Paulo, oragos do bairro. A sociabilidade de pequenas comunidades ocorre sempre em razão de festas religiosas.













Acima: A igreja de São Pedro e São Paulo depois do desmoronamento de 12 de janeiro de 2011.


O bairro de Duas Pedras foi o mais afetado do perímetro urbano de Nova Friburgo, na catástrofe do dia 12 de janeiro de 2011. Tem esse nome devido às duas montanhas que se avistam do bairro. A denominação de “duas pedras”, ao invés talvez de dois morros ou duas montanhas, é significativa. Conforme se depreende das fotos, elas possuem uma formação rochosa com pouca vegetação. Foi em decorrência disso que a localidade, onde se assentou Nova Friburgo, tinha o nome de “Morro “Queimado”, devido a cor tisnada, acinzentada, de suas montanhas, com pouca vegetação.

Ao final do século 19, a Chácara de Duas Pedras, por onde passava a linha do trem, fora indubitavelmente destinada a ser a cloaca de Nova Friburgo. Era lá onde se depositava o lixo da cidade e havia um projeto para se transferir o cemitério para aqueles arrabaldes. Foi também para lá que se deslocou o matadouro quando removido da Praça Primeiro de Março, no centro da então vila. O matadouro era visto como uma atividade econômica insalubre. Consequentemente ali abrigou um curtume, hoje já desativado. A Chácara de Duas Pedras, de fato, foi escolhida para abrigar tudo que fosse indesejado no município. Nesse local, também se edificou o lazareto, para o recolhimento e isolamento de pessoas com doenças infecto-contagiosas. O lazareto, assim como o Sanatório Naval, se localizavam na parte mais alta da cidade, como era natural, àquela época, a localização de hospitais.


Atualmente Duas Pedras transformou-se em uma zona industrial da cidade. No entanto, entre suas encostas, abriga residências da classe média alta da cidade, hoje comprometidas estruturalmente devido aos desmoronamentos dos morros. Já na parte mais urbana no bairro, residem pessoas de classe média baixa. Nesse núcleo está localizada a igreja de São Pedro e São Paulo, o orago do bairro, muito afetada pelos desmoronamentos ocorridos na tragédia do dia 12 de janeiro.



Fotos antigas: Crédito das fotos antigas Centro de Documentação D. João VI e de Osmar Castro.

S.O.S. NOVA FRIBURGO



O livro "O Cotidiano de Nova Friburgo no final do Século XIX", está sendo vendido na Livraria Leonardo da Vinci, na filial do centro do Rio de Janeiro, e mais adiante na loja virtual.


A renda será revertida para o Lar Abrigo Amor a Jesus, de Nova Friburgo, que sofreu com a enchente e desmoronamentos em suas instalações.


A própria livraria se encarregará se realizar o depósito.


Peço que divulguem entre os amigos.


Um grande abraço!


Janaína

12 DE JANEIRO: NOSSO 11 DE SETEMBRO





Vila de Nova Friburgo, por Debret.


As enchentes e o desmoronamento de morros, ocorridos na madrugada do dia 12 de janeiro desse ano, entram para a história de Nova Friburgo, e do Brasil, como uma das maiores tragédias provocadas por fenômenos naturais. É nosso “11 de Setembro”, numa analogia aos ataques terroristas ocorridos nos Estados Unidos da América. Nos jornais, além da divulgação de centenas de mortos e destruição material, a notícia de que os preços das hortaliças e legumes vão ficar mais caros nos próximos seis meses. Isso em decorrência dos desmoronamentos que acarretarem danos ao solo das regiões do Campo do Coelho, Conquista e Salinas, que abastece com produtos primários o Rio de Janeiro. Isso demonstra que a região serrana, além de ser procurada pelas suas belezas naturais e por seu clima, também tem importante papel na economia do Estado, e mais propriamente, na mesa dos cariocas e fluminenses. Mais da metade desses produtos consumidos pelos cariocas são produzidos por essa região, incluindo também Teresópolis. Essa região, que correspondia a antiga freguesia de Sebastiana, no século 19, já produziu peras, maçãs, nozes, cerejas, marmelo, amoras e uvas, dando-lhe uma paisagem que se assemelhava às planícies européias.

Giuseppe Arcimboldo.(1527[?]-1593 [?]). Pintor italiano.
Historicamente, Nova Friburgo foi criada justamente para abastecer o mercado da Corte, ou seja, o Rio de Janeiro. No início do século 19, o plantio do café deslocara muitas terras e mão de obra escrava no cultivo desse produto, o mais rentável à época. A economia do Brasil já se baseava na exportação do café, em franca expansão. Logo, produtos como milho, feijão, mandioca e carne já estavam desaparecendo da mesa dos cariocas. A maior parte dos agricultores não queria se dedicar ao cultivo de alimentos, mas tão somente ao ouro verde: o café. Logo, D. João VI deu início a política de colonização, objetivando o plantio de gêneros alimentícios para abastecer a Corte, através de imigrantes estrangeiros. Um decreto de 1818 destinou a Fazenda do Morro Queimado para o assentamento de colonos suíços. Essa antiga fazenda, composta de quatro sesmarias, hoje é Nova Friburgo. Em um pitoresco vale, entre grandiosas montanhas, foi criada a vila de Nova Friburgo, em 1820, para abrigar a “Colônia dos Suíços”, a primeira do Brasil. No entanto, as datas de terras no perímetro do “Núcleo dos Colonos” não eram úberes o suficiente para a agricultura, sendo localizadas em terrenos íngremes ou repletos de brejos. Boa parte das terras distribuídas aos colonos suíços foi abandonada. Em 1824, colonos alemães foram encaminhados para a vila de Nova Friburgo. As terras inférteis abandonadas pelos suíços foram distribuídas aos colonos alemães. Por conseguinte, metade deles se deslocou para outras regiões em busca de terras mais produtivas, como Cantagalo, Barra Alegre, Rio Bonito e São Leopoldo, no sul do país.
Cumpre destacar que somente as glebas coloniais do “Núcleo dos Colonos” eram consideradas inférteis, pois Nova Friburgo possuía uma extensão territorial com terras produtivas, que lhe retiravam a pecha de região com terras sáfaras. Nova Friburgo possuía quatro freguesias: A Freguesia de São João Batista, a vila, a Freguesia de São José do Ribeirão, atualmente Bom Jardim, Nossa Senhora de Paquequer, hoje Sumidouro, e Sebastiana, atualmente compreendendo o cinturão agrícola de Campo do Coelho, Conquista, Salinas e parte de Teresópolis. São José do Ribeirão e Paquequer eram importantes regiões agrícolas, cultivando inclusive o café. Na realidade, parte do desenvolvimento de Nova Friburgo ocorreu devido ao seu clima salubre. A partir de 1830, Nova Friburgo encontra a sua verdadeira vocação, vingando como uma aprazível estação de verão. Foi desde então refúgio dos cariocas que fugiam do calor do Rio de Janeiro e dos que procuravam a saúde do corpo, como a cura da tuberculose, quando se acreditava que o clima era um fator determinante na cura da doença. A partir da segunda metade do século 19, quando começam a grassar as epidemias de febre amarela no Rio de Janeiro, Nova Friburgo ganha mais visibilidade atraindo uma chusma de cariocas em todo o verão, ponto alto das epidemias.
Já no último quartel desse século, recebeu significativa imigração de italianos, fomentando o comércio e a área de serviços. Imigraram ainda para Nova Friburgo, desde então, em menor proporção, libaneses, espanhóis, húngaros, austríacos e japoneses. É sempre bom lembrar a imigração forçada de africanos, na condição de escravos, ao município. A partir de 1910, empresários alemães estabeleceram indústrias de grande porte na cidade, alterando significativamente a estrutura social e econômica do município. Pode-se afirmar que Nova Friburgo passou a ser uma cidade industrial. Com a diminuição da atividade dessas grandes indústrias, a partir da década de oitenta do século 20, a economia de Nova Friburgo passou a girar em torno de pequenas e médias empresas metalúrgicas e de um grande pólo de moda íntima, essas últimas estabelecidas por antigos funcionários das indústrias têxteis. Como vimos, Nova Friburgo tem uma história nada monolítica.

Há quase dois séculos, cariocas e fluminenses, quando tressuam esbaforidos devido ao calor escaldante do verão, procuram o frescor do clima das montanhas de Nova Friburgo. O município curou igualmente os que se convalesciam da tuberculose. Nova Friburgo coloca diariamente, na mesa dos cariocas, hortaliças e verduras do amanho de suas terras.

Depois da tragédia do dia 12 de janeiro, enterramos nossos mortos, choramos nossas perdas e mal absorvemos ainda o que aconteceu com Nova Friburgo. Porém, corre nas veias dos friburguenses o sangue de portugueses, africanos, suíços, alemães, italianos, libaneses, espanhóis, japoneses, austríacos e húngaros. Logo, vamos transformar essa babel de nacionalidades que correm em nossas veias para reconstruir a cidade e colocá-la no status que possuía no passado: a de mimosa bonina e princesinha do Estado do Rio de Janeiro.

Arcimboldo

Arcimboldo









CARCERAGEM E PATRIMÔNIO HISTÓRICO


O prédio acima atualmente é a delegacia e a carceragem de Nova Friburgo. Ironicamente, segundo relatos, uma parede do prédio ruiu em razão dos deslizamentos de terra dos morros. Refiro-me a tragédia ocorrida em Nova Friburgo a partir do dia 12 de janeiro desse ano. Todos os presos saíram traquilamente. Trata-se de um prédio histórico. No passado longínquo, o casarão era rodeado de um lindo pomar de peras “ferro”, como se pode ver na foto.


Entristece-nos constatar que onde está a atual casa de custódia, além de destruir um prédio histórico, não atende às condições físicas e de segurança que tal estabelecimento deveria ter. Vamos ver se as autoridades municipais depois desse incidente, desloca a delegacia para um local mais apropriado, liberando o prédio histórico para preservação da memória da cidade.




NOVA FRIBURGO: a História, a Enchente e a Redenção. NOSSO 11 DE SETEMBRO!!!!

Praça do Suspiro. 1930.

Praça do Suspiro. 1905.

Praça do Suspiro, 1930.

Praça do Suspiro. 1920.

Praça do Suspiro. 1990.

Praça do Suspiro. As fotos podem parecer ser de lugares distintos, mas foi a praça que mais sofreu intervenção do poder público, alterando-lhe a paisagem.



A História:
Dois alemães, Leithold e Rango, por ocasião da instalação da colônia dos suíços
em Nova Friburgo, no início do século 19, escreveram: “Só poderá ser um
desastre!”

Quando foi expedido o decreto de 6 de maio de 1818 destinando a Fazenda do Morro Queimado para o assentamento de colonos suíços, era seu proprietário Monsenhor Antonio José da Cunha e Almeida, titular de Mesa de Consciência e Ordens, do Desembargo do Paço e Chanceler das três Ordens Militares. Um tipo de altos coturnos. Monsenhor Almeida havia comprado a Fazenda do Morro Queimado de Lourenço Correa Dias pela modesta quantia de 500$000 e vendeu a propriedade ao governo por 11.932$000, isso sem haver nada que justificasse a valorização do imóvel. A transação foi intermediada pelo Inspetor da Colonização, o eclesiástico Monsenhor Miranda. Não obstante haver terras férteis e devolutas nas proximidades da Corte, o perdulário Monsenhor Miranda escolheu as terras inferiores da Fazenda do Morro Queimado do confrade da Mesa de Consciência e Ordens.


A Fazenda do Morro Queimado tinha esse nome devido a cor tisnada, acinzentada de suas montanhas. Essa antiga fazenda, composta de quatro sesmarias, hoje é Nova Friburgo. A vila de Nova Friburgo foi criada em 1820 para abrigar uma colônia de suíços, a primeira do Brasil. Era um pitoresco vale, entre cinco grandiosas montanhas. O núcleo urbano foi formado próximo ao Rio São João das Bengalas. As enchentes, desde então, sempre fizeram parte do cotidiano da cidade. Para compreender melhor, ler a matéria “As Enchentes do Velho São João Das Bengalas: Um Déjà Vu na história de Friburgo”, nesse blog.


No entanto, as terras do “Núcleo dos Colonos” não eram úberes o suficiente para a agricultura, sendo localizadas em lugares montanhosos ou repletas de brejos. As datas de terras distribuídas aos colonos suíços foram abandonadas por boa parte deles. Em 1824, colonos alemães foram encaminhados para a vila de Nova Friburgo. As terras sáfaras abandonadas pelos suíços foram as mesmas distribuídas aos colonos alemães. Por conseguinte, metade dos alemães se deslocaram para outras regiões, em busca de terras mais férteis, a exemplo de Cantagalo.


Ao final do século 19, Nova Friburgo recebeu significativa imigração de italianos, onde algumas famílias, a exemplo dos Spinelli, se transformaram na maior fortuna do município. Imigraram ainda para Nova Friburgo, portugueses, e em menor proporção, espanhóis, alemães, libaneses e japoneses. A Praça das Colônias, que possuía o panteão representando todas essas imigrações, inclusive a africana, foi destruída. Cumpre destacar que a partir de 1910, empresários alemães estabeleceram indústrias de grande porte na cidade, alterando significativamente a estrutura social e econômica do município. Pode-se afirmar que Nova Friburgo passou a ser uma cidade industrial. Com a diminuição da atividade dessas grandes indústrias, a partir da década de oitenta do século 20, a economia de Nova Friburgo passou a girar em torno de pequenas e médias empresas metalúrgicas e de um grande pólo de moda íntima, essas últimas estabelecidas por antigos funcionários das indústrias têxteis.

A Tragédia:
Com a tragédia da enchente e deslizamentos dos morros, que é notória, ocorrida na madrugada do dia 12 de janeiro de 2011, dois monumentos históricos se perderam nessa enchente: a Igreja de Santo Antônio e a Fonte do Suspiro. Era na praça em frente a igreja que se realizavam as festas de Santo Antônio, a mais tradicional da cidade. Superava a do orago da cidade, São João Batista. A igreja se localiza na Praça do Suspiro e remonta ao século 19.

A Praça do Suspiro foi completamente destruída pela enchente do rio São João das Bengalas e da queda de barreira. Era o mais importante espaço de sociabilidade de Nova Friburgo no século 19. A praça foi construída no entorno da Fonte do Suspiro, fonte essa que abastecia de água toda a vila, onde os escravos buscavam água para abastecer as residências.

A Fonte do Suspiro era considerada desde tempos antigos, até mais da metade do século 20, uma das “maravilhas” de Friburgo. Jorrava água fresca e cristalina, cantando andeixas sentidas e amarguradas. Não havia quem tendo amado, não tenha procurado aquele recanto florido e bucólico, lugar onde a natureza concentrara sua magia, revestindo-se de galas e pomas. Era o recanto mais formoso da cidade, “onde cada friburguense tem uma parte de sua alma e um pedacinho do seu coração”, de acordo com relatos.

A Fonte do Suspiro possuía três bicas: a do AMOR, da SAUDADE e do CIÚME. Asseguravam os antigos habitantes de Friburgo que a água dessas fontes era misteriosa e atraente, e quem a bebesse, ficava condenado a sofrer no coração os desastrados efeitos do amor, do ciúme e da saudade, formando esses três sentimentos um grosso e inquebrantável elo. Acreditava-se que o viajante que bebia um pouco de sua água pura, que jorrava cantante das três fontes, certamente voltaria a Friburgo, porque a saudade lhe encheria o coração. Era uma fonte impregnada de feitiços e lendas. Para os que viveram grandes paixões nos seus jardins, a Fonte do Suspiro representava o tabernáculo de sonhos do passado. Já para os que vinham buscar a mansuetude bucólica de Nova Friburgo, a salubridade do bom clima, a Fonte do Suspiro promovia um reconforto ao espírito e um retempero para sua saúde, encontrando ali ainda o encantamento doce e a estesia miraculosa que erguem o ser abatido. No imaginário da população, além do romantismo que ela evocava, era também notório que as águas de suas fontes restauravam a saúde, consolavam os tristes, alentavam os vivos, davam robustez aos fracos, restaurando-lhes o vigor. Fazia lenir as dores dos que sofriam e dizia-se até mesmo que “ressuscitava os quase-mortos”.

Abaixo, uma sequência de fotos da Fonte do Suspiro.


A Redenção:
Na realidade, parte do desenvolvimento de Nova Friburgo se deu devido ao seu clima salubre, com característica muito próxima a de países europeus. Pode-se afirmar que a partir de 1830, Nova Friburgo encontra a sua verdadeira vocação, vingando como uma aprazível estação de verão, já que a agricultura era economicamente pífia por conta das terras sáfaras. Foi desde então, refúgio dos cariocas que fugiam do calor do Rio de Janeiro e dos que procuravam a saúde do corpo, como a cura da tuberculose, quando se acreditava que o clima era um fator determinante na cura da doença. Por isso, o Sanatório Naval se estabeleceu no município. A partir da segunda metade do século 19, quando começam a grassar as epidemias de febre amarela no Rio de Janeiro, Nova Friburgo ganha mais visibilidade atraindo uma chusma de cariocas em todo o verão, ponto alto das epidemias.


Passada toda essa tragédia, nós, friburguenses, estamos aguardando os cariocas e fluminenses de Niterói, que sempre procuraram o refúgio de Nova Friburgo, desde os tempos de antanho, para fugir do forte calor do verão e igualmente das epidemias e doenças. Não possuímos o rico patrimônio histórico de Petrópolis, mas temos a oferecer A NATUREZA, já que preservamos setenta por cento da mata atlântica. O espaço urbano de Nova Friburgo se restringe a 30% de seu território.


Dizia a lenda que quem beber da Fonte do Suspiro a ela se prenderá por toda a vida! Mesmo sem poder beber mais a água da fonte encantada, destruída pelo deslizamento das encostas, garantimos aos cariocas e fluminenses que visitarem a bucólica Nova Friburgo que certamente retornarão, porque a saudade lhe encherá o coração!

AS ENCHENTES DO VELHO SÃO JOÃO DAS BENGALAS: UM DÉJÀ VU NA HISTÓRIA DE FRIBURGO

Acima: Enchente na Rua Francisco Miele em 02 de janeiro de 1938.


Acima: Praça Getúlio Vargas. Enchente de 1940.




Acima: Praça do Suspiro. Enchente de 1940.

Acima: Rua Sete de Setembro. Enchente de 1920.




Acima: Praça Getúlio Vargas. Enchente de 1920.



Acima: Avenida Galdino do Vale. Enchente de 1920.



Acima: Rua General Osório. Enchente de 1940.




Acima: Não há referência da foto. Provavelmente a enchente de 1940.


Acima: Avenida Galdino do Vale. 1940.




Acima: Avenida Galdino do Vale. 1940.


Acima: Rua Oliveira Botelho. Enchente de 1940.

A Fazenda do Morro Queimado, onde Nova Friburgo se estabeleceu, pertencia a Cantagalo. Era um belo vale situado entre cinco elevadas montanhas e apelidaram-na de morro queimado por causa da cor tisnada, acinzentada das montanhas. Destaca-se na paisagem o Rio São João das Bengalas, formado pela confluência dos rios Cônego e Santo Antonio que lança-se no Rio Grande e deságua no Paraíba do Sul. Nova Friburgo sempre padeceu com as enchentes do velho Rio Bengalas, desde a instalação da vila em 1820, até os dias de hoje. Mas as civilizações sempre se formaram ao redor dos rios, devido atividade agrícola. A Mesopotâmia, na Antiguidade, formou-se entre os Rios Tigre e Eufrates. A própria etimologia da palavra mesopotâmia significa “entre rios”. O Egito depende das enchentes do Rio Nilo para a sua economia.


Quando instalou a vila de Nova Friburgo não se considerou que a sua proximidade com o rio acarretaria problemas de alagamento nas residências e logradouros com prejuízo material e à salubridade pública? A escolha do local do assentamento da vila, as “vilagens do norte e do sul”, pode ter sido em função da existência do chateau(hoje Colégio Anchieta), sede da administração da Fazenda do Morro Queimado. Mas note que a sede da fazenda ficava no alto do morro, provavelmente em função das enchentes do velho Bengalas.


O “tempo das grandes enchentes”, diziam os friburguenses oitocentistas, era como hoje, iniciando na primavera. Há registro de que choveu em Nova Friburgo ininterruptamente durante três meses consecutivos nessa época. Nova Friburgo possui extensa mata atlântica e daí o grande nível pluvial. Sempre foi uma constante na estação das chuvas as enchentes do Bengalas inundarem suas imediações, entrando nas casas, destruindo pontes e os precários caminhos. Dificultava o trabalho dos tropeiros causando-lhes perda de cargas e até de animais. Além das perdas materiais o maior problema das enchentes era o comprometimento da salubridade. Com as chuvas intensas formavam-se pântanos e acreditava-se que as febres eram atribuídas aos focos de miasmas produzidos pelos pântanos. Os miasmas eram a obsessão dos médicos higienistas oitocentistas. Acreditava-se que dos pântanos e manguezais emanavam seres não visíveis a olho nu, os miasmas venenosos, que aspirados pela boca ou nariz, causavam as febres palustres. Segundo a ciência médica da época, as “febres dos pântanos” ou “febres palúdicas” eram provocadas pelos miasmas deletérios que se desprendiam das águas estagnadas. Logo, o assoreamento de águas estagnadas era uma preocupação constante da Câmara Municipal que se ocupava em aterrar os pântanos. Em conseqüência das chuvas, as ruas da vila foram niveladas e aterradas para evitar a formação de pântanos, brejos e alagadiços. Como disse, a estagnação das águas poderia resultar no aparecimento de epidemias. Foram as enchentes que provocaram a mudança do cemitério da vila para a parte mais alta da cidade. O cemitério era exatamente onde hoje se encontra o prédio da maçonaria, na Rua Sete de Setembro, e foi deslocado para onde se localiza atualmente. No antigo cemitério, depois que as águas baixavam, os corpos ficavam insepultos devido à força das águas e provocavam constrangimento entre a população. E o pior, poderia provocar doenças.


Ao final do século 19, de caniço à mão, comerciantes, caixeiros, aprendizes e oficiais iam aos domingos ao Rio Bengalas pescar pião e piabanha. Os jornais de Friburgo do final do século 19 reclamavam dos moleques e rapazolas que se despiam de seus molambos, de seus trapos de estopa e iam tomar banho completamente nus, em plena luz do dia. O moleque brasileiro tornou-se célebre pelo seu gosto de banho de rio. Influência moura, através do português. Gilberto Freyre nos informa em “Sobrados e Mucambos” que viajantes sempre estranharam homens e mulheres, velhos e meninos regalando-se de banho de rio à vista de toda a cidade. O budum, a catinga, a inhaça e o “cheiro de bode” atribuído aos negros, exagero do “cheiro de raça” tão forte nos sovacos, em torno do qual cresceu o folclore, não foi pela falta de banho, mas pelo rigor do trabalho, nos informa Freyre. Isso porque do banho, o negro, o mulato, o mameluco e o caboclo nunca se mostraram inimigos como os brancos europeus. Era na beira do rio, espaço de sociabilidade feminina, que as lavadeiras lavavam e quaravam as roupas, ganhavam seu pão, trocavam confidências, saberes de curas e remédios, e queixavam-se das pancadas que tomavam dos companheiros. Não obstante a nossa imensa extensão de costa marítima, foi em torno dos rios que a civilização brasileira se desenvolveu.


Aproximadamente entre 1910-1990, período em que as indústrias têxteis e metalúrgicas se instalaram e alcançaram seu apogeu em Nova Friburgo, víamos o velho Bengalas matizado por diversas cores. Quem não se recorda que um dia o Bengalas estava verde, outro vermelho ou furta-cor em razão dos despejos sem tratamento dos produtos químicos das indústrias? Ainda não tínhamos a consciência ecológica de hoje. Mas quem ousaria protestar contra os “capitães” das indústrias alemãs que tantos empregos diretos e indiretos geravam na cidade? Atualmente o Bengalas corta a cidade ressequido, esquecido, poluído, servindo de depósito de lixo de indivíduos irracionais. Mas na época das chuvas, o velho São João das Bengalas ressurge e as enchentes são um déjà Vu, ou seja, algo já visto e já vivenciado em nossa história.

Na semana seguinte em que postei essa matéria, na madrugada do dia 12 de janeiro de 2011, o velho São João das Bengalas inundou a cidade de Nova Friburgo, provocando uma das maiores enchentes e tragédias da história da cidade. Muito mais grave do que a enchente de 1979. Não bastasse isso, muita terra e pedras desceram dos morros, soterrando prédios, no centro e na periferia da cidade. Mais de cem pessoas faleceram. Até mesmo quatro bombeiros da equipe de resgate morreram. A cidade ficou sem luz, sem água e sem comunicação. Principiou-se alguns saques, típico de uma sociedade que retorna ao seu estado de natureza. Sem lei, sem ordem e sem rei.
Note na sequência de charges do cartunista SILVÉRIO, de A Voz da Serra, publicadas antes da tragédia do dia 12 de janeiro, que ele já vinha ilustrando o cotidiano de enchentes no município.


Depois de enterrarmos os nossos mortos, passaremos a contabilizar as perdas materiais. A igreja de Santo Antônio e a Fonte do Suspiro, um dos raros monumentos históricos que nos resta do século 19, foram destruídos pela terra que desceu da encosta. A igreja de Santo Antônio mal é sustida em pé. Até quando essas tragédias serão um dè já vu em nossa história?










Todas as fotos acima são de enchentes em Nova Friburgo, no século XX. Fonte: Centro de Documentação D. João VI.




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