VENDEM-SE BICHAS


Em ambas as fotos acima, aplicação de sanguessugas, prática até hoje cultivada por determinados médicos.


“As bichas grandes do Dr. E. Bouchard, único depósito das verdadeiras bichas Hamburguesas” é um anúncio que pode ser encontrado no jornal O Nova Friburgo de 12 de junho de 1904. Para o leitor que queira se divertir passando uma vista d´olhos nos anúncios dos jornais do início do século XX, disponíveis no site D. João VI, talvez esse anúncio cause estranheza. Mas afinal o que eram bichas naquela época? Bichas ou sanguessugas é um verme anelídeo e hematófago provido de duas ventosas, muito utilizada como terapêutica médica do Brasil oitocentista, quando a medicina ainda dava os seus primeiros passos. As bichas ou sanguessugas eram conservadas em um grande vaso de vidro, com água, e não eram alimentadas senão de vez em quando, com açúcar ou leite, a fim de que permanecessem sempre esfomeadas, prontas para sugarem o sangue quando fossem aplicadas sobre a pele do paciente previamente besuntada com açúcar. As sanguessugas eram aplicadas para extrair o “excesso” de sangue ou o sangue “envenenado”, indicada para a cura de diversas doenças, assim como a sangria. Eram importadas da Europa, procedendo de Portugal, França, Itália e Hamburgo. No Brasil não havia criação em grande escala do verme.


A maior parte dos aplicadores de sanguessuga eram os barbeiros, categoria médica que acabou sendo exercida por escravos. Os barbeiros eram geralmente indivíduos da baixa condição social, mulato ou negro, escravo ou livre. Debret(1818) retratou a atividade de escravos barbeiros, no Rio de Janeiro, que normalmente trabalhavam “ao ganho” em pequenas lojas no centro da cidade. Na gravura uma tabuleta continha o seguinte letreiro: “Barbeiro, cabeleireiro, sangrador, dentista e deitam bichas”. O barbeiro sangrava, aplicava ventosas e “bichas”, extraía dentes, cortava o cabelo, fazia barba, prescrevia ungüentos e pomadas e vendia em sua loja drogas como água de colônia e pós de dentes. Um escravo barbeiro que trabalhava “ao ganho” para o seu senhor tinha grande valor no mercado de escravos. Os barbeiros vendiam ou alugavam sanguessugas, variando o preço conforme o tamanho, tendo maior valor as maiores, as bichas-monstros e as mais novas, chegadas recentemente ao país. Trocavam-se as “que não pegavam”, o que acontecia com freqüência.

Cirugiões-barbeiros aplicando ventosas, outra prática da medicina da época ainda hoje
utilizada por alguns médicos.
Em 1862, a Câmara Municipal de Nova Friburgo mandou pagar uma quantia a um prestador de serviços, proveniente de bichas que aplicou em um preso pobre da cadeia da Vila. Bichas eram igualmente fornecidas aos indigentes em 1888, conforme registro daquela mesma instituição. Ainda no século XIX, em Friburgo, nas festas juninas, os meninos marotos corriam pela multidão jogando bichas nas pernas das meninas. Atualmente está em moda como padrão de beleza o tipo anorexo, onde as adolescentes buscam um tipo físico bem magro, chegando algumas a excessos que terminam por provocar-lhes até a morte. As mocinhos do século XIX chegaram em determinado momento a ter um comportamento similar. Gilberto Freyre nos informa que se tornara tão bonito ter aparência de doente que as meninas elegantes da primeira metade do século XIX, viviam pondo bichas e sustendo-se de caldo de pintainho e papinhas de sagu.


Já na segunda metade do século XX, vemos a palavra bicha, sendo empregada em outro sentido, como sinônimo de lombrigas. O Dr. Miranda Forte, que dava conselhos médicos na coluna “Conselhos as mães”, no jornal O Nova Friburgo, de 02 de novembro de 1957, assim escreveu: “Vários sintomas, com efeito, são lançados à conta das lombrigas(...)o mais notável entre eles é a convulsão(...)todos dizem que são as bichas...”. A palavra bicha, todos sabemos, atualmente tem o sentido depreciativo de homossexual. Mas o que é interessante é como uma palavra passa por transmutações ao longo dos séculos e acaba provocando risos e estranheza quando nos deparamos com escritos antigos. No entanto, pode-se dizer que é essa diferença que faz da História, algumas vezes, algo muito divertido.

FAMÍLIA SERTÃ:A DISCRIÇÃO AO DISTRIBUIR MERCÊ





Elisa Sertã

Diz-se que Getúlio Vargas experimentou certa feita, em Petrópolis, algumas frutas e ficou maravilhado. Os pêssegos eram doces e suculentos, de sabor inigualável. O presidente quis saber a sua origem. Eram de Nova Friburgo, produzido por Raul Sertã que cultivava no Sítio Santa Elisa, de sua propriedade, além de pêssego, uva, figo e castanha portuguesa. Desde então, o presidente encomendava sempre os frutos de Friburgo. Mas quem eram os Sertã em Nova Friburgo? A história dessa família se inicia em Nova Friburgo no Século XIX. Antonio Lopes Sertã(1851-1894) português originário da vila Sertã, era mascate, e vinha periodicamente a então Vila de Nova Friburgo carregado de mercadorias em lombo de burro, antes da vinda do trem em 1873. Comercializava seus produtos no Empório do rico português Joaquim Tomé Ferreira, que ocupava quase toda a Rua Gal. Argolo(Alberto Braune). Foi quando se apaixonou pela filha de Ferreira, Elisa(1858-1933), que logo correspondeu ao seu amor e vieram a casar-se constituindo uma família que se tornaria uma das mais tradicionais da cidade. Tiveram seis filhos: Licínio, Mário, Raul, Alfredo, Aníbal, Antonio e Hilda, sendo que os dois últimos morreram precocemente aos 21 e 22 anos, respectivamente. Elisa ficou viúva aos 46 anos, e continuou administrando as atividades da família. Vendeu o Empório, construiu várias casas para transformar em renda os aluguéis, prática tipicamente portuguesa, e segundo a família quadruplicou o patrimônio dos Sertã. Foi fundadora juntamente com Acácio Borges, Castro Nunes, Samuel de Paulo Castro e Henrique Éboli, da Caixa Rural, o primeiro banco de Nova Friburgo. No governo de Gustavo Lira da Silva, prefeito da cidade, emprestou dinheiro para as obras públicas cuja dívida era amortizada no imposto predial.

O solar dos Sertã, localizado na Alberto Braune e construído em 1900, foi edificado com pedras de cantaria mandados vir de Portugal por Antonio Lopes Sertã. Foi construído sobre um terreno que ocupava toda a extensão do lado direito da atual Duque de Caxias, até o Rio Bengalas. Atualmente no local do antigo solar encontra-se o supermercado ABC. Herança do período colonial, os altares eram comuns nas casas-grandes de fazenda porque era lá que se realizavam as missas. Posteriormente, a Igreja proibiu a realização de missas em casas particulares, mas a tradição dos altares nas residências foi mantida. Havia no solar dos Sertã três altares: um no salão principal, trono do Sagrado Coração, e dois no “quarto dos Santos”. Aí se faziam orações diárias pelos antepassados e amigos da família falecidos. Era um tempo em que os mortos eram lembrados e cultuados. Rezavam todas as noites em frente ao oratório. Quando se solicitava aos santos um pedido mais importante, como a cura de uma doença, ajoelhavam sobre o milho, de braços abertos, em sinal penitência. Mas o solar dos Sertã passava do religioso ao profano. Bailes de carnaval, “arrastas” e recepções enchiam de alegria o casarão da Alberto Braune. Anselmo Duarte, o galã do estúdio de cinema Atlântida, quando vinha a Friburgo freqüentava as festas do casarão da família Sertã.

Raul Sertã: Na ponta, a direita.

Os filhos de Antônio e Elisa Sertã que ficaram em Friburgo logo se destacaram. Mário Sertã, médico, inaugurou a primeira Casa de Saúde particular em Friburgo, localizada onde hoje é o Hotel Montanhês. Raul Sertã, além de seus premiadíssimos frutos em exposições agrícolas, trouxe a primeira Companhia Telefônica para a cidade sendo o maior acionista. Mas o que caracterizou a família Sertã foi a caridade e a discrição. O casarão da Madre Roseli de propriedade de Josephina Marques Braga Sertã, casada com Mário Sertã, foi doado para abrigar meninas órfãs e Raul Sertã se ocupou em financiar as obras para adaptar o lindo sobrado residencial para sua nova função. O Nova Friburgo Futebol Clube deve aos Sertã o seu estádio. Fizeram a doação do terreno visando promover o esporte que nascia na cidade no início do século XX: o futebol. Desde o Império passando pela República, o governo limitava a assistência de saúde aos pobres somente com a doação de remédios. Não construíram hospitais públicos até metade do século XX. As Santas Casas de Misericórdia foram criadas para suprir essa deficiência do Estado e acolher os doentes pobres em suas instituições de caridade. Raul Sertã foi quem doou o terreno para a construção da Santa Casa de Misericórdia em Nova Friburgo, cuja manutenção e administração era feita por homens abastados da cidade e a população em geral. A Santa Casa de Misericórdia foi desapropriada no governo de Paulo Azevedo, transformada em hospital municipal e constitui o atual Hospital Raul Sertã. O terreno onde hoje é instalada o Fábrica Ypu foi doado por Elisa a Maximiliam Falk para a construção da fábrica. O pai de Elisa deixou-lhe como herança uma extensa propriedade que ia do atual Bairro Ypu até Theodoro de Oliveira. Elisa soube dividir com a cidade e doou parte do terreno para a instalação da referida fábrica no intuito de promover o progresso em Friburgo. Os Sertã auxiliaram ainda nas obras sociais da Instituição Santa Dorotéia, entre outras.
Elisa Sertã faleceu em 1933, aos 76 anos de idade. Quando da passagem de seu cortejo fúnebre pela rua principal até o jazigo da família, as casas comerciais e residências cerraram as portas e janelas, em sinal de respeito a grande benemérita que auxiliara no progresso e fizera caridade em Nova Friburgo. Dr. Feliciano Costa, quando prefeito, teceu-lhe preito dando-lhe um nome de rua. O que chama a atenção é como as famílias supriam, pelo menos até a primeira metade do século XX, funções e deficiências do Estado, no caso em epígrafe, o município de Nova Friburgo.

O primeiro time de futebol em Friburgo, onde os sertã participavam

O auxílio assistencial a indigentes e órfãos, o fomento da atividade industrial, o financiamento de obras públicas, a promoção de atividades de lazer foram espaços que tiveram que ser preenchidas por particulares. Os Sertã tiveram a generosidade de dividir seu vasto patrimônio com os desvalidos e com o desenvolvimento da cidade. E o que é mais edificante, foi a sua discrição ao distribuir mercê.

Entrevista realizada com Maria do Carmo Sertã Passos, Margarida Sertã Meressi e Lúcia Sertã em julho de 2010.

É NATAL...EM NOVA FRIBURGO...NO FINAL DO SÉCULO XIX


Como era o Natal em Nova Friburgo no final do século XIX? Foi graças ao saudosismo de Henrique Zamith, que viveu a sua infância e juventude na Friburgo fin-de-siècle, que hoje podemos conhecer o cotidiano, no Natal, de uma típica família friburguense oitocentista daquela época. Sua crônica evoca um passado onde havia ainda os resquícios da escravidão, há pouco extinta, onde a cozinha era comandada pelas outrora negras cativas.

Em Friburgo, hoje temos os bailes, a exemplo do rock’ noel, onde muitos adolescentes terminam a noite depois da ceia com a família. Na Friburgo do século XIX, alguns músicos percorriam as ruas tocando instrumentos, pois boa parte da população ia para a praça flanar na noite de Natal. Segue um trecho de uma deliciosa crônica que nos remete à ceia de Natal, ao movimento da casa, do sarrabulho, sangue coagulado do porco para fazer o chouriço, onde as crianças tagarelavam talvez excitadas pelo cheiro do sangue dos animais abatidos, que nos remete a hecatombe dos rituais gregos. Hoje, felizmente, os adquirimos congelados, o que nos poupa desta cena lamentável em relação aos animais. Mas não devemos julgar os costumes de nossos antepassados, pois os tempos eram outros. Penetremos então nesta deliciosa narrativa, que abre uma janela para o passado.


“A chegada do Natal, momento íntimo e familiar era dia de grande sarrabulhada. As casas ficavam todas em polvorosa: da sala de visitas à cozinha, o quintal, a dispensa, a copa, era uma azáfama de endoidecer. As crias da casa, velhas negras remanescentes da extinta escravidão resmungavam, arrumavam, iam e vinham, taramelavam, lavavam, vasculhavam, areavam e poliam. Na despensa, era um requebrar de ovos, bater de bolos, o lambuzar de forminhas, o fazer de doces, pudins, biscoitos e broas. Na cozinha, o preparo de perus, leitoas, frangos recheados e tortas, mal dava tempo de descanso às velhas cozinheiras. As próprias costureiras não tinham mão a medir: damas, senhoritas e meninas todas tinham seus vestidos encomendados.
Enfim, chegava a véspera do Natal! Era um dia de prazer, de vivas emoções, de júbilo e de alegria! Os jantares desse dia eram notáveis! Vinham as cantigas e depois o sarau respeitoso até às dez horas com as valsas lentas. Na ceia, castanhas, rabanadas, leitoas, frangos, perus, doces, amêndoas e vinho verde. A tradicional missa do Galo, onde de tudo se cogitava menos ouvir a missa e depois os boas-noites, boas-festas e muitas felicidades. A seguir, todos se recolhiam contentes e felizes, e a meninada a sonhar com o papai Noel a lhe encher de brinquedos as botinas e os sapatos.....”
Fonte: Baseado na Crônica de Henrique Zamith que nasceu no final do século XIX.

PRAÇAS PÚBLICAS: HIGIENE E SOCIABILIDADE

Acima: Praça Getúlio Vargas

Na semana passada fui convidada pela Associação de Engenheiros e Arquitetos para participar do programa “Hora Técnica”, exibido na tv Zoom. O assunto foi sobre as praças, contando com a presença do arquiteto Luiz Cláudio, responsável pelo projeto urbanístico das praças da cidade. A mencionada associação conta atualmente com um presidente, José Augusto Spinelli, que para nossa sorte gosta de história e por isso o assunto “praça” foi abordado numa linha de tempo passado e presente. Nossos antepassados nos legaram muitas praças: A Praça Getúlio Vargas, Praça Paissandu, Praça do Suspiro, Praça da Alegria(atual pátio da Prefeitura) que ficava na entrada da vila, e por último a Praça Cantagalo (depois Primeiro de Março), localizada na vilagem. De todas as praças a única extinta foi a Praça da Alegria, desapropriada a pedido de Bernardo Clemente Pinto para se transformar em estação de trem. Mas por que Nova Friburgo possuía tantas praças em um exíguo perímetro urbano?



No século XIX, grassam em todo país epidemias de febre amarela, cólera e varíola. Atribuía-se essas doenças aos miasmas, emanações pútridas que se desprendiam de animais e vegetais em decomposição, corrompendo o ar atmosférico e desencadeando diversas doenças. Os médicos higienistas acreditavam que as doenças vinham do ar, pois a descoberta dos micróbios só aconteceria em 1862, mas levaria algum tempo para ser difundida e aceita. Preconizava-se o plantio de árvores e boulevards nas vilas e cidades para higienizar o ar “corrompido” pelos miasmas. Logo, as praças públicas, os passeios como eram denominados, tinham muito mais uma função de atender a uma política pública higienista do que se tornar um espaço de sociabilidade. Basta uma leitura do Código de Posturas de 1848 de Nova Friburgo, para perceber que a Câmara estava muito mais preocupada com a salubridade da vila do que propriamente com o lazer de seus habitantes.

Acima: Praça do Suspiro


A rigor, a primeira praça foi a Praça Paissandu, anteriormente denominada de Praça do Pelourinho, pois sempre que uma vila era instalada se estabelecia “pelouros de justiça”, um ato simbólico da demonstração da autoridade real. Já a Praça Getúlio Vargas, outrora Princesa Izabel, homenagem que o município lhe fez em virtude de uma visita da princesa a vila, somente a partir de intervenção do arquiteto e paisagista Glaziou começou a ser de fato freqüentada. No entanto, durante todo o século XIX, o comportamento rural fazia com que a população, transgredindo as posturas, fizesse dessa praça pasto de animais. De todas as praças a mais freqüentada no século XIX foi a Praça do Suspiro. Deve-se ao fato da existência da fonte do suspiro, que além do romantismo que dela se evocava, “amor, saudade e ciúme”, acreditava-se no poder curativo de suas águas, fazendo lenir as dores dos que sofriam e “ressuscitava os quase-mortos”. Dizia a lenda que quem bebesse da Fonte Encantada do Suspiro a ela se prenderá por toda a vida! O viajante que bebia de sua água, certamente voltaria a Friburgo, porque a saudade lhe encheria o coração. O dia 2 de dezembro de 1865, data do aniversário natalício de D. Pedro II, foi escolhido para a inauguração da Praça do Suspiro, completando ela 145 anos em dezembro próximo. Quando da abolição da escravidão recebeu o nome de Praça 13 de Maio, mas não se sabe por que em algum momento da história essa praça perdeu esse nome.


A teoria microbiana derrubou a teoria dos miasmas, ou seja, descobriu-se que as doenças provinham dos micróbios e não do ar, e as praças públicas no século XX prestam-se tão somente a espaços de sociabilidade. Atualmente, devido ao efeito estufa, nos parece que as praças voltam a sua função originária de higienizar a cidade, minimizando o impacto de poluição do ar e melhorando a qualidade de vida dos que vivem nas cidades. Mas há muito que fazer. Além de preservar as praças que nossos antepassados nos legaram no centro da cidade, não devemos nos esquecer das praças dos bairros periféricos como Olaria, Cônego e Conselheiro Paulino e criar novas, como no bairro de Mury. Finalmente, Gilberto Freyre nos informa que os homens brasileiros, à maneira dos gregos, gostavam das camaradagens fáceis e ligeiras da rua e da praça pública. Era na rua e na praça pública que discutiam política e realizavam negócios ou transações. Em Nova Friburgo, depois do trem, as praças estão sempre na memória das pessoas, o que demonstra a sua importância como espaço de sociabilidade.
Abaixo: Praça Paissandú

Acervo: Fundação D. João VI

INDUSTRIALIZAÇÃO E TENSÕES SOCIAIS


Nova Friburgo foi em sua história, um município matizado por diversas cores com imigrantes suíços, alemães, italianos, portugueses, espanhóis e libaneses. No entanto, a partir de 1910, ganhou tons mais fortes da cultura alemã que conduziu Nova Friburgo para uma nova etapa de sua história: a industrialização. Pode-se afirmar que a implantação das indústrias com capital exclusivamente alemão, acarretou a hegemonia dos germanos sobre uma população de perfil ainda indefinido, pois era um município que possuía a tradição de receber colonos e imigrantes, além de uma significativa população flutuante, constituída de veranistas e doentes de tuberculose. Os industriais alemães para garantir o bom funcionamento de suas fábricas, imprimiram a “disciplina” entre a população, visto que a necessidade era a de formar operários industriosos. Julius Arp, Maximiliam Falck e Otto Siems, proprietários das três maiores indústrias como a Rendas Arp, Ypú e Filó, respectivamente, introduziram a cultura da “ordem e disciplina” entre os friburguenses, no estilo ordem e progresso, um precedente no qual esses empresários não abririam mão, já que investiram suas fortunas em Nova Friburgo. Para tanto, criaram o Colégio Rendas Arp, utilizando a mesma pedagogia dos jesuítas no Brasil Colonial, ou seja, formulando a educação dos pais operários por intermédio dos filhos, implementando a disciplina no seu cotidiano. Logo, houve de fato um projeto de cunho ideológico para Nova Friburgo por parte dos industriais alemães.


Acima: populares acompanham as obras da Fábrica Ypú


Richard Ihns foi o mais importante executivo da Fábrica de Rendas Arp, administrando-a no período 1947 a 1997. Enfrentou aquela velha tensão entre capital e trabalho nos anos que antecederam o golpe militar de 1964, onde ocorreram alguns distúrbios na cidade, culminando inclusive com a morte de um operário na Praça Paissandú. Nessa ocasião, os industriais contavam apenas com o Sanatório Naval que enviava fuzileiros navais para manter a ordem pública na cidade. Feliciano Costa, que foi prefeito, que foi prefeito, m morte inclusive de um operario provocou -sr uma imensa tinha uma tendência política de esquerda não esposada pelos industriais da época. O ovo da serpente do comunismo em Friburgo estava entre os funcionários da estrada de ferro.


Transcorridos alguns anos, essas mesmas indústrias estão longe de gerar atualmente os cinco mil empregos diretos de outrora. Richard Ihns vê, no entanto, que deixaram um legado ao município, notadamente a Fábrica Filó, refletida na moda íntima. Entende que se deve desenvolver o turismo, criar eventos permanentes a exemplo de exposições de flores, produtos agrícolas, competições como a de motociclistas e construir um centro de convenções. Para Richard Ihns, Friburgo hoje não é mais uma cidade para abrigar grandes complexos industriais. As indústrias de Friburgo deveriam ser do tipo especializadas, de alta tecnologia e que exija mão de obra técnica e de pequena monta, a exemplo da fábrica de ampola de raio x, que já estivera em Friburgo, ou de aparelhos eletrônicos, mas em pequena escala. Depois dessa mudança de paradigmas pergunto quem mudou, o executivo que administrou uma grande indústria por meio século, ou foi Nova Friburgo? Richard Ihns responde: “Novos tempos”. Enfatiza que a vocação de Friburgo atualmente é para pequenas empresas com alta tecnologia.

Em 2011, a Rendas Arp completará o seu centenário e nos anos seguintes, igualmente, as outras indústrias. Julius Arp, primus inter pares, Maximiliam Falck e Otto Siems foram comparados, no passado, à Santíssima Trindade, a Trindade Teutônica, por terem gerado milhares de empregos em Nova Friburgo. Recordemos, foi Julius Arp quem trouxe a energia elétrica ao município. Quem não se recorda do barulho dos tamancos dos operários, no passado, cruzando a cidade desde às 5:00 horas da manhã? A dialética do capital e do trabalho, do burguês e do operário é um período conturbado da história do município, até porque o golpe militar de 1964 agravou ainda mais as tensões entre as classes sociais. Quem quiser se aventurar em pesquisar esse período da história de Friburgo, deve fazer como nos recomenda Richard Ihns: “Diga a verdade e saia correndo.”
Fonte: Entrevista realizada com Richard Ihns em 2010.

IMIGRAÇÃO EM FRIBURGO: FRANCESES, ESPANHÓIS E ÁRABES


Imigraram para o Brasil, entre 1881 e 1913, mais de um milhão e seiscentos mil imigrantes. Uma parcela destes imigrantes veio para o Estado o Rio, espalhando-se por suas regiões. Havia no Estado do Rio, em 1892, 54.148 indivíduos que se declararam estrangeiros e na matéria de hoje analisaremos os franceses, espanhóis e árabes. O jornal O Friburguense relata que havia “grande número de estrangeiros especialmente portugueses, italianos, espanhóis e franceses” em Friburgo, no final do século XIX. Vejamos estes números.

Dos que imigraram, segundo o levantamento de 1892, os espanhóis aparecem em terceiro lugar em imigração(3.834), os franceses em sexto(1.087) e os árabes não aparecem no censo. Mas sabe-se por outras fontes, como os jornais, que Friburgo recebeu um contingente de árabes no final daquele século. Eram denominados turcos, tendo se ocupado no comércio local. O clube Xadrez e o antigo cinema Leal, em estilo mourisco, pode ter sido influência dos árabes em Friburgo.

Os espanhóis migraram para as regiões norte fluminense (777), serrana(714), Médio Paraíba(669) e Centro-Sul Fluminense(669). Na região serrana, Friburgo foi a que mais os recebeu(304), seguida por Petrópolis(194). Foram para cidades como Campos (347), Macaé(286), Resende(247) e a favorita de todas elas, Paraíba do Sul(476).

Com relação aos franceses, migraram preferencialmente para as regiões norte fluminense(351) e serrana(393). Campos foi a cidade preferida pela maior parte deles(293) e na região serrana, Petrópolis(266) e Friburgo(98). É significativo que Friburgo já possuísse no terceiro quartel do século XIX, uma representação do consulado francês, cujo agente era Auguste Maulaz. Na Rua do Chateau, há referência de que lá residia “o francês” Nicolau Leglay. Havia um anúncio no jornal O Friburguense de assinatura de um periódico francês, Ecos da França, denotando que haveria uma presença de franceses na cidade. Discretos, eram proprietários de um comércio mais sofisticado para atender aos abastados veranistas que vinham para Friburgo na estação calmosa. Na Praça Paissandu, existia a Charcuterie Française, de propriedade de Felix Besnard. O requintado estabelecimento de embutidos vendia boudins, saucisses, crepinettes, patè d’Italie, patè de foie de canard, patè de Pithuiers, langues fourrèes, rillettes de tours, patè de Ruffec, tripés à la mode de Caen, saucissous de Lyon e Arles, preparation de jambons façon, westphalie york, glaces, galantine truffèe, lingüiças, salpicões, morcelas e salames. Mas que delícia de cidade, hein! Logo, nesta Babel de línguas e mosaico de culturas, não podemos menosprezar os cidadãos da terra de Cervantes, Vitor Hugo e dos pais da medicina, os árabes, na construção de Nova Friburgo.

NOVA FRIBURGO: MAIS FRESQUINHA DO QUE UM ALFACE


Recebi um e.mail de um amigo carioca que me escreveu dizendo que na semana passada, lembrou-se muito do meu livro sobre a história de Friburgo. Ele se sentia como os cariocas do final do século XIX: ávidos por saírem no verão do Rio de Janeiro e pegarem o primeiro trem para Nova Friburgo. Estando em Friburgo, senti uma profunda comiseração por este meu infeliz amigo carioca. Os termômetros no Rio estão marcando 49° graus, mas a sensação térmica vai além de 50°graus. Para os que ainda não conhecem o período da história de Friburgo a que este meu amigo se referia, os cariocas, no final do século XIX, debandavam para Friburgo fugindo do calor e das epidemias de febre amarela que grassavam na “estação calmosa”, ou seja, no verão.
Vou me deter apenas na questão do clima, pois quanto à febre amarela o assunto se estende um pouco mais. No passado, ainda que tendo temperaturas mais amenas, pois não tínhamos o efeito estufa e o desmatamento que aumentou a temperatura do planeta, o vestuário contribuía para que a sensação térmica fosse maior. As mulheres e homens usavam uma indumentária pesada, as senhoras da elite cabelos muito longos, além de acessórios como luvas, a fatigarem aqueles que por força de uma posição social, não poderiam abrir mão destes elementos. Logo, em todos os verões, os cariocas subiam a serra, fugindo do tórrido calor do Rio de Janeiro. Destaco ainda, que o Rio não era a cidade “maravilhosa” de hoje. As ruas eram sujas e fétidas e um amontoado de cortiços pobres e miseráveis espraiava por todo o centro da cidade. Somente no início do século XX, a partir da gestão do então prefeito Pereira Passos, foi que o Rio de Janeiro ganhou largas avenidas, como a Rio Branco e disseminou a febre amarela e o cólera pela ação do sanitarista Oswaldo Cruz.

Na matéria de hoje, destaco uma crônica do jornalista Carlos de Laet, famoso cronista daquela época do jornal Correio da Manhã, que como seus conterrâneos, fugiu do intenso calor do Rio e veio a Friburgo, nos legando suas impressões, que nada difere das do meu amigo, pressuroso em deixar a “cidade maravilhosa”. Assim narrou Laet: “......aos que costumam ler-me, falo eu de um aprazível lugar onde se respira e vive melhor do que neste aparelho crematório à beira-mar aceso [refere-se ao Rio de Janeiro]. Nada mais agradável do que sentir, a medida que o solo rapidamente se eleva depois de Cachoeiras [de Macacu] a progressiva diminuição do calor que ora nos enerva e desseca. De manhã, lá em cima[refere-se a Friburgo], quando o excursionista em passeio matutino tem de enfiar o sobretudo para se resguardar da neblina que o borrifa, só com a mais profunda comiseração pode lembrar-se dos infelizes que à mesma hora tressuam esbaforidos no grande foco da civilização nacional [refere-se ao Rio de Janeiro].....Quando não tem razão, choram as mulheres e ganham o que querem. Friburgo é como as senhoras: em se vendo apertadas pelo calor, chove a farta, que tal é o seu modo de lacrimejar, e acaba por ficar mais fresquinha do que um alface (…)” Essa crônica acha-se transcrita, na íntegra, no Centro de Documentação Pró-Memória de Nova Friburgo.

Related Posts with Thumbnails
powered by Blogger | WordPress by Newwpthemes | Converted by BloggerTheme