Acima Yolanda, já idosa, e seu marido Bonaventura no plano maior
“Acho que todas as pessoas deveriam escrever a história de suas vidas. Não para publicar, é óbvio, que isto é para os sábios, artistas, heróis....mesmo porque, quem é que iria se interessar pela obscura vida desta humilde filha de Deus que se chama Yolanda Brugnolo Lívio Barilari Bizi Cavalieri d´Oro?” Este pensamento de Yolanda, de que somente os grandes acontecimentos históricos, a exemplo de guerras e revoluções e os grandes personagens destes acontecimentos é que mereceriam destaque na história, não existe mais. Desde que os franceses fundaram a Escola de Annales, novos “atores” e objetos passaram a ser de interesse da história, entrando em cena o cidadão comum.
Yolanda nasceu em 1922, em Nova Friburgo, vindo a falecer em 2007. Descendente de imigrantes italianos que vieram para Friburgo no final do século XIX, escreveu uma deliciosa história de sua vida, cuja infância foi passada em Friburgo até seus oito anos de idade. Seu pai era caixeiro viajante, filho dos imigrantes Pedro Bizi Cavalieri d´Oro e Eugenia Barilari Cavalieri d´Oro, oriundos da aldeia de Commachio, província de Ferrara, na região Emília Romagna. Vieram para o Brasil já casados e com filhos. “Descendemos de família de italianos pobres, que vieram para o Brasil em fins do século XIX, por ocasião da grande imigração decorrente do alastramento da cultura cafeeira”, relata Yolanda. Pelo lado materno, vindos de Padova, região Veneto, vieram Marco Brugnolo e Catarina Brugnolo com seus três filhos. Um destes filhos seria Antonia, conhecida por Anita, que seria sua avó, casando-se com o também imigrante italiano Bonaventura Lívio. Sua avó Anita marcaria muito a sua infância.
A família de Yolanda, de um modo geral, não era como a de hoje classificada como “família orgânica”, consistindo de pai, mãe e filhos. Em sua casa e a de seus avós, povoam afilhados, primos, sobrinhos e uma parentela que troca de domicílio entre si, além dos criados que passam a fazer parte da família. Lembra uma típica família do tempo colonial e que parece ter sido ainda uma característica do início do século XX. Quem não tinha um sobrinho que deixava a casa de seus pais na roça e ia morar com a madrinha na cidade? No entanto, os homens não faziam o tipo paterfamilias, senhor autoritário da casa, pois as mulheres, ao menos estas imigrantes italianas, mandavam e muito. Yolanda tinha duas irmãs, Zaíra e Lúcia, e Ninita, esta última uma parenta que morava com ela e ajudou na sua criação. A condição social de sua família era de remediados, como se dizia à época, o que seria hoje uma classe média, já que moravam numa casa própria e tinham lazeres modestos. Residiam na Rua General Câmara, atual Augusto Spinelli, rua iluminada pelas lâmpadas fraquinhas dos magros postes da época. Não havia calçamento e sapos cruzavam para lá e para cá, além de cobrinhas que volta e meia se enrolavam nas pernas das crianças.
Toda a descrição de Yolanda será a de uma Nova Friburgo na década de vinte, do século XX, durante a infância dela. E como era Nova Friburgo naquela época? O frio intenso entra muito nas memórias de Yolanda, pois, segundo ela, “as florestas eram densas, os regatos abundantes(...)Eu ensaboava roupinhas de boneca e as punha ao sereno; amanhecia durinhas de gelo, o que me encantava(...). Recordo Ninita e Mamãe nos dando banho numa bacia, dentro do quarto fechado e depois passando o ferro quente nos lençóis das caminhas para que pudéssemos dormir.” Era uma Nova Friburgo em que as casas tinham vastos quintais, onde todos cultivavam legumes e verduras em pequenas hortas, a exemplo de couves e cenouras, além de um pomar com jabuticabeiras e laranjeiras carregadas de frutos dourados e as casas divididas por cercas de bambu.
Pouco mais de quarenta anos depois de extinta a escravidão(1888), suas memórias nos mostra como ficou a situação de ex-escravos e seus descendentes em Nova Friburgo. Sua infância é povoada de empregadas e crianças negras em sua residência, todos lembrados com muito carinho a exemplo dos “pretinhos” Lidia, Cidália e Simplício, tão difíceis de esquecer. Numa convivência doméstica e amistosa, nos remete a obra de Gilberto Freire, Casa Grande e Senzala, das mães pretas e negrinhos convivendo harmoniosamente com os senhores da casa.
Yolanda tinha quatro anos quando Felizmina veio trabalhar em sua casa. Era uma “crioula gorda”, de uns quinze anos, inteligente e muito tímida. Sua avó e sua mãe já haviam sido empregadas de sua casa, e a tinham trazido para que a mãe de Yolanda a ensinasse a trabalhar. Felizmina ficou na família por 27 anos. “Ajudou a nos criar, participando de nossa vida mais como amiga do que como empregada”, recorda-se Yolanda. Já sua avó Anita, racista, segundo ela, reclamava que a cozinha da casa de Yolanda parecia uma senzala, sempre cheia de negros. “E era verdade. Mamãe acolhia-os, ajudava-os, ensinava-os a ler, a viver. Também, nunca precisou fazer trabalhos pesados, sempre havia alguma negra adorando trabalhar para ela, verdureiros[negros] perguntando se D. Carmen queria “rapoio”(repolho), vizinhos mais pobres ajudando nas tachadas de goiabada ou no fabricação do polvilho(...)Era Mamãe quem escolhia os feitios dos vestidos natalinos das pretinhas e as ajudava nas tarefas escolares”. Yolanda se recorda dos roletes de sorvete, ancestral do picolé, apregoados por moleques negrinhos com suas caixas de madeira com gelo, empregados de algumas senhoras da cidade. A avó Anita tinha uma empregada que a acompanhava há anos de nome D. Fortunada. Era uma velhinha preta, nascida escrava, que “executava suas ordens sem pensar em discutir”.
Uma interessante herança da escravidão era um castigo ao qual denominavam à época de pelourinho. Quando se fazia alguma “arte”, havia uma cadeira especial para o castigo, o pelourinho, que ficava disposta no quarto. A criança ficava lá até que o castigo cessasse. No entanto, não havia violência física contra as crianças, diferente da prática do pelourinho que castigava os escravos com açoites e outros tipos de sevícias.
No tocante a moral da época, como o pai de Yolanda era caixeiro-viajante e ficava muitos dias fora de casa, sua mamãe achava que não deveria sair, pois poderia “ficar falada”. Certo dia, uma garota da vizinhança disse a Yolanda que era sua prima, filha de seu tio. Indignada, chamou-a de mentirosa, pois seu tio era casado, tinha família e morava no Rio de Janeiro. Quando contou à sua mãe o ocorrido, ela lhe disse para não tocar mais naquele assunto. Adultério e situações que chocavam a moral da época eram tratados nas alcovas. No ouvir dizer, Yolanda recorda-se das histórias dos “conquistadores de capa preta”, figuras importantes da sociedade, segundo ela, que saíam à noite, “embuçados como dominós”, para visitar suas amantes. No início do século XX, muitos casamentos, e me refiro aos das classes abastadas, ainda eram realizados na base das convenções sociais.
Acima o pomar de peras da Vila Amélia, hoje delegacia de polícia.
O casamento por amor, prevalecendo a vontade dos noivos em escolher seus parceiros, ainda dava seus primeiros passos, principalmente entre a elite, onde os jovens eram ainda objeto de “arranjos” matrimoniais entre seus familiares. Daí ser comum que muitos homens buscassem parceiras fora do casamento, já que suas consortes não foram objeto de sua escolha. Em relação ao homem que deixasse a amante e vivesse só para a família, dizia-se que ele “calçou os chinelos”.
Baseada no livro de memórias, "Minha Viva Mágica", de Yolanda Brugnolo Lívio Barilari Bizi Cavalieri d´Oro.
Prática cultural presente no cotidiano da cidade, é difícil imaginar um evento em Nova Friburgo, no final do século XIX, que não tivesse a presença das bandas de música tocando retretas, polcas, mazurcas e schottisches. Muito diferentes das bandas de hoje, que se limitam à execução em espaços fixos, as bandas de outrora tinham mobilidade, circulavam pelas ruas da cidade e participavam desde acontecimentos mais importantes, como datas cívicas, até os mais simplórios.
A passeio percorriam as bandas tocando dobrados e retretas pelas ruas da cidade, principalmente aos domingos. Estavam presentes nos momentos de alegria, como celebrações de casamentos, aniversários, homenagens, leilões, circos, passeios campestres, procissões religiosas, carnaval, teatro e soirées, como também nos de tristeza, como no caso dos funerais. Nos acontecimentos mais banais da cidade, lá estava a banda de música, seguindo o cortejo, sempre pontuando os acontecimentos, sempre presente nas sociabilidades.
Das soirées mais elegantes como no mais popular dos bailes, não havia um momento em que não houvesse a presença das “furiosas” abrilhantando o evento. Eram prestigiadas por todas as classes sociais, ao contrário do que ocorre atualmente em Nova Friburgo, onde são consideradas como algo miquelino, um divertimento próprio para as classes populares.Seus estandartes eram benzidos pelo cônego da cidade.
A banda de música é uma prática cultural herdada da colonização portuguesa. A charamela foi um instrumento europeu trazido por portugueses muito utilizado pelos escravos – os escravos charameleiros –, que formavam geralmente ternos e quaternos de charamelas, agrupamentos muito comuns em Portugal no século XVII e que se multiplicaram pelas fazendas e vilas do interior do Brasil. Tudo indica que aqui os conjuntos de charameleiros negros foram os antecessores das bandas de música tal como a conhecemos hoje. Manter um conjunto musical era, para os fidalgos, sinal de abastança e bom-tom, à maneira das cortes européias. Há ainda a referência às antigas bandas de barbeiros, formadas por africanos libertos.
No Brasil-Colônia, fazendeiros mantinham bandas formadas por escravos para entreter seus convidados, sendo considerado um indício de civilidade do anfitrião. Não foi ao acaso que o barão de Nova Friburgo foi o primeiro patrono e mecenas da Sociedade Musical Euterpe. O imigrante português parece ter sido o principal responsável pelo estabelecimento da tradição das bandas no Brasil. Mas os italianos participaram igualmente de maneira decisiva na formação musical do país, havendo entre esses imigrantes, vindos para trabalhar na lavoura do café, em São Paulo, expressivo número de músicos instrumentistas e regentes que se ligaram às bandas de música.
O grande afluxo de músicos italianos para as bandas teria provocado uma mudança no repertório habitual até então executado nas retretas das praças públicas.Trechos de óperas italianas, com suas árias, duetos, cavatinas, fantasias, entre outros, tornaram-se os gêneros de preferência das bandas que os abrigaram. Cavatina é uma peça vocal sem repetição “da capo”, de menor vôo lírico do que a ária. Geralmente é precedida de um recitativo e comporta a repetição. Os alemães também tiveram tradição em bandas e influenciaram no surgimento de algumas delas no Brasil. Os italianos se abrigaram na Sociedade Musical Campesina, e é provável que a animosidade entre essa banda e a Euterpe, de origem portuguesa, seja mais em função de dissensões entre nacionalidades do que políticas. Em Friburgo, apesar de a presença de alemães ter sido diminuta, esses imigrantes influenciaram na formação da Sociedade Musical Lumiarense.
No final do século XIX, havia quatro sociedades musicais no perímetro da cidade: Euterpe, Campesina, Estrela Friburguense e Recreio dos Artistas. O distrito de Lumiar possuía duas bandas, a Sociedade Musical Euterpe Lumiarense e o Club Musical Quinze de Novembro, em São Pedro. De todas elas, a Campesina era a mais articulada, lembrando que foi essa sociedade que deu início às obras do primeiro teatro da cidade, o Teatro Victor Hugo, que por questões financeiras foi vendido ainda em construção aos Jordão, que o transformaram em Teatro D. Eugênia.
A maior parte dessas bandas extinguiu-se, exceto a Euterpe e a Campesina, que passaram a servir de manobra política na cidade. Quando um determinado político apoiava uma delas, conseqüentemente o seu adversário apoiaria a outra, e assim se sucedeu continuamente, de forma que as duas bandas remanescentes são até hoje inimigas acirradas.Recusam-se a qualquer aproximação ou parceria e jamais se apresentam conjuntamente em qualquer evento. Quando, em 1992, o Prof. Alexandre Gazé, então Secretário de Educação e Cultura do município, tentou aproximar as duas sociedades musicais para executarem juntas um concerto em comemoração ao aniversário da cidade, não obteve sucesso em sua empreitada. É interessante o argumento utilizado por ambas para recusar: o que as manteve vivas durante todos esses anos foi justamente a animosidade existente entre elas.
Havia entre as bandas competição, o que sempre foi considerado como algo natural entre as sociedades musicais. Nas procissões religiosas, geralmente, eram duas as bandas que se revezavam nos dobrados, e essas ocasiões eram transformadas em palco de demonstração de competência e habilidade musical de uma sobre a outra. Numa determinada procissão, por exemplo, enquanto a Sociedade Recreio dos Artistas tocava uma marcha no início do préstito, antes mesmo que ela terminasse sua apresentação, rompia com um dobrado a Sociedade Estrela Friburguense. Os componentes da primeira, indignados, atracaram-se com os músicos da segunda, ficando todos muito feridos até porque alguns instrumentos eram verdadeiras armas, utilizadas uns contra os outros.
Certa feita, quando as bandas Euterpe e Campesina passavam uma pela outra em frente ao Hotel Salusse, fez a Euterpe um sinal de cortesia pela passagem da Campesina. Essa banda, porém, não parou, como era uso e costume, criando-se um verdadeiro alvoroço na cidade por sua falta de cortesia. O seu presidente, o italiano Elviro Martignoni, teve de vir a público desculpar-se pelo incidente, argumentando não ter notado o sinal de cortesia feito pela Euterpe. Não era aconselhável ferir suscetibilidades.
Em meados do século XX, a Euterpe era considerada a “banda dos pretos”, afirmação que tem certo fundamento, porque ela foi formada no período da escravidão, quando era comum cativos e libertos comporem essas bandas. A Flor da Liberdade, a que já nos referimos, provavelmente era formada por negros. De qualquer forma, ainda que formadas por pessoas das classes populares, o repertório dessas bandas era absolutamente clássico, executando Verdi, Donizetti e Bellini, sendo o dobrado o gênero musical mais tocado, como o Moulin Rouge. Diferentemente do que ocorre hoje, quando as bandas necessitam de subsídio oficial do município para a manutenção de suas atividades, as do final do século XIX viviam de recursos próprios. Proviam-se da colaboração de seus membros e associados, das apresentações em bailes, festejos particulares, teatros, circos, passeios campestres, casamentos, aniversários, soirées dançantes, doações e leilões promovidos geralmente para a aquisição de necessidades pontuais, como instrumentos ou uniformes.
Bailes, casamentos, aniversários, piqueniques, teatro, circo, soirées dançantes, leilões, procissões, funerais, eventos políticos, homenagens, carnaval ou o passeio banal pelas ruas da cidade. No final de século XIX, não era possível imaginar qualquer forma ou espaço de sociabilidade em Friburgo sem a presença das bandas de música.
Em Nova Friburgo, há coisas curiosas. Na primeira metade do século XX, a administração do cemitério reservava uma quadra para o sepultamento somente de crianças, denominado-a de “Quadra dos Anjos”. Outra curiosidade é que na atual sede da Maçonaria, na Rua Sete de Setembro, existia o antigo cemitério da Vila de Nova Friburgo. No entanto, como as enchentes do Rio Bengalas eram constantes, depois que as águas baixavam muitos corpos ficavam à vista, já que todo cemitério ficava inundado. Por isso, o cemitério atualmente se encontra localizado na parte alta cidade, em virtude do constrangimento que provocava junto à população de ver sepulturas descobertas após as enchentes. Segundo relatos, até recentemente, quando a Maçonaria fez obras em sua sede, alguns esqueletos do antigo cemitério foram encontrados.
Quem imagina que a facilidade de assistir filmes do cinema em casa, na comodidade do lar, surgiu apenas na década de 90, do século XX, com o advento do vídeo cassete, atual DVD, engana-se. No início do Século XX, na década de 20, já estava disponível no mercado, em Friburgo, o Pathè Baby, esta simpática maquininha onde o anunciante dizia: “Ver para crer!”.
O vinho do Porto é normalmente servido socialmente como um “disgestivo”, para facilitar a digestão. Tem sentido, pois no século XIX, o vinho do Porto era anunciado nos jornais de Nova Friburgo somente como um MEDICAMENTO para cura de diversas doenças, inclusive para problemas com a digestão.
O bacalhau é uma iguaria que, nos dias de hoje, somente em ocasiões especiais, como na semana santa ou no natal, chega às nossas mesas. Mas não era assim no século XIX. O bacalhau era comercializado na porta da “venda” como a carne seca e servida até aos presos da cadeia, em Nova Friburgo. O bacalhau era um produto tão barato que havia até um ditado naquela época para se referir a arraia miúda:“Pra quem é, bacalhau basta!”
Se você passasse por uma daquelas maravilhosas máquinas do tempo e escolhesse visitar Nova Friburgo no final do século XIX, um aviso: Se entrar em um boteco ou em um Café daquela época e pedir um COPO D´ÁGUA, vão te servir nada menos do que CACHAÇA.
No século XIX, jornal eraperiódico, jornalista eraarticulistae imaginem só um verbete muito utilizado para fazer referência ao jornal: HEBDOMADÁRIO. Muito utilizada pela imprensa em Nova Friburgo, esta complicada palavra significa nada menos que semanário, isto porque os jornais tinham publicação semanal, de uma ou duas vezes por semana.
Acima: José Antonio de Souza Cardoso e seu filho Augusto Cardoso, proprietários de O Friburguense.
O século XIX é considerado o período do nascimento da imprensa no Brasil e no mundo. Em Nova Friburgo, surgem também muitos jornais neste período. Em 1887, surgiu O Domingo, de Celso Militão Pires Simões, tendo sido extinto para ser fundado, pelo mesmo proprietário, em 1889, a Gazeta de Friburgo. No ano seguinte paralisaria suas atividades e só voltaria a circular em 1895, já então sob a propriedade de José Saldanha. Esses periódicos, tinham uma duração muito curta, circunstância muito comum à época. O problema do “mal-de-sete-dias” era em decorrência de fatores como a falta de assinantes, a prevenção dos grupos políticos, a escassez de anunciantes e a dificuldade na distribuição. O período de 1898 a 1914 trouxe tecnologia e sofisticação aos jornais. O Friburguense foi, na realidade, o primeiro periódico de que se tem registro em Nova Friburgo, tendo sido fundado em 1881 pelo major Candido Matheus Pardal Junior. Deixou de circular em um dado momento, mas não se sabe em que ano. Em 1890, foi adquirido por José Antonio de Souza Cardoso, saindo o primeiro número dessa nova fase em 20 de julho desse mesmo ano. Começou sendo impresso nas oficinas tipográficas do Correio Portuguez no Rio de Janeiro, na Rua São José, n. 40. Menos de um ano depois, no dia 15 de fevereiro de 1891, O Friburguense passou a ser impresso em oficina própria, constituída de um pequeno prelo manual e uma resumida coleção de tipos de jornal e “obras”. Com o tempo, o pequeno formato do jornal tornou-se insuficiente para conter todas as matérias. Foi então montada a máquina Marinoni, vinda expressamente de Paris com grande variedade de tipos, o que permitiu a duplicação do formato do jornal a partir de 7 de setembro de 1894. As oficinas tipográficas possuíam uma coleção de cerca de 5 mil quilos de tipos e “obras”, uma máquina Marinoni para impressão do jornal, uma Liberty, duas pequenas máquinas americanas e máquinas de aparar, numerar, brochar, picotar, podendo se afirmar que era uma das mais completas oficinas do Estado do Rio. Por alguns anos, O Friburguense foi bissemanal, sendo publicado às quintas-feiras e domingos.
Souza Cardoso dirigiu o jornal até a sua morte, em 24 de novembro de 1897, passando a propriedade a seu filho Augusto Elysio de Souza Cardoso, que sempre fora o seu braço direito. Herdeiro natural, Augusto Cardoso seguiu a mesma linha editorial do pai, dirigindo o jornal também até o seu falecimento, em 30 de junho de 1936. O Friburguense passaria então à direção de um antigo colaborador e genro de Souza Cardoso, Menezes Wanderley. Contudo, curiosamente, Menezes Wanderley não deu prosseguimento ao periódico em que tanto colaborara desde o primeiro número de sua nova fase, vindo o jornal a fechar seis meses depois do falecimento de Augusto Cardoso. A última edição do legendário O Friburguense, o decano da cidade, como era conhecido, foi publicada em 27 de dezembro de 1936, de número 2.725.
Surge em 13 de dezembro de 1891 a Cidade de Friburgo, de propriedade de Carlos Domingues Nogueira, do qual, infelizmente, não existe nenhum registro. Em maio de 1892, surge O Rebate, que seguia a linha panfletária. Trazia no topo da primeira página os seguintes dizeres: “Ódio aos tiranos” e “Defesa do povo”. Esse periódico estranhamente tinha como diretores Augusto Cardoso e Menezes Wanderley, filho e genro do proprietário de O Friburguense. O intrigante é que já no segundo número ambos publicaram uma declaração participando ao público que a partir de então passavam O Rebate a terceiros, que mais facilmente poderiam encaminhá-lo na “defesa dos oprimidos”. O Rebate foi o primeiro jornal a publicar o número de sua tiragem, que era de 800 exemplares. Menezes Wanderley possuía também A Escola, um periódico de circulação quinzenal pertencente ao Externato América, sendo instrutivo, educativo e recreativo, “art, taste and love”, havendo inclusive artigos em francês.
Surge ainda A Sentinella. Fundado em 1895 por Guilherme Samuel Bohrer, funcionou inicialmente em São Pedro, mas pouco tempo depois transferiu a redação e sua oficina para o centro da cidade. A Sentinella era um periódico declaradamente do Partido Republicano Autonomista, tendo o correligionário Bohrer como redator e gerente. A Sentinella era um jornal absolutamente panfletário, parcial, belicoso, muito mais politizado, até porque se declarava como órgão oficial do partido. Bohrer expressava claramente que seu jornal fora criado para servir de instrumento aos autonomistas, partido da época. Seus editoriais tratavam tanto da política municipal, quanto da estadual e da federal. Samuel Bohrer era uma espécie de Marat da Revolução Francesa.
Os jornais tinham a época vida muito efêmera, como dito antes, a exemplo do O Beija-Flor, de Augusto Pires, que surgiu em 1895, tendo sido fechado no ano seguinte para reaparecer em 12 de janeiro de 1898. O Beija-Flor, com formato de 20cmx10cm era tipicamente literário, publicando poesias, contos e comentários sobre eventos culturais na cidade. Em 1897 aparece O Pequeno Jornal, de propriedade e com a direção de Meirelles & Peixoto.
Lumiar, segundo distrito do município, possuía dois periódicos: o primeiro deles O Lumiarense, fundado por Eugênio Gustavo Brust em 17 de junho de 1894. Era um pequeno jornalzinho, com duas folhas e quatro páginas de frente e verso, em formato de 20cmx10cm, muito comum em Friburgo à época. Era publicado, semanalmente, aos domingos. O segundo, A Evolução, foi fundado em 7 de abril de 1895 por uma sociedade anônima. O surgimento do segundo periódico ocasionou o fechamento do primeiro, mas A Evolução teve uma trajetória curta, circulando somente até 13 de junho de 1896. Ambos eram impressos em Lumiar em oficinas próprias.
Em 18 de julho de 1901, despontam A Opinião, dirigido por Ernesto Rocha, e o Correio Popular, fundado em 10 de julho de 1902 por Menezes Wanderley. Esse último periódico foi adquirido por Galdino do Valle Filho em 1906 e substituído por A Paz, que se transformaria em um dos maiores e mais importantes jornais da cidade. Quando, no início do século XX, o médico Galdino do Valle Filho resolveu entrar na política, a primeira atitude que teve foi fundar o periódico A Paz.
Em 1904 surgiram O Álbum, semanário literário de propriedade de A. Balthazar, composto basicamente de contos e poesias e dedicado “ao bello sexo”. Neste mesmo ano surge O Nova Friburgo, fundado por Aristides Silva, natural de Itaboraí. Foi órgão oficial da Câmara Municipal e seu primeiro número foi publicado em 22 de maio de 1904, com tiragem de mil exemplares. Circulou até fins de 1907 e retoma novamente na propriedade de Juvenal Marques. Ulteriormente é vendido a Pedro Cúrio.
Foram fundados, em 1905, O Reflexo; Friburgo Commercial; O Boato, uma revista teatral informando os principais acontecimentos da cidade; O Lyrio; e O Holophote. Em 1906, surge ainda A Lanterna. Um grupo de tipógrafos de O Friburguense lançou O Lyrio, jornal literário e recreativo com seções patuscas e apimentadas.
Em Nova Friburgo, os jornais eram um instrumento dos partidos locais e suas páginas a tribuna dos políticos, sendo poucos os que proclamavam isenção. Em sua maioria, eram declaradamente partidários e seus diretores arautos dos respectivos partidos que representavam. O jornal A PAZ servia totalmente ao deputado Galdino do Vale Filho e seus correligionários, sendo um periódico eivado de parcialidade política em seus editoriais. Quando desejavam fugir da arena política, declaravam ser “órgão imparcial”, como foi o caso da Gazeta de Friburgo, de propriedade de José Saldanha.
A participação dos escritores, a exemplo de Machado de Assis, ocorria principalmente no jornalismo em expansão. Os jornais empregavam muitos deles, mas, salvo raríssimas exceções, essa participação não proporcionava condições de sobrevivência. Tendo em vista o analfabetismo da maior parte da população brasileira, eram baixas as tiragens das edições dos livros de escritores brasileiros, sendo os periódicos um grande instrumental para a difusão literária na época. Em geral, a reputação do escritor se fazia nos periódicos e, às vezes, pela republicação do mesmo material em forma de livro. Eram os leitores dos periódicos que garantiam o êxito de um escritor.
Redação de O Friburguense
Atualmente Friburgo possui apenas um jornal, A VOZ DA SERRA, e quando observamos o passado, nos damos conta de que a imprensa em Nova Friburgo também viveu a sua Belle Époque.
Foto tirada por D. Pedro II quando em visita a Friburgo em 1876. Ao fundo Hotel Leuenroth.
Foto constando no acervo fotográfico da Imperatriz Tereza Cristina. Estação de trem de Nova Friburgo no final do Século XIX
O que tanto fazia D. Pedro II em Nova Friburgo? Há o registro de diversas passagens do Imperador à cidade. De acordo com a ata da Câmara de 1868, Nova Friburgo recebeu a visita de Sua Augusta Majestade Imperial nesse ano. Essa notícia é confirmada pelo jornal O Nova Friburgo, de 1935, onde a Princesa Izabel escolheu a Cascata Pinel para oferecer à embaixada chilena uma “festa campesina”, contando com a presença do ilustre Imperador, D. Pedro II, e do marido da princesa, o Conde d’Eu.
Em 18 de dezembro de 1873, D. Pedro II retornaria a Friburgo a convite de Bernardo Clemente Pinto Sobrinho, o segundo Barão de Nova Friburgo, para inauguração do prolongamento da Estrada de Ferro Cantagalo, no trecho de Cachoeiras a Friburgo. Já em 1874, a vinda do imperador a Nova Friburgo foi para acompanhar a Princesa Izabel em um tratamento à base de hidroterapia em razão de sua suposta infertilidade. Nessa ocasião, veio acompanhado de sua amante, a Condessa de Barral, dama de companhia da princesa. Casado com D.Teresa Cristina, o Imperador teve um delicado e misterioso romance com a baiana, a Condessa de Barral. Numa época de casamentos arranjados, D.Pedro II encontrou a sua “alma gêmea”, como ele relata em seu diário, numa mulher inteligente, despojada, culta e que vivera boa parte de sua vida em Paris. Ficaram todos hospedados no Hotel Leuenroth.
D.Pedro II retornaria a Friburgo dois anos depois, em 1876. De acordo com o livro de Alcindo Sodré, “Abrindo um cofre”, D. Pedro II passou um vasto período em Friburgo, já que em sua correspondência com a Condessa de Barral, cita o nome da cidade em diversas ocasiões. Veio a Friburgo possivelmente para tomar as duchas do Instituto Hidroterápico, conforme se depreende do conteúdo de sua carta: “Condessa, onde se achará fresco? Valha-me a água dos banhos.(...)Confirmo meu juízo: Teresópolis majestoso; Petrópolis lindo e Friburgo bom lugar de tomar fresco, quando o há. Espero ler bastante aqui e recorrer a quanto esguicho puder refrescar-me....”(Friburgo, 13 de janeiro de 1876).
Nessa ocasião veio acompanhado da Imperatriz, deixando-a em Friburgo e retornando ao Rio antes dela:“Condessa, parece que de lá[refere-se a Friburgo] custam muito a chegar notícias. Os de lá[Friburgo] vão bem assim como a Imperatriz em Friburgo d´onde tive telegrama esta tarde....”(Rio, 16 de janeiro de 1876).
D. Pedro II retornaria ainda Friburgo naquele mesmo mês: “...Condessa(...)Eu volto a Petrópolis no domingo às 8 ½ da manhã, e não paro senão a Friburgo...”(Rio, 18 de janeiro de 1876).
De acordo com a sua correspondência com a Condessa de Barral, fora para Cantagalo, mas em 17 de fevereiro de 1876, lá estava o Imperador novamente em Friburgo, pois escreve de lá para sua amante. Refere-se sempre as duchas que tomava no Instituto Hidroterápico, pois D. Pedro II era diabético: “...A Imperatriz tem se dado bem com as duchas, e eu também gosto das refrigerantes...”
Em sua correspondência dizia ter intenção de retornar definitivamente para o Rio no dia 03 de março. De fato, o Imperador já está no Rio de Janeiro no dia 04 de março, mas imaginem o que disse quando lá estava: “...Amanhã volto para Friburgo. Que calor aqui! A febre amarela tem aumentado por este estado do Rio...”. (Rio, 04 de março de 1876).
Friburgo deixou boas recordações em D. Pedro II. Quando esteve aqui com sua amante, a Condessa de Barral, se recorda com carinho do Hotel Leuenroth, e o Imperador, no melhor estilo do romantismo, assim escreveu para a sua amada: “Condessa(...)Porém creia que olho sempre com imensas saudades para os quartinhos do anexo do Hotel Leuenroth...”(Rio, 04 de março de 1876).
Abaixo: Foto tirada por D. Pedro II, em 1876, quando de sua visita a Friburgo. Praça Dermeval Barbosa Moreira. Acervo da Fundação D. João VI.
No final do século XIX, o Rio de Janeiro vivia um verdadeiro inferno social em que grassavam epidemias de febre amarela, cólera, entre outras doenças, além da tuberculose, que ceifava milhares de vidas a cada ano. Os habitantes mais abastados do Rio fugiam dessas doenças, deslocando-se durante o verão, período em que a epidemia ocorria de forma virulenta, para as regiões serranas. Nova Friburgo, depois de Petrópolis, era o município que mais recebia esse afluxo de veranistas, que chegavam a passar seis meses na cidade, retornando ao seu torrão natal somente no final do mês de abril. Essa circunstância movimentou a economia da cidade, e o turismo chegou a superar a atividade econômica da agricultura, alterando profundamente a estrutura social e política da cidade.
Essa riqueza atraiu ainda imigrantes portugueses, italianos, espanhóis, franceses e libaneses, além de indivíduos que a imprensa rotulava de vagabundos, ou seja, migrantes pobres que se deslocavam continuamente pelo país. Novas formas de sociabilidade foram introduzidas, e Friburgo passou a ter uma vida cultura intensa com a representação de óperas italianas, do teatro dramático português, do lundu e das modinhas dos circos, bem como a abertura de Cafés, charcuteries e do cinematógrafo.
Soirées e pic-nics eram promovidos pela elite para minimizar a monotonia dos seis meses em que os abastados cariocas permaneciam na cidade. Este livro retrata exatamente esse período, em que Nova Friburgo viveu a sua Belle Époque.
Este livro recebeu o prêmio de menção honrosa em 2009 da ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, na categoria de Ensaio Social, com a seguinte alusão:
Propõe-se ainda Menção Honrosa para a categoria Ensaio à obra de Maria Janaína Botelho Corrêa “O Cotidiano de Nova Friburgo no Final do Século XIX, Práticas e Representação Social”. Trata-se de trabalho realmente pioneiro de cultura regional, abordando a organização da subjetividade coletiva daquele Município, e a originalidade da integração suíça das montanhas fluminenses nas suas políticas de memória, a guardar quase um “epos”, no seu afã prospectivo, tanto quanto colonizador.
Afastando-se de qualquer exorbitância monográfica, o resultado soma largo levantamento factual, com a riqueza de uma verdadeira leitura desse pluralismo, na composição da velha província, geralmente esmaecida pelo foco renitente da Corte e da capital da República.
Os historiadores Janaína Botelho e Martin Nicoulin
"Historiadores concordam: Nova Friburgo
não é uma cidade suíça. É brasileira"
Matéria publicada em A VOZ DA SERRA em 27/10/2009
Dois historiadores, com trabalhos publicados sobre Nova Friburgo, e uma mesma conclusão: Nova Friburgo não é uma cidade suíça; é uma cidade brasileira. O suíço Martin Nicoulin e a brasileira Janaína Botelho reuniram-se na última sexta-feira, na Universidade Candido Mendes para debater os caminhos da historiografia do município da Região Serrana, ao lado do secretário de Cultura, Roosevelt Concy. Na conversa entre os dois autores, vieram à tona coincidências históricas que estreitam as ligações entre a Fribourg suíça e Nova Friburgo.Considerando-se o pai de uma nova produção histórica sobre o município, Martin Nicoulin relembrou o apoio que a Confederação Suíça deu aos historiadores João Raimundo e Jorge Miguel, para a realização de uma história de Friburgo com a sensibilidade de pesquisadores locais, o que resultou no livro Teia Serrana. Apesar da extensa programação, em virtude do VI Encontro Suíço-Brasileiro, Martin Nicoulin teve tempo de fazer uma leitura rápida do livro sobre o cotidiano de Nova Friburgo no final do século XIX, de Janaína Botelho. O que mais impressionou o historiador foi ter ciência de que o fenômeno da vinda dos cariocas a Friburgo, em virtude das epidemias de febre amarela, abordado no livro de Janaína Botelho, tem características semelhantes com o que ocorreu em Fribourg na Suíça.
De acordo com ele, os aristocratas ou patrícios, também fugiam da febre amarela em Fribourg, dirigindo-se para seus chateau nos alpes, em maio, no início do verão. O que o surpreendeu mais ainda foi o fato dos veranistas cariocas permanecerem seis meses em Friburgo, mesmo período em que os aristocratas suíços permaneciam no campo. Esta coincidência é mais um fato que une as duas cidades, segundo ele.Surpreendentemente, Martin Nicoulin não aprova a denominação de Suíça Brasileira para Nova Friburgo. Segundo ele, quando veio a Friburgo em 1967 fazer suas pesquisas, não viu nada de suíço. “Todo mundo me falava da Suíça Brasileira. Nova Friburgo não é uma cidade suíça. É uma cidade brasileira.” Ainda segundo ele, quando se deparou com suíços andando descalços e analfabetos na região de Lumiar, viu nisto uma regressão. Não deixaram uma gastronomia e, o que é pior ainda, ficou perplexo quando visitou uma fazenda da família Monnerat e viu instrumentos de tortura de escravos, demonstrando que os suíços se aculturaram, efetuando as mesmas práticas que os fazendeiros brasileiros. Nas fotos de Regina Lobianco viu, no entanto, um traço suíço, a humildade e a limpeza.
Finalmente, Martin Nicoulin disse ao secretário de Cultura, Roosevelt Concy, que fica feliz em ser o pai de produções historiográficas sobre Friburgo e espera que estas pesquisas não cessem. Para Roosevelt Concy, o encontro entre os dois escritores representa um marco na história não só para a Candido Mendes, mas para a cultura da cidade que herdou o nome do Cantão Suíço de Fribourg, onde nasceu Martin Nicoulin, e de onde vieram os primeiros colonizadores do Século 19.“Do ponto de vista cultural esse é um momento frenético. Um convite ao retorno no tempo, para a história dos friburguenses e dos suíços que decidiram trocar o país dos Alpes para construir uma história de vida em solo brasileiro”, lembrou o secretário. Dois historiadores, dois livros e uma história.O historiador suíço Martin Nicoulin veio a Nova Friburgo para o VI Encontro Suíço Brasileiro, que faz parte da história dos 200 anos da cidade de Nova Friburgo, fundada em 1819 por imigrantes suíços. Durante muitos séculos as raízes helvéticas da cidade foram esquecidas. O primeiro passo para a recuperação dessa memória foi dado em 1973, quando o jovem universitário Martin Nicoulin, pesquisava para uma tese de doutorado a vinda de dois mil suíços - a maioria oriunda do Cantão de Friboug-para o Brasil. A pesquisa deu origem ao livro A Gênese de Nova Friburgo – Emigração e Colonização suíça no Brasil, que teve sua versão em português lançada apenas em 1996. Martin Nicoulin afirmou que se considera um estrangeiro de alma brasileira. Contou que veio ao Brasil em 1966, em busca de conhecer melhor a história da colonização suíça, que deu origem ao primeiro núcleo de colonizadores não portugueses no Rio de Janeiro. Por essa razão, a cidade ficou conhecida como a “Suíça brasileira”, título atualmente contestado pelos dois historiadores. Há quase um ano, a pesquisadora Janaína Botelho lançou “O Cotidiano de Nova Friburgo no Final do Século XIX: Práticas e Representação Social”. A obra, fruto inicial de um trabalho para tese de mestrado, recebeu premiação da Academia Brasileira de Letras. O livro corrige distorções históricas a partir da análise do cotidiano da sociedade friburguense através de páginas dos jornais. Janaína Botelho revela as fortes influências de imigrantes portugueses e italianos na virada do século XIX, afirma que os suíços pouco contribuíram para o desenvolvimento da cidade e mostra que Friburgo viveu sua Belle Époque.
O livro revela que foi o turismo o grande responsável pela economia local por conta das epidemias que assolavam a então capital do País, o Rio de Janeiro, fazendo com que os cariocas passassem quase seis meses por ano em Friburgo, o que provocou uma reedição da Belle Époque, seguindo uma tendência nacional de europeização dos costumes. Além disso, o trabalho constata que imigrantes italianos e portugueses tiveram participação bem mais ativa na região do que os colonizadores suíços, sem esquecer dos turcos, espanhóis e africanos.
"Obra apresenta pontos polêmicos e retrata a Belle Époque da cidade"
matéria publicada em 29/06/2009
Obra apresenta pontos polêmicos e retrata a Belle Époque da cidade:
Política e Economia entram como pano de fundo para contextualizar e explicar uma realidade social diferente sobre Nova Friburgo, na última década do século XIX – espaço temporal sob análise. Janaína Botelho vai desconstruir, basicamente, pontos tidos como inquestionáveis na História do município serrano. O primeiro é a suposta supremacia da agricultura na referida década. Segundo a pesquisadora, foi o turismo o grande motor da economia local por conta das epidemias que assolavam a então capital do País, o Rio de Janeiro, fazendo com que os cariocas passassem quase seis meses por ano em Friburgo. Outro ponto polêmico do livro diz respeito à qualificação da cidade como “Suíça Brasileira” se os parâmetros que justificam tal título forem socioculturais. Para Janaína, critérios geográficos e climáticos são os únicos a favorecer tal similitude. A pesquisadora é enfática ao afirmar que imigrantes italianos e portugueses tiveram participação bem mais ativa na região do que os colonizadores suíços, sem esquecer dos turcos, espanhóis e africanos.Mas o livro revela muito mais do que as desconstruções históricas: mostra que Friburgo viveu a sua Belle Époque, seguindo uma tendência nacional de europeização dos costumes. Janaína Botelho pesquisou os jornais “O Friburguense” e “A Sentinella”, publicações periódicas entre 1890 e 1900, em especial as crônicas sociais do período, e consegue traçar, com riqueza de detalhes, o cotidiano da cidade e o perfil de seus habitantes, analisando seus costumes, modos de convivência, atitudes, tensões e formas de sociabilidades. Ao mesmo tempo, abre espaço para crítica social e aponta formas preconceituosas e racistas adotadas pela população.
Foto acima: Famílias tradicionais na elite friburguense, na Batalha das Flores, divertimento do carnaval do final do século XIX.
Vista dos fundos do Instituto Colegial Freese. 01/07/1843.
Quando o naturalista alemão Hermann Burmeister visitou Nova Friburgo, em 1851, se impressionou que uma vila tão pacata tivesse um estabelecimento educacional de alto nível, “à altura dos melhores existentes no país”. Tratava-se do Instituto Colegial Freese, do inglês John Henry Freese, fundado em 01 de julho 1841, outrora Instituto de Nova Friburgo, que formou a elite política e profissionais liberais do Império. Depois de terminada a educação lá encetada, muitos ex-alunos do Instituto Colegial Freese ocuparam eminente posição na política, tornando-se deputados e senadores do Império e outros se destacaram “nas letras” e na carreira militar. Casimiro de Abreu estudou no Instituto Freese, dos 11 aos 13 anos(1849-1852), onde recebeu instrução primária. Tschudi referiu-se também ao Instituto Colegial Freese, ao seu ensino musical e a outro estabelecimento que lhe seguiu, o Colégio São Vicente de Paula, cujo fundador era o pedagogo alemão Barão Tautphaeus.
O colégio situava-se na Rua do Colégio, atual Rua Monsenhor Miranda, onde hoje funciona a Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia. Foi posteriormente vendido ao Coronel Galiano Emílo das Neves e a Cristovão Vieira de Freitas, mas o Prof. John Freese continuou como professor do colégio. O estabelecimento de ensino foi fundado pelo Prof. Freese com o nome original de Instituto Collegial de Nova Friburgo. Após a compra por Galiano das Neves e Christovam de Freitas, como preito de admiração ao fundador e antigo proprietário, mudaram o nome para Instituto Colegial Freese. Muitos educadores do afamado Colégio Pedro II foram cooptados para dar aula no Instituto Colegial Freese. Curiosamente, foi vendido ao Dr. Carlos Éboli, para se transformar em um estabelecimento hidroterápico, que recebia pacientes de todo o país para tratamento medicinal à base de hidroterapia. Digo curiosamente, pois saúde e educação sempre foi uma simbiose perfeita na economia da cidade. O Instituto Colegial Freese era amplo, arejado, dispondo de grande pátio para recreio dos alunos, grandes alojamentos para dormitórios, salas de aulas, salas de estudo, sala para exames, refeitório, oratório e uma “rica biblioteca” que impressionou o visitante. Hermann Burmeister relatara que o Instituto Colegial Freese não ficava a dever nada, quanto às instalações, às suas congêneres européias. Durante sua estada em Friburgo, o colégio, que já tivera outrora 80 alunos, contava então com 60, pois a instalação de outro instituto semelhante em Petrópolis fizera com que sua freqüência diminuísse.
As matérias ministradas eram português, grego, latim, inglês, francês, alemão, religião, aritmética, álgebra, filosofia, retórica, geografia, história geral, história natural, física, astronomia geral, desenho, contabilidade, cálculo e música. Abaixo a logomarca do Colégio Freese. Observar nas bordas os símbolos representando cada uma das matérias ministradas nesse estabelecimento de ensino.
Um dos seus diretores, o Coronel Galiano, era um erudito e apreciador de música, formando uma banda no colégio. A Campesina, cujo fundador foi o Major Augusto Marques Braga, enteado de Galiano, tinha os instrumentos gravados com as iniciais C.F., de Colégio Freese, provavelmente uma doação do Coronel Galiano.
Além de ser um estabelecimento de ensino considerado semelhante aos melhores colégios europeus, o clima sadio de Friburgo motivava também os pais a matricularem seus filhos neste colégio. Funcionando em regime de internato, as mães observavam que seus filhos quando retornavam ao lar durante as férias de final de ano, encontravam-se saudáveis e vigorosos. Uma mãe que residia na Corte, e teve três filhos matriculados no Instituto Colegial Freese, observou o bom resultado obtido pelos meninos quanto à saúde. Segundo um relato, “todos gozavam saúde, e José, o mais velho, por ser um pouco fraco e adoentado, foi o que mais lucrou com o magnífico clima do lugar.” Em razão disso, fez toda a formação de seus filhos no Instituto Colegial Freese. Mas como era a viagem destes estudantes a Friburgo? Partindo do Rio de Janeiro, tomavam eles, na Prainha, a barca que atravessava a baía, conduzindo-os até Villa Nova. Daí tomavam “carros” até a estação da estrada de ferro seguindo, pela via férrea até a raiz da serra do Morro Queimado. Neste ponto, deveriam galgar, a cavalo, serra acima até chegar a Friburgo. Ainda não havia o trem entre Cachoeiras e Friburgo, cujo trecho só seria inaugurado em 18 de dezembro de 1873. No mês de novembro, época das férias, quando os alunos regressavam aos seus lares, faziam a viagem de retorno em companhia do Coronel Galiano, que pessoalmente acompanhava os seus discípulos para a Corte, a fim de prestar exames na “Instrução Pública” e entregá-los aos seus pais. Finalizando, a lembrança do Instituto Colegial Freese, serve apenas para destacar um estabelecimento que foi um dos precursores de uma futura geração de colégios que iriam colocar Friburgo como uma referência em ensino, tanto no período imperial quanto republicano, na história da educação do Brasil.
Crédito das Fotos: Acervo pessoal da família Seng das Neves.
FLANANDO Na grande luta em que sempre nos vemos empenhados, em busca do elemento principal à nossa existência o assumpto, parecemos muitas vezes um afogado que apega-se a tudo, comtanto que venha à tona. Immerso em uma monotonia profunda, mais profunda talvez que os pélagos inaccessíveis, procuro em vão um galinho myrrhado mesmo, com que possa por momentos fluctuar, lanço olhares pata todos os lados e nada vejo. Espersos sobre a meza, apenas jornaes, assumpto nenhum; abro ao acaso o órgão da heroína de 9 de Fevereiro, O Fluminense que os leitores conhecem certamente. Logo na primeira columna as Dominicaes do Azamor, effectadas do mesmo mal que eu sinto agora [refere-se a falta de assunto] e tanto assim que no segundo período elle arranja um burro que quebra as grades do jardim Pinto Lima com uma lança. Depois vem o bode expiatório da sua falta de assumpto, a Cantareira que paga pelo pato que nem sempre come..... Flaneur. (O Friburguense, coluna “Flanando”, 02/07/1896)
Vitor Hugo escreveu em os Miseráveis: “L’ erreur est humain; lê flâneur est parisien”. Para alguns autores, o flaneur é apenas uma glosa literária, um tipo ideal muito lógico encontrado mais no discurso do que na vida cotidiana. No entanto, há registros de que diversos homens da elite do século XIX, assumiram o pathos do flâneur, tipo social que recebeu apologia na obra de Baudelaire. O poeta mergulhou nas ruas de Paris, em busca de experiências que pudessem ser agregadas à sua poesia. Alguns articulistas em Friburgo, no século XIX, influenciados por sua obra, também se aventuraram nas ruas da incipiente urbs para extrair inspiração à sua coluna.
O desenvolvimento da imprensa contribuiu para que a escrita sobre a cidade se afirmasse: o texto rápido que narra o desenrolar da vida no dia-a-dia é moda que ganha as páginas dos jornais, inaugurando a reportagem. Dickens, Balzac, Hugo, Dostoievski, Gogol, Zola, entre outros, foram exemplos de escritores que ansiando por desvendar a alma humana, compreenderam que deveriam debruçar-se sobre o bulício das ruas. O flâneur foi um tipo citado por diversos autores, desde o início do século XIX. No entanto, foi na obra que Baudelaire que ele mais se evidenciou. Baudelaire foi o flâneur do século XIX. Ele louva o artista que mergulha na multidão, recolhe impressões, e as joga no papel assim que regressa ao seu studio. O surgimento de espaços públicos de prazer e lazer criou uma figura pública com disposição para vagar, observar e folhear as cenas de rua: o flâneur – elemento central na literatura crítica da modernidade e da urbanização. Na literatura, ele foi descrito como observador arquétipo da esfera pública, nas grandes cidades européias, do século XIX.
FLANANDO Tenho philosofado um pouco, sobre essas cousas de Friburgo e seriamente uma me impressiona e deixa-me as vezes um pouco receioso do futuro d´esta nossa poética e encantadora cidade Tudo vae muito bem, dirão os leitores. Sim é o que parece, respondo-lhes eu. Dir-me-hão que não tenho razão, mas eu provo e deixo-os todos ahi com côr de água quente, e um sorrizosinho amarello nos lábios. É questão de dia menos dia, nos temos grandes acontecimentos; os factos vão se accumulando e em breve alguma causa de extraordinário surgirá, provocando um basbaque geral. Cogito, prescruto, ouço, observo, vejo uma desordem, uma anarchia geral por baixo da capa pezada d´esse silencio que nos envolve, d´essa paz que mos illude.... Flaneur (O Friburguense, coluna “Flanando”, 16/07/1896)
O articulista Souza Cardoso de O Friburguense criou a coluna “Pif-Paf” onde “lia” a cidade, admirava sua paisagem, observava seus costumes, relatava seu cotidiano e descrevia seus tipos sociais. Como o flâneur, percorria as ruas do centro de Friburgo de onde retirava a matéria-prima do seu ofício. A seguir, dirigia-se para a redação do periódico transformando suas “leituras da rua” em crônicas. Alguns anos depois, assumiria a sua flanerie e mudaria o nome da coluna “Pif-Paf” denominando-a “Flanando”. Na realidade, o articulista encarnava uma mistura do dandi inglês, quando se tratava da indumentária, com a personificação do flâneur francês, ambos personagens emblemáticos do século XIX. Como o Baudelaire, Souza Cardoso usou a máscara, a farsa, o anonimato, assinando a coluna como “Pof-Puf” para viver novas experiências e ter mais liberdade, fugindo à seriedade dos editoriais que escrevia. Na qualidade de flâneur percorria as ruas narrando os acontecimentos como leitor do social, já que era o cotidiano que prendia sua atenção.
FLANANDO Bello céo de Friburgo! Se é dia, o azul do firmamento tem um colorido(...)se é noite, o negro de suas trevas, destaca a luz de myriade de estrellas que scintillam dobrada claridade(...)confesso: gosto mais da noite(...)por isso, gosto mais da noite, negra como a aza da graúna, porque os astros vivem e scintillam dobrada claridade, e eu posso então contenplal-os espandindo a minha phantasia que se perde em mil cogitações sobre os corpos sideraes... Felizmente, não sou o único e assim ao menos, pensa commigo a municipalidade, tanto que a illuminação é conservada somente até certa hora porque o material que ella fornece não dá luz senão até pouco depois da meia-noite. No fim tudo fica em trevas e a gente póde melhor contemplar os astros. Toma-se uma estrella por guia para não errar a casa, á outra a gente reza, para não levar uma facada, nem quebrar uma perna na vala... Flaneur (O Friburguense, coluna “Flanando”, 19/07/1896)
Evidentemente, faltavam em Friburgo a multidão e a metrópole, habitat do flâneur e matérias-primas do poeta francês, já que as pequenas cidades não ofereciam o mesmo espaço que as grandes, para os passeios e a observação. Mas isto não inibiu o articulista em encarnar o personagem incorporando este tipo em suas colunas. O cronista João do Rio também usou este artefato em suas crônicas sobre o Rio de Janeiro.
Flanar! Aí está o verbo universal sem entrada nos dicionários, que não pertence a nenhuma língua! Que significa flanar? Flanar é ser vagabundo e refletir, é ser basbaque e comentar, ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem. Flanar é ir por aí, de manhã, de dia, à noite, meter-se nas rodas da população, admirar o menino da gaitinha ali à esquina, seguir com os garotos o lutador do Cassino vestido de turco,...É vagabundagem? Talvez. Flanar é a distinção de perambular com inteligência. Nada como o inútil para ser artístico. Daí o desocupado flâneur ter sempre na mente dez mil coisas necessárias, imprescindíveis, que podem ficar eternamente adiadas.
O flâneur é ingênuo quase sempre(...)e conhecendo cada rua cada beco, cada viela, sabendo-lhe um pedaço da história, como se sabe a história dos amigos(quase sempre mal), acaba com a vaga idéia de que todo o espetáculo da cidade foi feito especialmente para seu gozo próprio. O balão que sobe ao meio-dia no Castelo sobe para seu prazer; as bandas de música tocam nas praças para alegrá-lo;....E de tanto ver que os outros quase não podem entrever, o flâneur reflete. As observações foram guardadas na pela sensível do cérebro; as frases, os ditos, as cenas vibram-lhe no cortical. Quando o flâneur deduz, ei-lo a concluir uma lei magnífica por ser para seu uso exclusivo, ei-lo a psicologar, ei-lo a pintar os pensamentos, a fisionomia a alma das ruas(...)Eu fui um pouco este tipo complexo, e talvez, por isso, cada rua é para mim um ser vivo e imóvel... (Extraído do livro "João do Rio")
No cabeçalho da coluna “Pif-Paf”, havia o desenho de um cavalheiro elegante, pince-nez à mão, numa representação simbólica do tipo físico do flâneur. Logo, foi através da riqueza deste olhar sobre a cidade, inspirado em Baudelaire que foi possível reconstruir o cotidiano de Friburgo, no livro de minha autoria: O Cotidiano de Nova Friburgo no final do século XIX.
FLANANDO Charuto de tostão ao queixo, gingando um andar com passos de urubú malandro, chapéu á três pancadas, meio inclinado á esquerda, lá vou eu no meu passeio habitual... Em frente á pharmacia do Raspatini, vi o Matta encostado aos umbraes conversando com um eleitor... O homem falava mansinho, com voz meio chorosa, apontava para as botas rotas, alisava as faces com uma das mãos, emquanto a outra saccudia a góla do coronel...Não sou curioso, mas confesso, procurei entender o que conversavam; nada pude apanhar e tão attento estava que distrahi-me e esqueci-me que andava na rua. De repente um choque enorme despertou-me; saltei de um lado, espantado suppondo ter sido colhido por uma das machinas da Leopoldina...(trema dele) Fora engano...havia esbarrado em um homem que vinha também distrahido...quase arrebentando o Gafanhoto da Restinga... Perdão!...Cavalheiro...e apertei o passo para não comprar barulho. E elle, lá ficou a procurar o pince-nez, tendo apenas murmurado: Oh!...não enxerga! Pouco adiante encontrei-me com o Almeidinha; vinha deitando quatorze milhas por hora, isso é o que se póde chamar um juiz de paz transatlântico, isto é com marcha de transatlântico. Sim Senhores....vamos ter uma autoridade ativa...e, já não é sem tempo..... Ainda bem não me havia despedido do Almeidinha, ouvi uma voz symphatica, cheia de uma bondade que todos proclamam dizer: Que é dos meus sello seu tratante... Voltei-me, era um moço moreno, de pince-nez, paletot sacco e guarda-chuva verde e branco. Philatellista enrangé é o maior enthusiasta do olho de boi. Entreguei-lhe uns sellos velhos que trazia no bolso, conversamos um pouco e depois fui para o Suspiro Tudo vasio!...silencio sepulchral!... Somente a fonte cantava saudosa o velho poema do amor, da saudade do ciúme... Nem um sabiá...nem uma pomba!...tudo deserto...voltei para casa desconsolado... Flaneur (O Friburguense, coluna “Flanando”, 09/07/1896)
Observação: os textos foram transcritos do jornal como no orginal.
Na foto acima: Hotel Cassino Turista, funcionou como cassino até 1946, quando os jogos de azar foram proibidos e onde ainda ocorriam grandes bailes. Era localizado na esquina da Rua Ernesto Brazílio, do lado oposto ao antigo Forum.
Na década de 40, do século XX, a Praça do Suspiro, espaço principal de sociabilidade de outrora, sai de moda. A Praça Getúlio Vargas passa a ser o passeio principal. Caminhava-se de um lado a outro, flertando com os rapazes, cuja troca contínua de olhares bastava para o compromisso de namoro. As mocinhas usavam indumentária simples. Sapato de salto alto e maquiagem, somente quando completassem quinze anos. A maquiagem da época consistia tão-somente em pó-de-arroz e batom. Depois do passeio pela praça, uma sessão no Cine Teatro Leal, que se localizava na Rua Augusto Spinelli, onde era o outrora Teatro D. Eugênia.
E havia ainda os bailes do Hotel Central que se localizava onde hoje é o edifício União, na Praça Getúlio Vargas. Ocorriam “bailes de gala”, recomendando-se trajes soirées ou “a rigor”. Aos domingos, o Hotel Central oferecia uma matinê onde se tomava um chopp e dançava-se ao som da vitrola. Havia uma ferrenha disputa entre os rapazes de Friburgo e os “de fora”, os veranistas. As meninas eram instruídas a não aceitarem uma dança com os veranistas e deveriam dizer que já estavam comprometidas. “Que patrulhamento!”, recorda-se Maria Luiza. O Hotel Central depois se tornou um cassino e passou a denominar-se Hotel Cassino Turista. Havia ainda o Clube Xadrez, localizado onde é hoje o edifício Spinelli. Da sacada do prédio do Clube Xadrez vinha um saxofonista que tocava o retumbante instrumento avisando que o baile já ia começar. O Clube Xadrez passou depois a funcionar em cima de uma confeitaria, onde hoje é a predial primus. Para um chá a Confeitaria Serrana e a Sorveteria Única. Uma mulher casada ou uma moça solteira nunca poderia freqüentar qualquer espaço público, mesmo nos locais mais respeitosos, sem uma companhia masculina. Outro espaço de sociabilidade era a estação de trem, apreciado rendez-vous da cidade. Todos os sábados, as moças dirigiam-se à estação para aguardar a chegada do trem das 18:00 horas. As moças iam ver os rapazes que chegavam à cidade e as toaletes das veranistas cariocas. “Eram todas muito elegantes, portando chapéus e luvas”.
À esquerda: O Coreto bolo de Noiva.
Mas que saudades do trem! Nas viagens de trem levava-se frango, farofa e sanduíches. Quando o trem parava no alto da serra, em Theodoro de Oliveira, no Posto do Registro, comprava-se banana ouro, que eram vendidas em cestinhos de bambu. De Friburgo a Niterói levavam-se quase cinco horas. Os homens usavam guarda-pó, pois o trem soltava muita fuligem e fagulha de carvão. Já as mulheres, na maioria, não usavam guarda-pó, para não perderem a elegância. Apesar dos transtornos, como esperar no alto da serra para trocar a cremalheira, “a viagem era muito gostosa”, recordam-se. Quando foi quando o trem deixou de circular em Friburgo? Foi na década de 60. Ficou um vazio na cidade. O apito trem regia o ciclo do dia das pessoas. Somente silenciava na semana santa. Neste período, em sinal de respeito, o trem passava silencioso. Nos anos quarenta, as ruas eram mais floridas, havia o coreto, o bolo de noiva, onde as bandas tocavam e as crianças dançavam de mãos dadas em volta do coreto. Quem não se recorda do vinho chamado Granjinelli da família Spinelli? No Sítio Santa Elisa, do Sr. Raul Sertã, plantava-se suculentos pêssego do tipo europeu, que eram vendidos na cidade. Já na Vila Amélia, peras e maçãs e caqui, no Tingly. E não podiam faltar os rebucados de Lisboa. Nestes doces anos verdes da década de 40, era impossível imaginar que irrompia a segunda guerra mundial.
Entrevista realizada com: Maria Corrêa de Souza (28/10/1920), Maria Luiza Coelho Braune(15/03/1929), Leyla Alves Lopes da Silva Melo(02/09/1937) e Nelie Aguiar Alves da Costa(28/06/1925).
Crédito das Fotos: Centro de Documentação da Fundação D. João VI.
Foto acima tirada na Revolução de 1930, na antiga estação de trem, onde atualmente se encontra a P.M.N.F.
A Revolução de 1930 surgiu para derrubar a República Velha, cujo poder político se concentrava nas mãos das oligarquias estaduais, que tinham como base aliada o clientelismo dos coronéis. Em Nova Friburgo, Galdino do Vale Filho defendia esta oligarquia, e quando a Revolução de 1930 eclodiu, ele foi perseguido por Getúlio Vargas. Saiu de Friburgo e se exilou fora do país. Yolanda Brugnolo Lívio Barilari Bizi Cavalieri d´Oro, nascida em Friburgo em 1922, relata em suas memórias este momento histórico, vivido em sua infância, e assim escreveu:
“...papai era legalista, Tio Dante, revolucionário. Papai era brigão por política, ele que era tão manso em casa. Tio Dante era ousado, dramático, não media conseqüências.(...)Quando a revolução triunfou, fomos para a Praça ver a chegada dos vencedores trazidos no trem. Estava todo mundo na rua, se acotovelando para ver melhor. De repente, atrás de nós, uma mulata começou a falar mal do Washington Luiz. Papai se voltou como uma fera e foi um caso sério evitar que ele desse uns tapas na mulata. Lá pelas tantas o povo resolveu destruir a estátua do líder político de Nova Friburgo, o sr. Galdino do Vale. Ele, que fora sempre venerado por todos, era agora, na fúria da paixão política, vítima do vandalismo desenfreado comum nessas ocasiões. Quando a estátua rolou do pedestal, apareceu meu tio Dante, mancando e carregando uma bandeira vermelha[símbolo do galdinismo] que colocou triunfalmente no monumento decepado. Palmas delirantes da multidão. Acho que aquele foi o grande dia do meu pobre e aloucado Tio Dante...”
O povo de Friburgo gostava de destruir estátuas no passado. Na Praça Dermeval Barbosa Moreira, antiga Princesa Isabel, havia um monumento comemorativo erguido em homenagem ao centenário do município. A estátua era a representação de uma colona suíça segurando em seu colo um bebê. Um grupo de gaiatos roubou a estátua da colona suíça e afixou no local um cartaz com o seguinte dizer: “Cadê mamãe”. Esta foto pode ser vista no Centro de Documentação Fundação D.João VI.
Aproveito a ocasião desse episódio da Revolução de 1930 em Friburgo, para esclarecer sobre a localização da cadeia na antiga propriedade – o solar – do Barão de Nova Friburgo, situado na Praça Getúlio Vargas. Na Revolução de 1930, muitos indivíduos que eram partidários de Galdino do Vale Filho, os galdinistas, a exemplo da família Spinelli e dos Lívio, ficaram custodiados no porão daquele prédio, que serviu de prisão. O “porão” do Centro de Arte é reconhecido como uma antiga cadeia, mas na realidade, todo o rés do chão, ou seja, toda a extensão do porão do solar se transformara em setor de custódia de presos. Como a prefeitura municipal funcionava no solar do barão, foi sempre uma constante em nossa história que a cadeia ficasse próxima a administração municipal. Não devemos nos esquecer que os juízes ordinários outrora compunham a Câmara Municipal. No século XIX, o antigo prédio da cadeia se localizava onde hoje passa a Rua Monte Líbano e denominavam-na de Rua da Cadeia. Com o passar dos anos, a cadeia pública foi sendo itinerante, funcionando em diversos lugares até que se instalou definitivamente na Vila Amélia. E já que estamos falando em itinerância da cadeia pública em Nova Friburgo, já não era hora da cadeia ir para outro local e o casarão histórico onde funciona atualmente ser devolvido à população como um lugar de memória?
Fonte e crédito da foto: Centro de Documentação Fundação D.João VI e livro “Minha vida mágica”, de Yolanda Brugnolo Lívio Bariliari Bizi Cavalieri d´Oro.
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